Nem só de
Oscar Niemeyer vive a capital do Brasil. Conheça outros grandes arquitetos que
ajudaram na construção da capital. É nos blocos residenciais, especialmente os
da Asa Sul, que aparece a variedade de nomes
Quando inaugurou uma nova forma de viver em
apartamento nas superquadras, Lucio Costa estabeleceu as diretrizes de como
deveriam ser os prédios multifamiliares: blocos de seis pavimentos e erguidos
sobre pilotis, permitindo a livre circulação de pessoas.
Oscar Niemeyer fez as curvas no concreto e deixou
seus traços na grande maioria dos monumentos da nova capital. Apesar de
idealizada por dois dos maiores arquitetos do país, Brasília foi desenhada a
várias mãos. Há muitos outros nomes, alguns reconhecidos e outros nem tanto,
que contribuíram para a riqueza arquitetônica da cidade identificada como
Patrimônio Cultural da Humanidade.
Mesmo tento elaborado os projetos urbanísticos de
várias quadras do Plano Piloto, Lucio Costa não projetou nenhum prédio
residencial. No entanto, são dele dois elementos fundamentais do projeto: a
Torre de TV e a Rodoviária do Plano Piloto, marco zero da capital.
“A rodoviária é um edifício que é um mercado, um
shopping e, ao mesmo tempo, é o coração urbano de Brasília, o que é muito
importante para uma obra de arquitetura”, afirma o professor aposentado da
Universidade de Brasília (UnB) Cláudio Queiroz.
“Para mim, a rodoviária é a obra mais importante de
Brasília, não é a mais bela. É ela que articula os eixos Rodoviário [Norte-Sul]
e Monumental [Leste-Oeste], que determinam o traçado do Plano Piloto”, completa
o também arquiteto e professor aposentado da UnB José Carlos Córdova Coutinho.
“Sem a rodoviária, Brasília não existiria.” Já Oscar Niemeyer não projetou
apenas os prédios públicos e monumentos pelos quais se tornou conhecido. Também
são de sua autoria os desenhos dos primeiros prédios residenciais erguidos na
capital, em blocos nas superquadras Sul 105, 106, 206, 207, 104, 304, 107, 307
e 108.
Cobogós: Invenção pernambucana da década de 1930, o
cobogó acabou se tornando marca de Brasília e usado por inúmeros arquitetos em
seus projetos
Em todos os edifícios residenciais projetados por
Niemeyer, um elemento se repete: os cobogós, aqueles buraquinhos nas fachadas
dos prédios da Asa Sul e da Asa Norte. Muitos brasilienses até podem não saber
o nome, mas reconhecem esse diferencial em qualquer fotografia da cidade.
Invenção pernambucana da década de 1930, o cobogó
acabou se tornando marca de Brasília e foi usado por inúmeros arquitetos em
seus projetos. O nome cobogó é formado pelas iniciais dos sobrenomes de seus
criadores, então donos de uma fábrica de tijolos: Amadeu Oliveira Coimbra (co),
Ernest August Boeckmann (bo) e Antônio de Góis (go).
Os cobogós são blocos vazados de cimento que, além
do efeito estético, permitem a circulação de ar e a entrada de luz no edifício.
Em Brasília, foram usados como forma de vedar o edifício para adequá-lo às
condições climáticas do país, nem frio nem quente demais.
“O ar entra e sai do outro lado”, explica Cláudio
Queiroz. “Eles trazem essa possibilidade de vedar sem fechar e impedir a
circulação de ar”. Segundo ele, Niemeyer usou os cobogós mais simples,
pequenos, pré-fabricados e mais baratos.
Colegas de Niemeyer: Muitos dos arquitetos que
vieram para Brasília nos primeiros tempos e ajudaram a erguer a capital
trabalharam ao lado de Niemeyer – que, segundo Coutinho, contou com
colaborações de grandes talentos da arquitetura brasileira. “Alguns mais
jovens, recém-formados, outros mais velhos”, conta o professor. “Falam que
Brasília é do Niemeyer, e não é. Primeiro, o projeto urbanístico é do Lucio
Costa. Depois, parece que Niemeyer fez tudo sozinho, e não é verdade. É preciso
fazer justiça”.
