O ano que não começa
*Por Ana
Dubeux
O carnaval já
foi, mas 2020 teima em não começar. Não se pode dizer que o brasileiro comum
está parado. Este dança, caminha, corre – na mão, na contramão –, sobe e desce
ladeira, pega bonde, trem, ônibus e segue sua labuta. Trabalho e esperança não
faltam para quem, desde sempre, leva este país nas costas. O feirante, o
comerciante, o motorista, o empresário, o microempreendedor, o jornalista, o
médico e por aí vai... Falo de gente de outra ordem e de outra serventia
também. Falo de quem nos conduz ao mesmo ralo de sempre, de quem alimenta os
parasitas, de quem paralisa o país. Essas criaturas continuam conduzindo o
Brasil fake, acreditando ser possível achar luz nas trevas, nas frestas de um
tempo nefasto que só trouxe sofrimento e escuridão.
Não sei você,
mas ando exausta. Um clima de corrida eleitoral que não cessa. O prazo de
validade dessa gente que só fala, só posta, só diverge, só alimenta a
animosidade e o preconceito já deveria ter se esgotado faz tempo. Mas parece
que remédio que não cura também não vence. Do outro lado, a tolerância e o bom
senso não emergem desse imenso mar de lama que se tornou o nosso Brasil. Há
gente desempregada, nas filas do INSS e dos hospitais,
penando num transporte público pífio, pagando impostos pesadíssimos, que está à
margem, na tangente da vida digna. O cidadão comum, que de fato produz ou tenta
produzir, está cansadíssimo, assim como eu.
Se houvesse o
mínimo de decência, os políticos se calariam simplesmente. E trabalhariam
somente. É pedir muito? As nossas famosas instituições, tríade que sustenta a
democracia, deveriam estar na dianteira, levando o país para melhorar seus
índices sistêmicos de desigualdade, para reduzir a violência, para salvar a
educação e tirar milhões da pobreza. Ao largo das nossas necessidades, passa
boi, passa boiada, passa um séquito inteiro de súditos cegos em direção ao
abismo.
A quem
interessa construir uma visão nobre de um passado nefasto? Aos mesmos que não
conseguem enxergar um futuro no qual existam oportunidades iguais para todos,
ricos e pobres, brancos, negros e índios. Não cresceremos sem amor nem
aprenderemos mais na dor.
O coronavírus
chegou, está aí para nos sacudir e nos apontar caminhos. Informação, inclusão,
prevenção, saúde, educação, cuidado com as pessoas. Todo o resto faz oscilar
bolsas, elege e derruba políticos, cria e destrói expectativas.
O Brasil real
depende de trabalho real, intenso, planejado e consistente. Sem isso, seremos
para sempre um país de faz de conta, com narradores fakes, com perseguições
implacáveis a jornalistas nas redes sociais. Uma narrativa torpe, sem moral da
história, sem final feliz, sem um ponto final sequer. Seguiremos porque temos
de seguir, mas por este caminho não chegaremos a lugar nenhum. Que a segunda
não seja mais um dia de cinzas.
(*) Ana Dubeux –
Editora Chefe do Correio Braziliense – fotos/Ilustração: Blog- Google
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Editorial