Feira da Torre, um mosaico de
cada cantinho do Brasil. Espaço aberto sob o mirante central da cidade traduz a
identidade de Brasília ao abrigar a rica mistura das culturas do país
A feira é o local
procurado por todos que precisam adquirir algum produto e não sabem ao certo
onde encontrar. Nos fins de semana, passam por lá de 10 mil a 15 mil pessoas
Ponto turístico imperdível para quem visita Brasília, ela também
tem um lugar guardado no coração dos brasilienses, seja os que cruzam o
Distrito Federal para comer o acarajé na barraca da Mainha, seja quem vai
degustar o tacacá na Delícias do Pará. Ou, ainda, quem quer, simplesmente,
comprar um móvel ou um objeto de decoração para a casa.
O nome oficial é Feira de Artesanato da Torre de TV, mas, por
décadas, foi chamada de Feirinha Hippie. Hoje, ela é conhecida como Feirinha da
Torre. Em 50 anos de história, também mudou de lugar. Saiu dos pés da Torre,
onde os feirantes montavam barraquinhas com lona azul, para os boxes fixos
pintados de verde construídos em uma área mais abaixo do monumento projetado
por Lucio Costa.
Independentemente do nome ou da localização, é para lá que todo
mundo corre quando precisa comprar alguma coisa e não sabe onde encontrar. São
600 boxes, 480 ocupados, onde se vende de tudo, redes, almofadas, esculturas em
madeira e pedra sabão, souvenirs de Brasília, camisetas, flores secas do
Cerrado, artesanato em prata, couro, quadros, estofados e móveis de madeira.
Os artigos vendidos ali devem ter
uma característica em comum: serem produzidos artesanalmente. “A Feira da
Torre de TV traduz a identidade de Brasília, que é essa mistura de todas as
culturas do país”, afirma Hebert Amorim, presidente da Federação das Associações
de Artesãos do DF e Entorno (Faarte/DF) que tem uma banca que vende redes,
almofadas e cortinas feitas à mão no local há 26 anos.
Hebert
Amorim, presidente da Federação das Associações de Artesãos do DF e Entorno:
“Foi o JK que trouxe o primeiro artista plástico para expor e vender seus
quadros aqui”
História de Brasília: Não há registro oficial da inauguração da Feira, o que se sabe é que sua história se confunde com a data da Torre inaugura da em 1.967, os artesões contam que a torre ainda em construção já começavam a expor seus produtos no local.
A ocupação foi inclusive
incentivada por Juscelino Kubitschek que teria visitado Paris e ficado
encantado com a venda de artesanato parisiense embaixo da Torre Eiffel. “Foi o
JK que trouxe o primeiro artista plástico para expor e vender seus quadros
aqui”, conta Hebert.
O artesão: Manuel
Messias, 73 anos, chegou a Brasília em 1957 com os pais quando tinha 10 anos. O
pai, farmacêutico, veio para o Planalto Central em 1956 e, um ano depois, foi
buscar a família em São Paulo. Na nova capital, ele aprendeu o ofício de
sapateiro e vendia seu trabalho em uma calçada na 103 Sul entre 1965 e 1968. Em
1969, foi morar com o concunhado no acampamento da construtora Rabello, no
Setor Hoteleiro Sul.
A Torre de TV tinha apenas dois anos de idade e Manuel conta que
ele decidiu montar uma barraca na feira que começava a surgir. “Antes mesmo da
torre ser inaugurada, já tinha três artesãos expondo seus produtos aqui”, conta
o ex-sapateiro que aprendeu novas técnicas para trabalhar o couro e hoje faz
bolsas, carteiras e porta-moedas. Tudo em couro legítimo.
“Nunca vi boi sintético”, brinca. “Eu faço minha ferramenta, minha
tinta e crio todos os meus produtos. Você pode rodar essa feira toda que não
acha nada copiado de outras barracas”, diz.
Manuel teve três filhos, e a
primogênita Débora Garcia, 49 anos, aprendeu a trabalhar com couro com o pai.
Aos oito anos já fazia sandálias rasteirinhas e bolsas infantis. Ela trabalhava
com o pai até tirar a carteirinha de artesã e conquistar seu próprio box na
feira da Torre de TV aos 13 anos.
“Eu observava muito. Aprendi a
fazer a trança redonda no couro vendo meu pai ensinar um funcionário dele.
Também aprendi a costurar na máquina industrial com ele e, principalmente, ele
me ensinou os segredos para moldar bem as peças”, conta a artesã que mantém uma
banca na Feira da Torre de TV há 36 anos, faz um artesanato mais moderno que o
do pai e, diferentemente dele, trabalha com couro sintético. “Acho que 5% das
minhas peças são com couro sintético. Uso esse material por causa dos veganos
que não consomem couro”, explica.
Acarajé
da Mainha: Um dos
boxes que mais faz sucesso na praça de alimentação da Feira de Artesanato da
Torre de TV, onde é possível encontrar pratos da cozinha regional do país
inteiro, é o da Mainha, especializado em culinária baiana, como acarajé, vatapá
e outras delícias. A “Baiana do Acarajé”, Mariana de Oliveira, foi uma das
pioneiras da feira, teve uma barraca no local por 45 anos até 2011, quando
faleceu aos 74 anos.