Nauro Esteves, que era chefe do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Novacap, atuou como assessor imediato de
Oscar. Nenhum outro arquiteto, depois de Niemeyer, deixou tantos riscos no
quadradinho quanto ele. São de Esteves, entre outros, prédios icônicos da
cidade, como o Conjunto Nacional, o Hotel Nacional, o Palácio do Buriti e a
sede da Polícia Militar (no Setor Policial Sul).
Em entrevista ao Programa de História Oral, do
Arquivo Público do DF, Nauro reconheceu que “nada nessa cidade” deixou de
passar por suas mãos – pelo menos período entre 1956 e 1968, quando ele deixou
a Novacap. O prédio do Bloco D da 112 Sul foi projetado por
Nauro Esteves
Nauro também projetou prédios residenciais, como o
bloco duplo JK, da SQS 112, com a fachada revestida em esmalte azul e partilhas
brancas, com 36 unidades de 138 metros quadrados.
São ainda de sua lavra projetos de edifícios nas
superquadras Sul 403, 406, 407, 410, 411 e 413 e de prédios com apartamentos de
três e quatro quartos na SQS 115 e na SQN 102. O bloco H da 115 Sul,
projetado por Esteves, foi um dos primeiros a ser erguido na quadra.
Nauro Esteves e Niemeyer se conheceram em 1949. O
primeiro estava se formando em arquitetura no Rio de Janeiro e o segundo já era
um dos principais nomes do século.
Esteves se inscreveu em um concurso interno de
projetos na universidade e ganhou o prêmio principal. Niemeyer estava no júri
e, pouco tempo depois, contratou o pupilo para atuar no escritório.
Chegou em 1956 e fez parte da primeira caravana de
arquitetos e projetistas que vieram para a nova capital, com Bernardo Sayão
(engenheiro agrônomo), Niemeyer e Israel Pinheiro (político). Morou em Brasília
até 2007, quando morreu.
Variedade de nomes: É nos blocos residenciais,
especialmente os da Asa Sul, que aparece a variedade de nomes que contribuíram
para a construção da capital. Foram muitos os arquitetos que projetaram prédios
das superquadras, como Marcílio Mendes Ferreira, Hélio Uchôa, Eduardo Negri,
Milton Ramos, Stéllio Seabra, Marcelo Graça Couto, Sérgio Rocha e muitos outros
que deixaram, impressos em concreto, singularidades nas fachadas, nos pilotis,
na distribuição interna dos espaços, nas janelas e nos basculantes. Projetos de Milton Ramos, S.Q.Sul 203 - e outros nas 400....
O Bloco C da 210 Sul é obra de Marcílio Mendes Ferreira. A maioria dos brasilienses desconhece o nome do arquiteto que projetou o seu prédio, mas alguns deles aprenderam a valorizar a riqueza arquitetônica que garante qualidade de vida para o seu dia a dia.
O Bloco C da 210 Sul é obra de Marcílio Mendes Ferreira. A maioria dos brasilienses desconhece o nome do arquiteto que projetou o seu prédio, mas alguns deles aprenderam a valorizar a riqueza arquitetônica que garante qualidade de vida para o seu dia a dia.
O casal de servidores públicos Rafael, 40 anos, e
Alice Della Nina, 36, morava em um apartamento de 80 metros quadrados no Guará
II e passou a procurar um novo lar quando a família estava prestes a
crescer.
Eles começaram procurando apartamentos em prédios
com assinatura de Hélio Uchôa, que trabalhou no escritório de Lucio Costa e
elaborou os projetos das SQS 105 e 305, além da sede da Petrobras em
Brasília. Na 105 Sul foram projetados dez blocos, sendo oito com 288
apartamentos de três quartos e dois com 48 apartamentos de quatro quartos.
Os acabamentos dos edifícios são finos e a fachada
principal é caracterizada pelas esquadrias e venezianas de madeira. Na fachada
posterior, predominam os cobogós de cerâmica vermelha, lembrando os utilizados
por Lucio Costa no Parque Guinle, no bairro do Flamengo, no Rio de
Janeiro.
Durante a procura, o casal acabou descobrindo o
mineiro Marcílio Mendes Ferreira, que, como funcionário do Departamento de
Engenharia da Caixa Econômica Federal encarregado de promover a construção de
residências para os funcionários transferidos para a capital, surgiu como um
dos principais arquitetos de Brasília. Ele fez inúmeros projetos de edifícios
de apartamentos entre 1973 e 1982.
