Mais de 20 mil autuados em
2019. Desde que a medida entrou em vigor, em junho de 2008, quase 154 mil pessoas
foram flagradas dirigindo embriagadas do DF. Detran reforça fiscalização neste
fim de ano, em que muitos ainda combinam álcool e direção para ir a festas e
confraternizações. Quem dirige e
bebe paga multa de quase R$ 3 mil e pode ter o direito de dirigir suspenso por
um ano.
*Por » Caroline Cintra
“Perder alguém por doença, a gente
até entende. Mas, perder por irresponsabilidade de outra pessoa, é doloroso
demais, é revoltante.” A fala é de uma mãe cujo filho, de 25 anos, morreu em um
acidente de trânsito em 2014. Marcos* dirigia em direção à casa de um amigo em
um sábado à noite e, ao passar pelo Pistão Sul, em Taguatinga, foi surpreendido
por um motorista bêbado. “Meu filho parou no semáforo, e o rapaz vinha atrás em
alta velocidade. Não deve ter visto o sinal vermelho e bateu com tudo na
traseira do carro. A pancada foi tão forte que meu filho desmaiou na hora. Foi
levado para um hospital, mas não resistiu”, conta a empresária Maria Lúcia*,
44.
Cinco anos depois, ela se lembra
diariamente do filho, principalmente quando ouve música sertaneja, o estilo
musical preferido estudante de recursos humanos. “Sempre que entrava no carro,
colocava uma canção. Ele também era apaixonado por veículos. E não pegava no
volante se tivesse bebido. Eu não sei o que aconteceu com o rapaz que matou meu
filho, se está preso, se está bem, não sei. Mas eu o perdoo e espero que tenha
aprendido com a lição.”
O causador do acidente que vitimou
Marcos foi um dos autuados na Lei Seca naquele ano. Desde que a Lei nº 11.705
entrou em vigor, em 19 de junho de 2008, as multas na capital cresceram em
quase todos os anos. Em 2018, por exemplo, 21.469 motoristas foram penalizados
por embriaguez ao volante. Um aumento de quase 216%, se comparado com as multas
aplicadas em 2009, primeiro ano inteiro em que a legislação passou a valer
(veja Arte).
De 1º de janeiro a 30 de novembro
deste ano, quase 21 mil pessoas foram autuadas após dirigir sob efeito de
álcool. Dessas, 794 foram presas pelo crime. Os números somam as abordagens
feitas pelos órgãos fiscalizadores de trânsito no DF: Detran, Departamento de
Estradas de Rodagem (DER) e Polícia Militar.
Em 2008, quando a Lei Seca entrou
em vigor, a embriaguez ao volante só podia ser constatada por meio do teste do
bafômetro ou pelo exame de sangue — a autuação acontecia caso fosse confirmada
a presença de 6 decigramas de álcool por litro de sangue. No entanto, os
agentes dependiam da colaboração do abordado, que podia usar o direito,
garantido pela Constituição, de não produzir provas contra si mesmo. Quatro
anos depois, a Lei nº 12.760/2012 alterou o artigo 306 do Código de Trânsito
Brasileiro (CTB), possibilitando comprovar o estado de embriaguez por outros
meios, como vídeos e testemunhas.
Teste do bafômetro é um dos meio
de se comprovar a embriaguez ao volante, de acordo com o CTB
Sensação de impunidade: Para o diretor científico da Associação Brasileira de Medicina de
Tráfego (Abramet), Ricardo Hegele, o aumento de autuações ocorre devido à
sensação de impunidade da população. Embora a lei exista, a fiscalização não é
tão frequente, segundo ele. “Temos documentado que, quando a lei entrou em
vigor, houve um aumento na fiscalização e uma sensação de declínio no número de
acidentes. Passada a primeira fase, as pessoas se acostumaram com a ideia, e a
fiscalização ficou menos constante. A gente sabe que não é má vontade do poder
público, mas falta equipamento, agente”, afirma.
Hegele ressalta que, com a
precarização tanto de policiais quanto de agentes de segurança, até mesmo os
motoristas que são pegos na Lei Seca acabam sem punição, e a infração
prescreve, impedindo que muitos casos cheguem a julgamento. “A lei não deixa de
ser rígida, mas a falta de punibilidade é grande. Por outro lado, várias
campanhas de prevenção são feitas, mas não se tornam efetivas por falta de
educação cultural do brasileiro mesmo”, avalia.
