O Bibelô da Saúde
*Victor Dornas
“São Paulo está fazendo o início de seu redemoinho. A gente imagina que
ele vai pegar velocidade e subir nas próximas semanas, dez dias. A gene deve
entrar em abril iniciando a subida rápida. Essa subida rápida vai durar o mês
de abril, maio e junho, quando começar uma desaceleração. O mês de junho deve
começar o platô. Em agosto esse platô começará a mostrar tendência de queda e a
queda em setembro será profunda.”
Essas
palavras foram proferidas pelo nosso (ainda) ministro da saúde, Luiz Henrique
Mandetta. Nós temos o péssimo costume de depor presidentes sem condená-los
depois. Em analogia ao privado, é o caso do “cônjuge de malandro”, aquele que
apanha, sofre, mas adula. Temos outra péssima mania que é fingir que o
presidencialismo é adequado ao nosso país uma vez que é usado pelos Estados
Unidos, porém não queremos arcar com o ônus deste sistema de governo que é
manter no mandato aquilo que escolhemos.
Então se queríamos depor a Dilma, uma
condenação penal seria igualmente imperiosa para termos feito. Nos Estados
Unidos (sempre usamos a máxima “Nos Estados Unidos... isso ou aquilo”) a queda
de um presidente decorre não apenas de uma infração penal, mas enfoca-se muito
a questão da fraude eleitoral. Esse é o ônus de um sistema como este, do
contrário o mais adequado é adotarmos o parlamentarismo.
Nessa
carência desvairada, sempre que se insurge no cenário político uma figura mais
instruída, preferencialmente alheia ao metiê da política, logo ficamos
imaginando “como seria bom se ele fosse o nosso presidente”, pois somos assim,
por trauma, sedentos por afeto. O ministro Luiz Henrique Mandetta é desse tipo.
Seu pronunciamento é aquilo que queríamos ouvir do nosso chefe de estado.
Um
posicionamento firme, instruído e autoconfiante. Um dos maiores méritos do nosso
presidente foi escalar nomes competentes para as pastas ministeriais, porém, ao
invés de se escorar nelas e deixa-las brilhar, ele quer a todo o tempo mostrar
ao povo quem é o dono do galinheiro.
E foi
exatamente isso que aconteceu ontem. Se a ideia do governo foi a de mudar seus
planos e adotar um modelo de contenção baseado no modelo aplicado na
Inglaterra, que seleciona indivíduos mais velhos para serem afastados e deixa
os mais jovens desenvolverem imunidade ao vírus, bastaria anunciar o interesse,
frisar as condolências aos familiares dos 46 mortos e anunciar a
disposição de debater a questão com o parlamento, uma vez que ele,
sozinho, não tem poder para decidir o destino da nação, daí o sentido da
tripartição de poderes.
Mas ele é o dono do galinheiro. Ao invés disso, fez
chacota com o vírus e com seu próprio ministro, uma vez que a sua fala não só
destoa dos alertas que o Mandetta tem feito, mas os ridicularizam. Trump
adotando um discurso de adaptação previu três semanas de Lockdown. Bolsonaro
quis encerrar a quarentena imediatamente.
Ainda
assim, o Executivo se apoia nessas figuras para continuar. E elas permanecem
pois sabem da popularidade dele e, principalmente, sabem que a ausência de
escândalos de corrupção, ao menos até então, constitui uma quebra de paradigmas
diante das tragédias mais recentes. Eles continuam, porém, sem poder admitir
suas frustrações.
Esse é o preço de colocarmos uma figura insegura no mando do
país. Ele é humilde o suficiente para ouvir, mas é inseguro demais quando
percebe que alguém além dele está ganhando os holofotes da mídia.
Ele prefere
ser visto, ainda que mal visto, desde que protagonize, do que ceder ao seu
técnico o devido lugar de fala. Ontem o discurso do nosso presidente foi um dos
piores já vistos na história, sendo que ele é precedido de figuras alucinadas
como Dilma. Não apenas pela fala desconjuntada, mas também pela óbvia
infantilidade.
O governo
podia ter se preparado para adotar um modelo diverso e, com diálogo, preparar a
população para destoar do resto do planeta. Vejam! O que ele propôs ontem não
foi usado em lugar nenhum já que a contenção por seleção de grupo também
demanda isolamento severo, só que devidamente selecionado.
Que o governo está
perdido é notório. Mas ontem a impressão é que essa perda de rumo talvez se dê
em boa parte ao líder surdo que não deixa os seus técnicos fazerem o trabalho
deles. De mais a mais, se o Mandetta, Moro, Guedes e Freitas, Heleno e outros
mais continuam dizendo que está tudo muito bem, que confiemos na palavra deles,
como corresponsáveis.
Ninguém aposta tão alto sem um bom motivo como arrimo, a
não ser pelo fato da insanidade. Uma figura política insana é fácil aceitar,
mas um corpo de ministros que se submetem a isso por insanidade dificilmente
seria. Talvez um fenômeno de psicologia grupo, mas, ainda assim, é nessas
pessoas que devemos depositar esperança. Se elas continuam é sinal de que ainda
acreditam.
Luiz
Henrique Mandetta, um baita profissional, ontem virou um bibelô do governo. E
aceitou o fardo.
(*)
Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas – Foto/Ilustração:
Blog-Google