Riscos e desafios
*Por » Cristovam
Buarque
Nas
ciências sociais, a academia brasileira tende a concentrar reflexões e teses
sobre pequenos problemas no Brasil. Deixa aos acadêmicos estrangeiros o papel
de estudar os grandes temas da humanidade e as grandes tendências da
civilização. Mesmo quando estudamos assuntos atuais, como a crise ambiental,
dedicamo-nos mais ao estudo dos problemas em microespaços de nossos biomas do
que na relação homem-natureza e o avanço ou retrocesso civilizatório.
O professor da
Universidade de Brasília Elimar Nascimento faz parte de um grupo que pensa o
mundo. Há 30 anos, ele criou o Centro para o Desenvolvimento Sustentável (CDS)
com o propósito de focar, de maneira multidisciplinar, grandes problemas da
humanidade. Nessa criação, foi decisiva a contribuição do então reitor Antonio
Ibañez e de seu assessor de planejamento, Rubens Fonseca. Foi Elimar, com outro
professor, Marcel Burstin, que transformou uma ideia num centro acadêmico
dinâmico que, graças a muitos outros dirigentes, professores e alunos, hoje tem
centenas de teses publicadas e conseguiu replicar-se em outras unidades da
Federação e até no exterior.
O novo livro
de Elimar, Um mundo de riscos e desafios — conquistar a sustentabilidade,
reinventar a democracia e eliminar a nova exclusão social, é resultado de
reflexões pessoais, embora nele tenha agradecimentos a professores e alunos do
CDS pela contribuição na elaboração da obra, publicada pela editora da Fundação
Astrojildo Pereira. O livro tem a amplitude que se vê em grandes pensadores do
mundo e tem tudo para fortalecer ainda mais o prestígio internacional do autor,
já consolidado na França, onde ele fez doutorado.
A publicação
se afirma na bibliografia internacional como grande contribuição na discussão
dos temas do decrescimento, da democracia e da modernidade relacionada à
globalização e à exclusão. Sobretudo se afirma como contribuição ao debate
mundial sobre o futuro da humanidade.
O autor fala
do tema tabu, na mente e na academia brasileira, do decrescimento. Embora o
próprio autor lembre que, em Mitos do desenvolvimento, Celso Furtado já falasse
nos limites do propósito do desenvolvimento econômico e que, antes disso, o
professor romeno Nicholas Georgescu-Roegen alertasse para a entropia econômica,
é preciso reconhecer a ousadia do Elimar no capítulo “A loucura
desenvolvimentista”, ao propor o debate sobre a substituição do crescimento
pela busca do decrescimento feliz.
Essa ousadia é
apresentada com forte sustentação bibliográfica, citando dezenas de autores,
quase todos do exterior, que há décadas demonstram não apenas os limites
físicos ao crescimento, como também os limites existenciais do progresso
desenvolvimentista, incapaz de gerar felicidade apenas pelo consumo. Em
Brasília, um dos primeiros a trazer essa ideia foi o professor da UnB João Luiz
Homem de Carvalho.
O capítulo
emque o professor Elimar apresenta ideias para a reinvenção da democracia nos
permite perceber autores e análises que demonstram os riscos que a democracia
sofre no mundo. É um capítulo que nos alerta das ameaças à democracia e nos
permite pensar nos limites e insuficiências próprias do sistema democrático.
Inventada há
2.500 anos para as cidades gregas, a democracia não parece ser capaz de dar
respostas aos problemas planetários: meio ambiente, migração em massa, comunicação
simultânea e universal, fake news, internacionalização financeira e comercial,
corrupção, esgotamento do Estado. A democracia não está apenas ameaçada, ela é
insuficiente para orientar o mundo.
Ela não será
capaz também de barrar o uso das novas tecnologias para ampliar o fosso entre
pobres e ricos, levando à exclusão e até a um apartheid biológico, não apenas
racial. O professor Elimar avança no assunto da exclusão a níveis raramente
vistos na literatura acadêmica. Uma análise cujo único defeito seria a visão
otimista de que ainda há esperança para o homo sapiens não se transformar no
homo escorpius, que se suicida porque a voracidade do consumo está na sua
natureza.
Ainda é cedo
para saber se prevalecerá o homo escorpius suicida ou se um homo novus surgirá
superando os riscos e os desafios que o autor apresenta. De qualquer forma,
pode-se dizer que o livro precisa ser lido e terá papel importante na
formulação de uma alternativa sustentável para o futuro da humanidade, a partir
de um pensamento universal formulado no Brasil, no CDS/UnB, graças à formação
acadêmica e ao humanismo de um de seus fundadores.
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Cristovam Buarque - Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) -
Foto: O Globo/Ilustração: Blog-Google
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EDUCAÇÃO