Para o especialista, as redes
sociais também contribuem para a falta de punição a motoristas que dirigem
embriagados. “Hoje, por meio delas, a gente sabe dias, horários e locais da
fiscalização. Isso acaba minando um pouco a efetividade. Infelizmente, a
população só se alerta quando acontece algum acidente, mas é preciso entender
que o problema não é o álcool em si. Quer sair, tomar seu drink, pode. Só não
pode dirigir depois”, completa.
CNH suspensa: Em outubro de 2013, o advogado Paulo César*, 31, foi pego na Lei Seca
quando saía de uma festa no Gama e ia para casa na Ponte Alta. Após ter passado
a noite bebendo, ele saiu do evento, por volta das 5h. No percurso, passou mal
e vomitou no volante. Começou a procurar um pano para limpar a sujeira, ainda
dirigindo. Mais à frente, bateu em um poste. A Polícia Militar foi acionada,
fez o teste do bafômetro e constatou ingestão de álcool com nível superior ao
permitido. Paulo foi encaminhado a uma delegacia.
“Sofri um processo penal. Tive
minha carteira (Carteira Nacional de Habilitação) suspensa por um ano e fiz 100
horas de serviço comunitário em uma creche”, lembra o advogado. Além disso, ele
precisou pagar a multa de R$ 2.934,70, por dirigir embriagado, e fazer um curso
de reciclagem no Detran da Asa Sul.
A suspensão da carteira aconteceu
quase cinco anos após o acidente. “Os processos administrativos demoram até
cinco anos. Se passar desse prazo, prescreve. O caso ocorreu em outubro de 2013
e completaria os cinco anos em outubro de 2018, mas, em julho do ano passado,
tive a carteira suspensa. Não pude dirigir por um ano. Se eu pegasse uma multa
durante esse prazo, minha carteira seria cassada”, conta.
Hoje, com a liberação para dirigir
em mãos, veio a lição. “Eu aprendi muito com esse episódio na minha vida. Na
época, eu não tinha muito a visão de que poderia acontecer comigo, mas, hoje,
estou muito mais atento e não dirijo após beber”, garante.
Fiscalização: Com as festas e confraternizações de fim de ano, alguns condutores
assumem a direção dos veículos após consumirem bebida alcoólica. Para aumentar
a fiscalização no período e evitar acidentes, o Detran-DF deu início, em 1º de
dezembro, à operação Boas Festas.
No primeiro dia, a Diretoria de
Policiamento e Fiscalização de Trânsito realizou blitzes nas Asas Sul e Norte e
no Grande Colorado. Das 185 abordagens, 23 condutores estavam dirigindo
alcoolizados, sendo que dois deles foram levados à delegacia por apresentarem
índice de alcoolemia considerado crime. Outros 17 eram inabilitados, seis
estavam com CNH vencida e um com o direito de dirigir suspenso. Na data, ao
todo, foram removidos 48 veículos para os depósitos do Detran.
A operação Boas Festas vai até 1º
de janeiro com a atuação das equipes de fiscalização em dias, locais e horários
estrategicamente mapeados. As equipes contarão com o apoio de guinchos,
motocicletas, empilhadeiras e da Unidade de Operações Aéreas, que atuará com
aeronaves e drones. “Muitas pessoas pensam que não haverá fiscalização e que
podem beber e dirigir. O ideal seria que o condutor não fizesse isso, mas, para
aquelas que apostam na impunidade, estamos agindo”, alerta o coordenador de
Policiamento e Fiscalização da Região Metropolitana do Detran-DF, Wesley
Cavalcante.
Infração
gravíssima: Dirigir embriagado é infração gravíssima, com multa de R$
2.934,70 e suspensão do direito de dirigir por um ano. Em caso de reincidência
no período de até 12 meses, a multa é dobrada: R$ 5.869,40.
O que diz a lei: Infração gravíssima; Dirigir embriagado é infração gravíssima, com multa de R$ 2.934,70 e suspensão do direito de dirigir por um ano. Em caso de reincidência no período de até 12 meses, a multa é dobrada: R$ 5.869,40.
(*) Caroline Cintra -
Fotos: Barbara Cabral/CB/D.A.Press - Monique Renne/CB/D.A.Press - Correio
Braziliense.