Qualidade de vida: “Eu queria uma sala assim,
ampla, iluminada e arejada”, conta Alice, que mora com o marido, Rafael, no
Bloco C da 210 Sul
Rafael e Alice moram em um dos 24 apartamentos de
uma obra-prima projetada por Marcílio: o Bloco C da 210 Sul. Construído para os
altos funcionários da Caixa Econômica Federal, o prédio se destaca pelo padrão
nobre, uma forma de compensação pela mudança para a nova capital.
“Eu queria uma sala assim, ampla, iluminada e
arejada”, conta Alice. “Esse prédio tem três irmãos gêmeos: o Bloco I dessa
mesma quadra, o bloco C da SQS 312 e o K da 203. Chegamos a encontrar um à
venda na 312, mas estava todo reformado e fora da nossa realidade. Até que
achamos esse”, completa Rafael.
Os apartamentos possuem 221 metros quadrados
divididos em uma ampla sala, cozinha, dependência de empregada, área de
serviço, sala de jantar, lavabo, banheiro social e três quartos, sendo um deles
suíte. Rafael e Alice moram no imóvel desde 2017 e fizeram questão de mantê-lo
o mais original possível, com piso em madeira, azulejos da década de 1970 e
louças verdes no banheiro.
A única alteração feita por eles foi na utilização
da sala de jantar que fica nos fundos do apartamento. O cômodo virou a
brinquedoteca da filha de dois anos e 10 meses, cujas brincadeiras são
iluminadas pela luz do sol que invade o local na parte da manhã graças aos
cobogós da fachada posterior do prédio.
Um tesouro preservado na 210 Sul: as portas de
vidro se abrem para um pequeno jardim seguido por uma parede de cobogós que
compõe a fachada principal do prédio
O tesouro fica nos ambientes da frente do
apartamento vazado. As janelas da sala foram substituídas por portas de correr
com pequenos módulos basculantes na parte superior. As portas de vidro se abrem
para um pequeno jardim seguido por uma parede de cobogós que compõe a fachada
principal do prédio.
O jardim se estende por todo o apartamento, sendo
interrompido apenas por pequenas varandas que ocupam um módulo de quebra-sóis.
Não há divisórias, e é possível passar da sala para o quarto por esse
espaço.
O casal sabe que vive em um prédio diferenciado e
valoriza o patrimônio histórico e arquitetônico onde vive. Alice conta que,
além da estética, o prédio é funcional. “Os cobogós e o jardim dão conforto
térmico e acústico. Basta abrir essas janelas basculantes para refrescar todo o
apartamento”, diz. Segundo Rafael, os vizinhos também reconhecem a importância
do edifício.
“Estamos reformando as fachadas e todo mundo se
prontificou a pagar mais caro e trazer a pastilha original de São Paulo para
não descaracterizar o prédio”, conta.
O arquiteto Marcílio Mendes Ferreira também
projetou os 11 blocos da SQN 206
Marcílio também projetou os 11 blocos da SQN 206. A
elaboração dos projetos e a preparação da licitação foi feita em apenas três
meses. Cada prédio tem 36 apartamentos de cerca de 120 metros quadrados.
O arquiteto mineiro buscou racionalizar o processo
construtivo por meio da modulação e da utilização de elementos pré-moldados,
marca das obras de Oscar Niemeyer e de João Filgueiras Lima – mais conhecido
como Lelé –, um dos grandes nomes da arquitetura moderna brasileira e que
também deixou sua marca em Brasília.
Ambos utilizaram esse recurso para construir as
primeiras edificações da Universidade de Brasília (UnB), como o Minhocão. Lelé
também assina os projetos dos hospitais da Rede Sarah, em Brasília e no Brasil
inteiro, do Hospital Regional de Taguatinga (HRT) e do Beijódromo, o Memorial
Darcy Ribeiro, na UnB.
Os dois vistosos edifícios do Setor Comercial Sul,
o Morro Vermelho e o Camargo Correa, com as brises coloridas de concreto
pré-moldado, também são dele, assim como os blocos da Colina, na UnB.
Galeria de Fotos: https://bit.ly/2tjDcE4,
Gizella Rodrigues - Fotos: Acácio Pinheiro - Joel
Rodrigues - Blog - Google/ Milton Ramos - Agência Brasília