*Victor Dornas
Renato Andrade: “Ontem o governo de São Paulo conseguiu
no Supremo uma liminar para suspender o pagamento da dívida, com o objetivo de
aplicar isso obviamente em trabalhos da secretaria de saúde. Você acredita que
essa é uma medida que faz sentido e que o governo deveria abrir mão desse
pagamento de dívida para todos os Estados”?
Armínio Fraga: “Olha... se essa moda pega, acredito que
esse pode ser um fator bastante desestabilizador do país. Não olhei detalhes da
decisão, não sei se foi um caso específico, mas se foi uma decisão genérica eu
temo pelas consequências. Acho que seria o estopim de crise.”
A entrevista concedida pelo economista
Armínio Fraga ao programa Roda Viva apresentou fatos que explicam boa parte da
crise que nós vivenciamos. O programa tratou de questões pretéritas e também da
pandemia e suas decorrências. Fraga enfatizou que o Brasil há tempos não
investe em saúde, tratou também da reforma tributária elencando os velhos temas
de sempre, como por exemplo o peso gigantesco das benesses do funcionalismo e a
tributação generosa com os mais favorecidos, ainda que ele como liberal saiba
que é do rico que sai o dinheiro que propicia o mercado.
O jornalista João
Villa Verde lembrou um artigo escrito pelo próprio Fraga onde se afirma que
quase metade das transferências monetárias do governo federal se destinam aos
20 % mais ricos. Fraga então respondeu o seguinte. “As vezes na pressão as
coisas saem. Primeiro deve se cuidar das tributações indiretas, que são um
verdadeiro manicômio no Brasil.”
Bolsonaro pediu para o congresso um
decreto por calamidade pública para flexibilizar os gastos do governo na
contenção da crise, porém, logo em seguida se dirige ao povo dizendo que o caso
da doença covid-19 seria apenas uma “gripezinha”, a despeito de ter parado a
economia global. Percebem a contradição? Na hora de pedir arrego no congresso o
problema é sério? Uma vez cedido, o contágio passa a ser menosprezado. A
questão vem se espalhando pelos governos.
O Brasil que tem por história um
governo descontrolado diante da crise da pandemia agora espera que os
governantes, sem o rigor da responsabilidade fiscal, direcionem direito a
aplicação do erário. Fraga diz que o momento é de endividamento sim, mas
adverte que o “swap” realizado pela FED – o banco central estadunidense, não
deve ser usado da forma como foi divulgado nos sites brasileiros, uma vez que a
conversão do dólar para a moeda local é de ampla complexidade.
Então não é que
aquilo signifique os 300 bilhões de dólares que podem ser usados como um
empréstimo amigável na contenção dos efeitos da crise. Fraga diz que existe
reserva própria a momentos de crise, a reserva do país, além de suas condições
naturais como fartura de agro.
Ainda assim persiste o problema no cotejo
indevido que sem sido feito entre Bolsonaro e Trump. A economia dos EUA, sabida
a maior do planeta, computou seus riscos e implementou programa de subsídio na
ordem de 2 trilhões de dólares (10 trilhões de reais). O Brasil, embora tenha
um sistema de saúde diferenciado em relação aos Estados Unidos onde o problema
de saúde se dá na dependência do mercado privado, não há condição para um
aporte ao menos parecido com este.
Ademais, há de se ressaltar que o presidente
trava uma guerra institucional não apenas com os outros poderes, mas com os
governadores também, vide a conferência que antecipou o pronunciamento
desastroso, onde foge do assunto técnico para acusar o governo de São Paulo de
um golpe político. A estrutura da democracia estadunidense é completamente
diferente.
A questão que fica agora é como o governo
brasileiro agirá com um salvo conduto para gastar como quiser e pior, podendo
delegar todo tipo de insucesso ao vírus. Tudo que der errado é culpa do vírus,
uma vez que os já fragilizados mecanismos de auditoria orçamentárias estarão
inoperantes. Auditorias que custam enormes fortunas para sustentar os chamados
tribunais de contas que muitas vezes operam buscando rigor pautados numa
legislação omissa na punição de irregularidades fiscais. Muito se preconiza,
porém quase nada se pune.
A deposição da Dilma, por exemplo, se deu em razão de
pedalada fiscal. Pergunta-se: Houve punição? Alguém foi preso? Não há interesse
no rigor orçamentário brasileiro. Não houve um planejamento nesse sentido e o
vírus chega como um teste que não nos preparamos para enfrentar.
O governo se digladia com o próprio
congresso, mas conseguiu carta branca para torrar o erário. Por isso não
pensa tanto nas vítimas como se ilude na convicção de que pode até capitalizar
um pouco em razão das prerrogativas concedidas diante do sufoco do surto
virótico. Isso é política, caro leitor.
(*) Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas –
Foto/Ilustração: Blog-Google