*Victor Dornas
O filme mais assistido na Netflix brasileira nessa
quarentena é chamado aqui de “O Poço”, com título original “The Plataform” e
dirigido pelo espanhol Galder Gaztelu-Urrutia.
A sinopse do filme explica o
motivo da sua popularidade neste momento atípico que vivenciamos. Vejam bem.
Trata-se de um sistema subterrâneo com celas de duas pessoas em incontáveis
andares. A cela tem um buraco no meio que permite que se enxergue a cela de
baixo, com outras duas pessoas, e uma vaga ideia da altura infindável da edificação.
Por este buraco, todos os dias desce uma plataforma (daí o título) com a comida
que os confinados devem consumir. A questão é que a plataforma inicia a sua
jornada repleta de alimentos e na medida em que vai descendo, os confinados
devem se servir daquilo que restou do andar acima. O problema é que a
edificação possui dezenas de andares, talvez centenas e os confinados passam 1
mês num andar e depois são redistribuídos para um andar aleatório, ou seja, num
mês a pessoa pode estar ali num andar privilegiado como por exemplo o trigésimo
e no outro pode estar muito abaixo, onde nada mais chega além de restos da
prataria.
O filme é simbolista, logicamente e bastante forte para os mais
sensíveis, mas condiz com a ideia de que por mais penosa que seja a situação de
prisão imposta pela pandemia, é muito melhor estar na comodidade das nossas
casas do que estar no tal poço.
O filme propõe uma série de reflexões, mas talvez a
principal delas seja a falta de confiança que temos uns nos outros, por razões
óbvias. Com isso, me ocorre a lembrança de uma situação daqui no nosso mundo
real da política. Tem se divulgado que uma ideia interessante para ajudar na
crise provocada pela pandemia seria transferir o dinheiro do fundo partidário
para um outro fundo voltado para a referida emergência.
Na verdade, o fundo
eleitoral sequer deveria existir, por inúmeros motivos como por exemplo a forma
como ele é distribuído entre os parlamentares ou por questões de prioridade num
país acometido por tanta coisa que demanda mais urgência do que financiar
campanhas com o erário. Mas a discussão não deveria ser essa. Conforme
publiquei aqui, somente o “swap” feito pela FED resultará na economia de até
300 bilhões de reais do governo brasileiro.
Trata-se de uma medida tomada pelo
governo Trump para auxiliar o combate ao vírus. Agora imagine o quanto de fato
significa tirar algo daqueles dois bilhões do fundo eleitoral para ajudar na
reparação dos danos da crise. Muitas vezes uma ideia soa muito bonita por mexer
com nossos sentimentos, mas na prática pode não ser tão eficaz como se imagina.
A economia brasileira já é deficitária, isto é, o
nosso governo opera por meio de transação de crédito, arcando com juros
diários. Contudo, a capacidade que o governo tem de imprimir papel por meio de
seu Banco Central para fazer a máquina rodar cria uma série de ficções
econômicas que mascaram a realidade de fato, isto é, o quanto o país de fato
produz.
O quanto de dinheiro se transforma em riqueza real. Muitas vezes o
governo injeta dinheiro no mercado mas não há um lastro real para isso, assim,
a maior preocupação no momento não é arrumar dinheiro "papel" e sim
manter a nossa fornalha aquecida para justificar a injeção de moeda. Apesar
disso, muitos deputados como o Kim Kataguiri do MBL tem proposto uma série de
projetos para aliviar a situação já prevista de calamidade pública no sentido
de, por exemplo, estipular uma proibição de gastos com publicidade na
Administração Pública, corte de salários de deputados, subsídio a aplicativos
de transporte e limitação de cartões corporativos.
Embora a intenção do nobre
deputado seja boa, novamente reitero que a matemática não fecha. E mesmo que
todas essas ideias e todas as outras ideias que parlamentares bem intencionados
tenham, para serem aprovadas no tempo devido precisariam de uma confiança no
congresso que o brasileiro já não tem, uns com os outros. O nosso congresso
pode ser retratado simbolicamente no filme exibido pela Netflix. Nós estaríamos
mais ou menos no andar 171 do filme. As pessoas que chegam tão fundo no filme,
mesmo quando no mês seguinte retornam aos andares mais altos trazem uma marca
profunda nelas mesmas que é a marca da desconfiança. Elas cospem e até urinam
na plataforma que servirá o andar de baixo por incapacidade de empatia.
Os projetos apresentados por estes deputados podem ser
encarados como oportunismo do goela pela oposição, mas eu particularmente até
acredito na boa vontade de pessoas como o deputado Kim nessas horas. Contudo,
me parece que nada que façamos agora será minimamente relevante perto dos
efeitos que aparecerão com mais intensidade na iminência da crise em virtude do
que fizemos no passado. A conta do nosso governo não fecha há tempos e isso
provoca uma situação de produtividade real baixa.
A esperança é que a nova gestão econômica encontre o
melhor meio de administrar o único lado bom dessa crise que é a boa vontade
geopolítica de países como os Estados Unidos. Esse momento de efêmera
solidariedade pode resultar numa ótima oportunidade para o Brasil caso
estejamos bem representados no nosso ministério da Economia. A forma correta é
conseguir reverter as oportunidades em geração de produção. A esperança é
que a equipe econômica do Paulo Guedes seja daquelas pessoas mostradas no filme
da Netflix que diante do poço infinito de erros passados, olhe pra frente e nos
mostre o bom caminho. O caminho do enriquecimento real da nação.
A questão é decidirmos se ainda vale a pena confiar
nessas pessoas dos andares de cima. Se na plataforma do Ministério da Economia
descerá alguma coisa de bom.
(*) Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho
Dornas – Foto/Ilustração: Blog-Google