Jardim Botânico
* Por
Severino Francisco
Moro em um
condomínio horizontal próximo ao Lago Sul e, algumas vezes, ao passar pelo
Jardim Botânico, ficava intrigado com a fila quilométrica de carros que se
estendia para além do estacionamento, se desdobrando por longo trecho do
acostamento. Pensei: deve estar ocorrendo um evento especial. Mas, durante as
férias, resolvi passear por lá e constatei que, na verdade, o acontecimento
especial é o próprio Jardim Botânico.
Ao adentrar aquele
espaço, você faz uma imersão, imediata, no cerrado, com os sons grasnantes,
rascantes, ciciantes e melodiosos dos pássaros e insetos, tão harmonizados ao
ambiente que parecem fazer parte do silêncio. Eles poderiam tocar no Porão do
Rock, no Clube do Choro ou na Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional.
Emitem os sinais sonoros
da biodiversidade que povoa aquele território. A expressão santuário ecológico
passa a fazer sentido. Logo na entrada, o poema de Nicolas Behr oferece uma
senha para compreender a beleza insólita do cerrado: “Nem tudo que é torto é
errado/Veja as pernas de Garrincha/E as árvores do cerrado”.
O Jardim Botânico
tem um programa de visitas guiadas para estudantes e, a todo momento,
desembarcam ônibus de escolas, apinhados de crianças. Mas, na verdade, a
própria visita, sem nenhuma intenção didática, é, a um só tempo, uma
experiência de lazer, de prazer e de educação. Ao longo da caminhada, da
corrida, da contemplação ou do piquenique, você se impregna da beleza singular
do cerrado.
Placas nas árvores
indicam os nomes científicos e os nomes populares, nascidos de uma observação
atenta das formas da flora, muitas vezes carregados de sugestões e sonoridades
poéticas: pequizeiro, copaíba, jacaré-da-folha-grande, vassoura de bruxa,
pau-terra-roxo, mangaba, jatobá-do-cerrado, oiti, Maria-pobre. Caminhar ou correr
é sempre bom, mas naquele ambiente é muito mais agradável.
Nos tempos de
criança, caminhei muito pelo planalto. Bastava dar alguns passos para estar em
pleno cerrado bravo. Catava cajuzinhos, colhia araticuns e apanhava pequi. De
vez em quando, levava um susto com uma cobra coral ou com uma jararaca. Mas,
com a expansão desordenada das regiões administrativas, o cerrado foi rareando
nas cercanias da cidade. De vez em quando, compro pequi em quiosques
improvisados à beira da estrada e pergunto de onde vêm: “De Minas Gerais” é
quase sempre a resposta.
O Jardim Botânico
é uma utopia do que deveria ser a relação harmônica com o cerrado. Em cada
detalhe, a gente percebe o cuidado com a administração daquele espaço: as
trilhas, o herbário, o horto medicinal, o orquidário, os viveiros.
O cerrado não é um
ilustre desconhecido como era nos tempos de construção da cidade. A UnB e a
Embrapa formaram várias gerações de pesquisadores que desvendaram muitos
enigmas do bioma. No entanto, se a consciência ambiental não se expandir, vai
sobrar para todos. O biólogo Marcelo Kuhlmann propõe que sejam plantadas
árvores frutíferas do cerrado no Plano Piloto e nas cidades-satélites. Sem
conhecer, sem ter a vivência do cerrado, como ter consciência ambiental?,
indaga ele.
Fui ao Jardim
Botânico apenas para caminhar. Lá, é possível experimentar a beleza insólita,
áspera, torta e crua do cerrado. Ele é uma das preciosidades de Brasília. Mas,
enquanto passeava, essas divagações, devaneios e especulações povoaram a minha
cabeça. Saí de lá impregnado, sensorialmente, pela beleza do cerrado. Caminhar
no Jardim Botânico é bom para o dia nascer feliz.
(*) Severino
Francisco – Colunista do Correio Braziliense – Foto/Ilustração:
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