“Primeiro ela vendia quentinha para
os trabalhadores da construção da Torre de TV, depois colocou seu tacho e
começou a fazer acarajé”, conta Cleuza Pinheiro, a única filha biológica de
Mainha que assumiu o negócio desde sua morte, a pedido da mãe. “Não cozinho tão
bem quanto ela, mas estou tentando”, diz.
Cleuza Pinheiro, filha de Mainha, a primeira baiana do acarajé da
Feira da Torre: “Não cozinho tão bem quanto ela, mas estou tentando”
Cleuza conta que a mãe ficava embaixo de chuva e de sol na
barraca, de onde tirou o sustento para criá-la, juntamente com os seis filhos
adotivos. Todos eles bateram à porta da baiana em busca de ajuda e foram
acolhidos, alimentados, instruídos e adotados como filhos. “Ela chamava o Torre
de ‘mãe torre’, dizia que daqui tirou o dinheiro para sustentar eu e meus
irmãos”, diz. “Quando chovia lembro que todo mundo corria e ela colocava
um saco na cabeça”, relata.
O restaurante fica lotado aos
finais de semana. Os clientes fazem fila e esperam 30, 40 minutos pelo prato. E
sem reclamar, garante Cleuza. “Foi um legado que minha mãe me deixou. Eu falei
que não dava conta de cozinhar para tanta gente e mamãe disse que os fregueses
me ajudariam”, recorda-se. Segundo ela, o estabelecimento já tem cinco gerações
de frequentadores.
Como o casal Kátia de Paula, 45
anos, e Wellington dos Reis, 48 anos. Eles frequentam a barraca há 31 anos,
desde quando eram namorados. Saíam de ônibus de Sobradinho, onde moram, para
comer o acarajé de Mainha. “Lembro a primeira vez que eu vim. Ela me perguntou
se eu queria quente ou frio. Eu pedi quente (acarajé é quente, não é?) e veio
tão apimentado que mal consegui comer”, conta Wellington. “Da segunda vez eu
contei e ela morreu de rir. Falei que queria gelado”, completa.
Hoje eles não precisam mais pegar
ônibus, pois têm carro. Mas ainda batem ponto na feira da torre uma vez por
mês. O casal tem quatro filhos, de 27, 22, 18 e 15 anos, que foram apresentados
à culinária baiana desde pequenos e também se tornaram clientes assíduos. Os
dois mais velhos também levam as namoradas. “Fomos para a Bahia e ficamos até
frustrados. Não achamos nenhum acarajé tão gostoso”, diz Kátia.
Mudança de
lugar: Mainha faleceu no mesmo ano em que os feirantes
saíram das barracas montadas nos pés da Torre de TV para a estrutura fixa
construída em uma área mais abaixo do monumento. No começo, os artesãos
reclamaram da mudança e os frequentadores demoraram a se acostumar com a nova
localização. “Muitos acharam que a feira tinha acabado. Vinham na torre e não
desciam aqui”, explica Hebert Amorim, presidente da Faarte/DF.
Hoje, entre
10 mil e 15 mil pessoas visitam a feira aos fins de semana. Há escadas rolante
para facilitar o trânsito entre o monumento e as barracas para os turistas e
brasilienses. As escadas, porém, estão desligadas há mais de quatro anos, desde
quando começou a reforma do ponto turístico.
O GDF está reforçando a estrutura
do monumento, que nunca tinha passado por manutenções significativas desde a inauguração,
e as obras estão 90% concluídas. Após a recuperação, o local
passará a ser gerido pelo Banco de Brasília (BRB).
Com a revitalização do local, os
feirantes pretendem mudar o horário de funcionamento do local. Atualmente, a
feira fica aberta todos os dias das 8h às 18h, sendo que segunda-feira é uma
espécie de ponto facultativo e a grande maioria dos boxes não abre. Nos outros
dias, cerca de 30% da feira funciona, mas os boxes ficam abertos mesmo aos fins
de semana.
Os feirantes querem que, em dias de
semana, os boxes abram à tarde e fiquem abertos até a noite, para ser uma opção
de lazer para o turista que vem a Brasília para participar de eventos, por
exemplo.
Lazer: A Feira de
Artesanato da Torre de TV também é lugar de diversão. Uma roda de capoeira
acontece no local a cada 15 dias, sempre aos domingos de manhã. No segundo
sábado de cada mês, das 9h às 12h, acontece o “Café com Samba”, uma roda de
samba acompanhada de café da manhã.
No terceiro
sábado do mês, 90 artesãs se reúnem para a oficina do projeto Polvo de Amor,
que confecciona e doa pequenos polvos de crochê para crianças recém-nascidas
prematuras. A iniciativa, inspirada em uma ação social que ocorre na Dinamarca
desde 2013, produz calma e proteção ao recém-nascidos no momento de ausência do
contato humano.
As artesãs do projeto Polvo de Amor confeccionam pequenos polvos
de crochê e os doam a crianças recém-nascidas prematuras
O corpinho do polvo acalma bebês nas incubadoras. Os tentáculos
dão macios e ideais para serem agarrados, o que evita que os bebês puxem fios e
sondas. Os pequenos se sentem abraçados pelos bichinhos. O projeto existe desde
2017 e, desde então, já distribuiu 5 mil polvos em UTIs neonatais de hospitais
públicos e particulares.
Galeria de
Fotos: https://bit.ly/2PyxExr
Gizella Rodrigues - Fotos: Arquivo/DF - Renato Alves - Agência
Brasília
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BRASÍLIA 60 ANOS