Promotor de Justiça Raoni Maciel, do Núcleo do Tribunal do Júri e Defesa
da Vida do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
“Quem ama não mata, isso eu tenho
certeza”
A impressão da
sociedade é de que há um aumento dos casos de feminicídio. A sociedade está
mais conservadora e patriarcal? Existe uma discussão, ainda sem resposta possível:
há um aumento dos casos ou os casos estão sendo mais bem documentados? Minha
posição é de que aqui no Distrito Federal o que vemos é uma melhor documentação
dos casos de feminicídio. A lei que criou a qualificadora é nova para os
padrões do Poder Judiciário, e a sedimentação da jurisprudência ainda levará
algum tempo.
Neste ano, um homem
que deu uma facada no peito da mulher e a deixou sangrando no hospital foi
absolvido da denúncia de feminicídio. O júri considerou que ele não teve
intenção de matar e a sentença foi de oito anos em regime semiaberto. Existe
impunidade? Sem
prejuízo de respeitar a decisão que os jurados tomaram nesse caso, decisão
tomada por maioria, o Ministério Público entende que houve um equívoco. O
processo, no entanto, ainda não acabou, pois aguardamos a análise de um recurso
pelo Tribunal de Justiça.
O Ministério Público
recorreu. Mas o júri não é soberano? A soberania do jurado não pode redundar em
arbitrariedade. É por isso que o Código de Processo Penal prevê a hipótese de
anular o julgamento quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos
autos. Ou seja, quando a decisão tomada pelos jurados não encontra apoio no que
foi apurado. O júri segue soberano, pois, com a anulação do julgamento, será
designada uma nova sessão plenária em que novos jurados decidirão a causa.
No júri, ainda se aceita a tese de forte emoção e “crime passional”? O jurado é escolhido entre pessoas do povo. Pessoas
como eu, você e o leitor. Então, ele reflete a sociedade. Isso quer dizer que
alguns jurados aceitam ainda essa tese, não posso negar. A boa notícia é que
são muito poucos, e cada vez menos. Tem sido muito raro o reconhecimento de
privilégio para homens que cometem feminicídios. Cada vez mais raro.
Por que um homem mata
a mulher com quem dividiu a vida, família e os sonhos? Eu trabalho com feminicídios há oito anos, antes
mesmo de o crime ter essa tipificação legal. Essa é uma pergunta que eu sempre
me faço, sem conseguir jamais uma resposta. Os próprios feminicidas em seu
julgamento raramente assumem o crime. Nunca ouvi de algum deles uma resposta
satisfatória. Depois de todo esse tempo, o que posso afirmar é que não é por
amor. Quem ama não mata, isso eu tenho certeza.
Autoridades da
segurança têm o desafio de reduzir essas estatísticas. Na sua opinião, qual é o
caminho? O
primeiro passo é perceber que esse desafio não é apenas das autoridades de
segurança. Esse desafio é de toda a sociedade. A prevenção ao crime de
feminicídio precisa ser trabalhada em três dimensões. A dimensão primária é a
educação e a informação, um desafio que também precisa ser abraçado pela imprensa
e pelas escolas: crianças, homens e mulheres precisam aprender a conviver em
igualdade e respeito. A segunda dimensão é um desafio dos sistemas de saúde e
de assistência social: ao primeiro sinal de vulnerabilidade, os sistemas
precisam agir para amparar essas mulheres. O sistema de segurança atua na
terceira dimensão. O caminho é punir os agressores, algo que já estamos fazendo
no Distrito Federal, e fazendo de forma célere e eficiente: são 39 condenados
por feminicídio com pena média de 21 anos de reclusão. É muito importante
também aperfeiçoar a fiscalização das medidas protetivas determinadas pela
justiça. O sistema de tornozeleiras com botão antipânico que a Secretaria de
Segurança Pública está implantando me parece muito promissor.
Acha que o Tribunal do
Júri é justo? Com certeza, é o julgamento mais justo que temos. Definidos os
parâmetros jurídicos do crime, o jurado diz sobre o fato. Ninguém melhor que o
povo para fazer justiça no caso concreto. Defendo, inclusive, que deveríamos incluir
outros crimes para serem julgados diante do Tribunal Popular, algo que a nossa
Constituição já prevê. Por que não começar pelos crimes de corrupção?
Ana Maria
Campos - Coluna “Eixo Capital” – Correio Braziliense
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