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FIM DE NAMORO (*Por Victor Dornas)

*Victor Dornas

Donald Trump é uma espécie de super-herói para o nosso presidente. Ainda que Trump não tenha ciência das minudências das canetadas diárias de Bolsonaro, nosso presidente estima e se escora no apoio do chefe estadunidense para seguir firme em suas convicções. Logo quando assumiu o posto presidencial, Bolsonaro achou inteligente criar uma crise diplomática via Twitter com a China, nosso parceiro comercial e responsável por 63 bilhões das importações brasileiras, três vezes mais do que o próprio Estados Unidos. Quando viu Trump agir com diplomacia diante de ditadores, Bolsonaro então percebeu que tal postura fazia parte da indumentária do cargo e resolveu mimetizar seu “amigo”. 

A natureza humana é gregária, nós tendemos a copiar mesmo aquilo que achamos admirável, faz parte da nossa genética animal. Mas em alguns indivíduos, essa característica é mais proeminente e então eles oscilam com muita rapidez entre opostos, as vezes apoiando as ações de um partido político que por anos defendeu a estatização excessiva para, do nada, passar a apoiar um plano econômico vindo de um especulador formado na escola de Chicago, supostamente "ultra-liberal". O nosso presidente não parece ter tanta convicção do que ele próprio acredita, por isso transita o tempo todo observando figuras mais polêmicas e surfando nas modas, característica aliás bem comum no meio político.

Qualquer pessoa sabe que o Trump não conhece os pormenores da política brasileira, porém é justamente nesses encontros diplomáticos onde ambos se encontram é que Bolsonaro aproveita para reforçar suas convicções, pois lá em seu universo encantado ele crê que Trump conhece de fato o seu trabalho e não está ali por saber das trivialidades, mormente das bravatas conservadores usadas com fins eleitoreiros e pelas facilidades oferecidas com a nova gestão Guedes.

A questão é que quando eclode uma pandemia, não há mais tempo pra piadinhas. Ao contrário de Bolsonaro, Trump é um gestor e um gestor que conhece o jogo, como revela o livro “A arte da negociação”. Já o nosso presidente insurgiu-se na vida política de um modo mais próximo de Lula do que de Trump atuando como uma espécie de sindicalista da classe dos militares e policiais e depois, durante a era petista, Bolsonaro passou a entonar discursos mais socialistas. 

Na hora da crise o gestor sabe que sua responsabilidade se extrapola de tal forma que a subordinação carece de cooperação dos mais diversos setores e as inimizades perdem prioridade. Então Trump reitera em seus discursos um tom integralista e elogia a mídia que até ontem era sua inimiga, assim como enaltece o trabalho de governadores. Trump sabe que precisa deles, para o bem de seu país e de sua própria imagem.

Claro que o abismo entre “nós e eles” em momentos assim aumenta muito. Enquanto Trump consegue subsidiar seu povo aprovando em sintonia com seu parlamento um pacote de 2 trilhões de dólares, Bolsonaro, que mal conversa com os outros poderes, terá dificuldade para aprovar migalhas. Os Estados Unidos crescem de 2 a 3 % ao ano e isso é considerado bastante por uma economia já estabilizada com tanta potência tende a se estabilizar. 

Já o Brasil, que em tese deveria crescer muito mais do que isso, experimenta uma recessão intensa desde 2015, mas vem apresentando resultados negativos em muitos setores produtivos há décadas. Então isso explica parte da diferença de tom entre Bolsonaro e Trump, pois no nosso caso o presidente acha que o vírus pode sepultar de vez nossa Economia, enquanto a contingencia estadunidense está bem estruturada, embora o país tenha dificuldades justamente no setor de saúde.

Apesar de tudo isso, Bolsonaro esperava que Trump se unisse a ele no negacionismo em torno da pandemia. Trump, ao contrário, foi mais enfático do que a maioria dos chefes de estado e considerou o caso como sendo o mais perigoso desde a segunda guerra mundial. 

Conforme descrevi em meu artigo sobre a falta de opções do governo estadunidense neste momento onde se vê impedido de retaliar a ameaça de uma arma biológica surgida por “acidente”, Trump agora anuncia que está se acertando com o ditador chinês, Xi Jinping, pois é um negociador. Sabe que só tem como carta na manga a via da diplomacia e com jeitinho pretende criar um cenário para o ditador então “se explicar”, ou se adequar melhor aos tratados internacionais baseados em princípios democráticos, alheios aos chineses. 

E a China talvez encontre uma forma de compor com a diferença, pois todos querem prosperar economicamente, ou o multilateralismo como se vem dizendo por aí nos meios mais técnicos. Mas e o Brasil nisso tudo? O Brasil agora está refém de um chefe de estado que não tem mais onde se escorar. 

Ele agora precisa ser ele mesmo e ele não sabe direito quem é. Não há mais Trump e tampouco um inimigo a não ser o vírus e a mídia. Nessas horas, um líder que não tem segurança de si tende a delegar seu fracasso anunciado, culpando o primeiro que lhe der em vista. E, claro, o verdadeiro culpado da epidemia será a grande mídia, por falta de opção.

Enquanto Xi Jinping e Trump trocam afagos, Bolsonaro tem pela frente o seu fardo maior. Maior até do que o prenúncio da devastação que o vírus pode causar em nosso país.

O fardo de ser quem ele é.



(*) Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas – Foto/Ilustração: Blog-Google 

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