Um hino que Brasília ganhou na primeira infância.
Antes da inauguração da capital federal, a pianista Neusa França, que morava no
Rio de Janeiro, se inspirou e compôs um hino em homenagem à cidade
Tempos gloriosos de uma capital federal que
começava a nascer: Neusa França, pianista recém-chegada do Rio de Janeiro, já
marcava presença na cidade - Fotos: Arquivo pessoal
Em meio à política desenvolvimentista do presidente
Juscelino Kubitschek – de incentivar o progresso econômico do país por meio da
industrialização –, surgiu a primeira homenagem oficial a Brasília. Antes mesmo
de a cidade em forma de avião ser inaugurada, alguém já imaginava e compunha
uma melodia para ela.
Enquanto aqui no quadradinho todos trabalhavam na
finalização da capital federal, no Rio de Janeiro, a já consagrada pianista
Neusa França dava asas à imaginação e criava a canção que se tornaria o Hino
Oficial de Brasília. A inspiração surgiu durante um trajeto de ônibus de
Ipanema à Lapa, onde ficava a Escola Nacional de Música. Foi durante esse
percurso que ela esboçou os primeiros acordes da música, informa o livro Neusa
França: Um Hino de Amor a Brasília, de Dib Franciss e Jaci Toffano. História
resgatada
Neusa França (segunda a partir da esquerda), em
audição com a consagrada pianista Magdalena Tagliaferro
Neusa era amiga próxima de Victor Nunes Leal, então
ministro-chefe da Casa Civil, e da mulher dele, Julimar. Com versos de Geir
Nuffer Campos e música de autoria da pianista, o hino, logo no início, afirma:
“Todo o Brasil vibrou, e nova luz brilhou, quando Brasília fez maior a sua
glória. Com esperança e fé, era o gigante em pé, vendo raiar outra alvorada em
sua história.” Mais adiante, a música sinaliza: “(…) e o candango sorri feliz —
símbolo da força de um país”.
O professor Dib Franciss fez sua dissertação de
mestrado na Universidade de Brasília (UnB) a partir da obra de Neusa França, e
seu material de estudo, posteriormente, virou um livro. Para ele, os hinos são
símbolos pátrios que vão além do aspecto cívico. “O Hino de Brasília
é um resgate de sua história”, afirma. “Está intimamente ligado com o sonho de
Brasília e fala do candango construindo a cidade e de seu sonho no
coração”.
Em diferentes entrevistas concedidas ao longo de
sua vida, Neusa França sempre comentava: “Fiz um hino curto. Queria
que fosse uma música fácil de as pessoas aprenderem e não igual ao Hino
Nacional, que é longo e constantemente assassinado por quem o canta”.
“Fiz um hino curto. Queria que
fosse uma música fácil de as pessoas aprenderem e não igual ao Hino Nacional,
que é longo e constantemente assassinado por quem o canta” Declaração de Neusa
França em diversas entrevistas
Chegada a Brasília Professora, pianista e
compositora, Neusa França nasceu em Campos, no Rio de Janeiro, em 7 de dezembro
de 1920. A pioneira musical do quadrilátero que se tornou a capital
do país esteve pela primeira vez em Brasília em 1958, para participar de um
estágio destinado a professores. Em 1960, veio de mudança com o marido, Oswaldo
França, e três filhos. Em Brasília, continuou sua carreira como professora,
pianista, compositora e regente de coros. Ela foi uma das fundadoras da
Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, além de pioneira do
ensino do piano no Distrito Federal.
“Brasília para mim é como um filhinho”, conta Neusa
em seu diário, um pequeno bloco de anotações onde costumava escrever sobre sua
rotina desde o momento em que desembarcou na capital, e cuja transcrição foi
feita no estudo do professor Dib. “A gente vê nascer, ir para a
escola, se formar, fazer mestrado e doutorado”. Na época em que redigia suas
primeiras impressões sobre a cidade, ela já marcava presença na vida cultural e
educacional do DF.
“A casa dela era um polo irradiador de cultura,
onde recebeu Jacob do Bandolim, Tia Amélia, Avena de Castro e Nelson Freire”,
conta o professor, que participou de várias apresentações com a pianista. “Os
saraus na casa dos Franças não tinham hora para acabar. Neusa fez o primeiro
recital de piano da nova capital, Brasília.”
Oficialização do hino: O hino oficial da cidade
nascida do sonho de Dom Bosco foi analisado e aprovado em 1960, posteriormente
tendo sido adotado, em caráter oficial, por meio do decreto 51.000, de 19 de
julho de 1961, assinado por Jânio Quadros e Brígido Tinoco.
Em 19 de julho de 1961, o hino foi oficializado de
forma unânime por uma comissão do Ministério da Educação e Cultura (MEC, à
época). No livro de Dib Franciss, Neusa afirma que o decreto presidencial que
oficializou o Hino de Brasília foi o último assinado pelo presidente João
Goulart antes de ele ser deportado.
Compuseram a banca para a aprovação do Hino Oficial
de Brasília Ademar Alves da Nóbrega, afilhado de Villa-Lobos; o crítico musical
Itiberê da Cunha; o maestro, compositor e professor de harmonia José Siqueira;
o maestro Eleazar de Carvalho; o professor de Harmonia do Conservatório
Villa-Lobos Humberto Gonçalves e, por fim, o pianista, regente e compositor
Francisco Mignone.
A peça musical foi apresentada pela primeira vez em
16 de maio de 1960, durante a inauguração do Centro de Ensino Médio Caseb (Comissão
de Administração do Sistema Educacional de Brasília), a primeira escola da
capital, durante solenidade à qual compareceram o presidente Juscelino
Kubitschek e outras autoridades.
A primeira gravação: O primeiro registro
fonográfico do hino, conta Dib Franciss, ocorreu em 1986, em uma fita cassete.
Participaram da gravação músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional de
Brasília, da qual Neusa também era integrante, sob a regência do maestro
Claudio Santoro.
Por iniciativa da Secretaria de Cultura do GDF, em
1990, foi feita uma gravação em homenagem a Brasília reunindo 30 composições,
entre elas o Hino de Brasília. Sob a regência do maestro Silvio Barbato, o
registro ganhou formato de LP, tendo sido gravado como DC em 1998. O intuito da
Secretaria de Cultura foi tornar o hino oficial conhecido pela sociedade, em
especial nas escolas da rede pública de ensino.
Em um dos trechos do livro, Franciss descreve que,
durante um curso de formação de professores, Neusa convenceu todos os
participantes a entoarem o Hino de Brasília, à época ainda não oficializado. O
autor também cita uma declaração da pianista informando que “nos colégios, toda
segunda-feira, havia o hasteamento da bandeira, a execução do Hino Nacional e
do Hino de Brasília”.
Neusa faleceu em março de 2016, aos 95 anos, na
capital federal. Compôs mais de 15 hinos, dos quais dez levam o nome
Brasília no título. Segundo a portaria elaborada em conjunto pelas secretarias
de Educação (SEE) e de Segurança Pública (SSP) para regulamentar as escolas de
gestão compartilhada, o Hino de Brasília será ensinado nas instituições
públicas de educação.
Vídeo:
Emanuelle Coelho - Agência Brasília