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Orgulho de Brasília: Em Dhi Ribeiro, diva do samba, moram as três capitais brasileiras


Em Dhi Ribeiro, diva do samba, moram as três capitais brasileiras. Nascida no Rio, criada em Salvador e morando em Brasília, a sambista traz na sua história, na cor da pele, na música, o Brasil brasileiro. (*Por Conceição Freitas)

Pensou em samba, mulher e Brasília, pensou em Dhi Ribeiro. Na noite de segunda-feira da semana passada (11/11/2019), toda de amarelo e branco, ela lançou o primeiro DVD. Sempre que dá, estou na cola da Dhi. Ali tem um Brasil que o Brasil um dia ainda vai conhecer e dele se orgulhar – e se isso não acontecer, seremos eternamente um país vazio de sentido. Esse gigante que se recusa a si mesmo, querendo ser o que não é e fingindo que é. 

Quando Dhi lembrou-se de onde veio e onde nasceu, abriu-se um clarão: a negra altiva e bela traz na sua história as marcas das três capitais brasileiras, Rio, Bahia e Brasília. Quando nasceu em Nilópolis, em 1966, o Rio já não era mais a sede dos Poderes da República, mas ainda abrigava boa parte da pesada burocracia estatal. Dhi passou boa parte da juventude em Salvador, a primeira capital do Brasil. Andou um tempo na Itália e veio morar em Brasília. 

Ela mesma diz que é essa mistura de brasis, do Sudeste, do Nordeste e do Centro-Oeste. Daí que seu samba tem a influência dessas três pontas do Brasil. Das tias baianas que inventaram um modo de cantar para não se deixar morrer e de tocar e dançar para juntar e resistir. E das tias (e dos tios) dos morros cariocas que deram ao samba um molejo urbano. Por fim, a síntese brasiliense, esse quadrado que junta um pouco de cada lugar – e onde o samba floresce democraticamente no Plano e nas satélites. 

A Bahia onde Dhi viveu a juventude foi capital do Brasil durante 214 anos, de 1549 a 1763 (antes não havia aqui um governo geral português). Se Dhi se diz baiana e brasiliense, ela é mais do que, talvez, imagine. Salvador foi uma cidade planejada, uma das primeiras do mundo. Não nasceu de um povoado que foi crescendo.

Como escreveu o pesquisador Antonio Risério, Salvador “já surge estruturada. Não nasce de um passado, mas de um projeto de futuro que era construir o Brasil”. Tal como Brasília, Salvador nasceu para afirmar a ocupação do território e para ligar a colônia portuguesa ao mundo – pelo mar.
Lá como cá, foi preciso estudar a topografia para então deitar a nova cidade. O terreno fortemente escarpado inspirava uma capital em dois andares, a Cidade Alta e a Cidade Baixa. Em cima, a cidade executiva, política. Em baixo, o porto, o comércio, a vida como ela é. Os edifícios públicos e as igrejas foram construídos em cotas mais altas, para que se impusessem no espaço urbano, como em Lisboa, por exemplo. Era o urbanismo português transplantado para a colônia. 

O planejamento, porém, não nos salvaria da tragédia que nos constituiu como povo. Salvador foi o primeiro porto do tráfico de escravos para o Brasil. Dos estimados 3,6 milhões de almas escravas que desceram em território brasileiro, 1 milhão chegou pela Bahia. O açúcar pedia força de trabalho, e ela era inteiramente negra. 

Com a descoberta do ouro em Minas, Goiás e Mato Grosso, o governo português decidiu se mudar para um porto mais próximo, onde pudesse controlar a exploração das minas e cobrar os impostos. Era o Rio de Janeiro, cidade que já tinha quase 200 anos quando virou capital do Brasil. Vieram os negros, os orixás, os tambores. E surgia mais um porto para os navios negreiros. Capitais da colônia e da escravidão, da riqueza e do suplício. 

O Brasil negro se estendia do Nordeste ao Sudeste, e muitos dos negros fugitivos se esconderam atrás de um paredão de montanhas, com um rio, o das Almas, ao pé das escarpas de pedra. Nascia o maior quilombo brasileiro da atualidade, o dos Kalunga, a 200 km de onde surgiria a terceira capital do Brasil. 

Das três, Brasília é a mais segregadora. Aqui, o negro não é apenas pobre. Ele não se mistura com os ricos. As cidades brancas de um lado; as negras, de outro. Nenhum dos moradores do Lago Sul, quando entrevistados pela Codeplan (PDAD 2018), se declarou negro. Zero. 

Só se vê negro entre os moradores de rua, as balconistas, as domésticas, os garis, os pedreiros. E na UnB, nas escolas públicas, na Rodoviária; e no samba – que nos salva todos os dias, de todas as dores. 

O DVD da Dhi Ribeiro se chama Leme da Libertação

(*) Por Conceição Freitas - Fotos: Michael Melo - Metrópoles 


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