Que
“região administrativa” o quê? Cidade-satélite tem história. Dois pesquisadores
propõem a volta da antiga denominação dos núcleos urbanos ao redor do Plano
Piloto. RA não quer dizer coisa nenhuma. (*Por Conceição Freitas)
Acreditando
que estava fazendo bonito, que estava sendo politicamente correto, o então
governador Cristovam Buarque determinou que a denominação cidade-satélite fosse
banida dos documentos oficiais. E que fosse substituída pela burocrática,
comprida e enfadonha “região administrativa”, já reduzida para RA (Erre-A).
Além de tudo, é desprovida de sentido simbólico. É um nada dizendo coisa
nenhuma.
O então
governador acreditava que a palavra “satélite” trazia em si um demérito para as
cidades construídas ao redor do Plano Piloto. A Lua e os 18 anéis de Saturno
por certo ficariam ofendidos se disso soubessem. O ex-reitor, ex-governador,
ex-ministro da Educação e ex-senador deve ter se inspirado na acepção mais
pejorativa da palavra: a de uma pessoa “que, completamente devotada a outra
(por amizade ou por dinheiro e interesses), a acompanha sempre e com ela se
acumplicia na prática de boas ou más ações” (Houaiss). Alguém desprovido de
personalidade, um cúmplice, um puxa-saco, um maria vai com as outras.
Com a
proibição do termo “satélite”, pretendia-se fazer frente à segregação social e
espacial tão fortemente inscrita no território da capital federal. Abandonando
a palavra, as cidades que contornam o Plano Piloto se transformariam em
localidades autônomas e portadoras de identidade própria. O Distrito Federal
continua sendo o território mais espacialmente desigual do Brasil – onde ricos
e pobres, brancos e pretos não se misturam.
A singularidade de cada um dos 30 núcleos urbanos que rodeiam a área tombada
não está vinculada à designação oficial ou popular – se região administrativa,
Erre-A ou cidade-satélite, ou ainda, satélite. Talvez pelo fato de serem
nucleares e devidamente distanciadas do Plano Piloto (numa perversa divisão
territorial), as cidades que rodeiam a invenção de Lucio
Costa têm personalidade própria, e seus moradores delas muito se
orgulham. A maioria nasceu para abrigar brasileiros que vieram em busca de um
cadinho da utopia – de emprego, casa, assistência médica.
Ao pé da
letra, o Lago Sul é uma cidade-satélite; o Park Way, idem. O Jardim Botânico,
também. São todos aglomerados urbanos que gravitam em torno do Plano Piloto,
muito embora a renda média domiciliar do Lago Sul, por exemplo, supere
razoavelmente a da área central de Brasília.
A
denominação cidade-satélite não foi invenção de Lucio Costa. Já existia em
Portugal. Sintra, por exemplo, é uma satélite de Lisboa. Matosinhos é uma
satélite da cidade do Porto. Cidade Satélite, assim sozinha e sem hífen, é nome
de um conjunto residencial de Natal (RN).
Cidade-satélite
é uma denominação com lastro na história de Brasília. No recém-lançado livro
“Território e Sociedade: as múltiplas faces da Brasília metropolitana”, Aldo
Paviani e Sérgio Jatobá propõem resgatar o nome que nasceu com a cidade.
Passados mais de 20 anos da proibição governamental, satélite é uma expressão
tão brasiliense quanto carai, véi.
Por
Conceição Freitas – Fotos: Michael Melo – Daniel Ferreira - Metrópoles