Quem
disse que a utopia fracassou não conhece o Plano Piloto. Os moradores das duas
asas vivem numa cidade quase perfeita. E a maioria não nasceu aqui. Para eles,
o sonho de Brasília deu certo. (*Por Conceição Freitas)
Há
quase 60 anos, um presidente sedutor, sonhador, bom de papo, que gostava de
música e de arte, amigo de arquitetos, artistas plásticos, poetas, seresteiros,
um presidente assim inaugurou a nova capital de seu país. A cidade seria
testemunha e prova da genialidade, inventividade e bravura do povo brasileiro –
uma utopia no coração do Brasil.
Ok,
a utopia fracassou. Brasília não deu conta de responder ao sonho (um tanto
quanto ilusório) de seus criadores. É a cidade mais desigual do país. Mas há um
lugar onde os indicadores socioeconômicos correspondem aos dos países menos
desiguais do mundo.
Nesse
lugar, a utopia deu certo, de um modo perverso, mas deu. Esse lugar é o Plano
Piloto. Pra não dizer que estou mentindo ou exagerando, seguem os números da
PDAD/Codeplan/2018 que traduzem o bem-estar dos 221 mil habitantes das duas
asas. Ou seja, 7% dos 3 milhões de brasilienses podem dizer que habitam a
utopia.
Os
números: 99% dos moradores acima de 5 anos sabem ler e escrever; 99% têm rede
de esgoto (na Fercal, esses privilegiados são apenas 19%); 95% moram em ruas
iluminadas; 95% vivem em ruas com calçadas (na Estrutural, só metade da
população, 53%, passa por ruas com calçadas); 93% dos moradores do Plano
habitam locais arborizados; 87% têm carro; 87% deles trabalham no Plano Piloto
(na Estrutural, só 33% trabalham na própria cidade); 86% vivem próximo a
parques e jardins; 82% têm forno micro-ondas; 81% têm plano de saúde (na
Estrutural, 93% só contam com a rede pública); 80% têm quadras esportivas nas
proximidades; 80% têm notebook (na Fercal, o índice é de 30%); 76% têm ensino
superior completo (na Fercal, só 4,8% têm curso superior); 75% moram próximo a
ciclovias; 74% têm TV por assinatura; 72% têm máquina de lavar roupa; 72% vão
para o trabalho de carro (no Itapoã, só 9% vão de carro. O restante, de ônibus
ou a pé); 70% têm celular pós-pago (na Fercal, a maioria tem celular pré-pago,
85%); 70% têm uma PEC nas proximidades (os equipamentos públicos de atividade
física); 68% têm fone fixo; 68% compartilham serviço/equipamento de segurança;
57% têm empregada doméstica; 56% têm rendimento domiciliar acima de 10 salários
mínimos (R$ 10 mil por mês); 50% têm casa própria (e toda paga); 45% gasta
menos de 15 minutos para chegar ao trabalho; 36% têm ar-condicionado; 15% têm
máquina de lavar louça.
O
Plano Piloto é branco ou assim se considera: 64% se declararam de pele alva.
Apenas 5% se consideram pretos e 30% se dizem pardos. (No Itapoã, o percentual
vira de cabeça pra baixo: 60% se dizem pardos, 24% se reconhecem brancos e 13%,
pretos).
Apenas
39% dos que moram no Plano Piloto são nascidos em Brasília. Nas
cidades-satélites, esse percentual é, em média, de 50%. Em Ceilândia, é de 60%.
O
Plano Piloto é mais mineiro, fluminense e paulista – 44% dos que não nasceram
aqui vieram do Sudeste. Só 15% dos migrantes são nordestinos (em Ceilândia, 63%
dos migrantes vieram do Nordeste).
Utopia,
sim, mas para poucos.
(*)
Por Conceição Freitas - Fotos: Vinícius Santa Rosa - Metrópoles