A regra é conviver bem. Em tempos de quarentena, manter a boa convivência
com os vizinhos é fundamental. Música alta e barulhos são as principais
reclamações. Especialistas ressaltam que o momento pede mais respeito e cuidado
com o próximo
*Por Caroline Cintra
*Por Caroline Cintra
Muita gente está unida no combate
ao coronavírus e, quem pode, fica dentro de casa o dia inteiro. No entanto, o
lugar onde se costuma ter paz e tranquilidade pode tornar-se um espaço de
desconforto e incômodo. Situações corriqueiras como som alto, muito barulho e
gritaria, desrespeitando os horários de silêncio previstos em lei, causam
grandes desavenças entre vizinhos.
Moradora do Guará há mais de duas
décadas, a aposentada Lúcia Dias*, 63 anos, conta que tem vizinhos ótimos. No
entanto, há moradores na casa ao lado da dela que incomodam bastante, com
festas, músicas alta e muito barulho. “Já falamos algumas vezes com eles,
pedindo que abaixem o som. Eles até abaixam, mas passam alguns minutos e
aumentam tudo de novo. Parece que esquecem. Todo fim de semana é assim. E
sempre dizem que é o aniversário de alguém, mas incomoda muito”, diz.
Para amenizar os efeitos do barulho,
a família da aposentada passa os sábados e domingos com as portas e janelas
fechadas. Como Lúcia sofre de enxaqueca, as dores ficam ainda mais intensas. “É
preciso respeitar os vizinhos, principalmente casas com idosos. Quem está em
casa, quer descansar, mas, com o barulho dos outros, não consegue. Essas
pessoas precisam praticar a política da boa vizinhança. Pode fazer festa, mas
tente não incomodar os outros”, ressalta.
Em Samambaia, a babá Maria Antônia
Alves, 42, passa pelo mesmo problema. Dispensada do trabalho para ficar em casa
para se prevenir do coronavírus, ela ficou aliviada por não ter que pegar
ônibus para chegar ao serviço, em Águas Claras. No entanto, ela acabou se
deparando com outra dificuldade. “Pensei que ia ter sossego, porque estamos
vivendo um momento difícil no mundo. Temos um vizinho que só sabe ouvir música
alta o dia inteiro, na ponta da rua dá para ouvir. Ele acha que está de férias
e acaba extrapolando”, comenta.
Quem mora em condomínio predial
sofre ainda mais. O empresário Paulo Santos, 21, reside em um prédio em Águas
Claras e adotou o home office nos últimos dias. Achou que teria um canto
tranquilo para trabalhar, mas foi pego de surpresa. “Um vizinho meu, achando
que todo mundo está de férias, decidiu fazer uma obra em seu apartamento. Ou
seja, o restante dos moradores que estão trabalhando em casa tem que se virar
para se concentrar no trabalho. Está bem difícil”, disse. Para conseguir focar
nas atividades, ele separou uma playlist em um aplicativo de músicas e passa o dia
com fone de ouvido. “Foi a única solução que encontrei. Se é para ouvir algum
barulho, que seja das músicas que eu gosto”, brinca.
Respeito: O diretor da Âncora Condomínios,
empresa de administração de condomínios, Nicson Vangel, ressalta que o momento
é de confinamento e que os vizinhos precisam respeitar uns aos outros. “A gente
tem alertado os locais que administramos para que sigam o regime interno e as
regras gerais, como a lei do silêncio (Ver Lei do Silêncio). É preciso ter bom
senso”, afirma. Em caso de pequenos reparos, o empresário orienta que o síndico
seja informado, para saber como lidar com a situação. “Se o morador continuar
fazendo barulho, deve ser registrado no livro de ocorrência e o síndico,
notificado. Caso haja reincidência, ele pode ser multado em valor que
corresponde à taxa condominial”, detalha.
Ele ressalta que cuidados como
ouvir música em volume mais baixo, evitar usar salto alto em casa e colocar
fita isolante nos pés das mesas e cadeiras podem ajudar no dia a dia com a vizinhança.
“Aquilo que puder ser feito para manter a tranquilidade de todos deve ser
feito. Evitar que as crianças brinquem até tarde com objetos barulhentos, tem a
questão dos cachorros também. A gente tem produzido materiais chamando o bom
senso, para que o período seja o mais tranquilo em questão de convivência”, diz
Nicson.
O advogado especialista em direito
condominial Leonardo Memória explica que a desobediência ao regime interno de
um condomínio pode levar o infrator à justiça, para a execução das multas,
única pena prevista nessas situações. Quem mora em casas comuns de bairro deve
acionar a Polícia Militar caso esteja sofrendo alguma perturbação. “Esse é um
momento de respeitar a quarentena e o direito do vizinho. Falar baixo, abaixar
o som, evitar festas. É um momento difícil e o respeito ao outro deve estar
acima de tudo”, completa.
Bons exemplos: A enfermeira Sthéphanie Cruz, 28,
mora em um prédio na QE 40, no Guará 2, na região conhecida como Polo de Modas.
Como trabalha em escala de 12 horas por 36, passa o dia inteiro no hospital e
folga no seguinte. Mesmo fora da quarentena, ela diz que os vizinhos conseguem
manter a harmonia. “O meu dia de folga é folga mesmo. Graças a Deus, tenho
vizinhos tranquilos, que entendem o lado do outro. Consigo descansar bem e
estar pronta para o trabalho no outro dia”, afirma.
Como tem idosos no prédio, uma
vizinha espalhou bilhetes nos três andares se oferecendo para fazer as compras
dessas pessoas, que compõem o grupo de risco de infecção do coronavírus. “Essas
coisas aquecem o coração e deixam a convivência muito mais bacana. Não é algo
difícil. Quando há colaboração de todos os lados, o dia a dia é mais tranquilo.
E esse momento pede isso, não é mesmo? Uns pelos outros”, declara Stéphanie.
O que diz a lei?: Prevê o art. 1.277 do
Código Civil que “o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de
fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde
dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”. Os atos
prejudiciais à propriedade podem ser ilegais, quando configurar ato ilícito, ou
abusivos, quando causam incômodo ao vizinho, como, por exemplo, barulho
excessivo
Lei do silêncio: A lei do silêncio está
especificada na Lei 4.092/2008, que estabelece as normas gerais sobre o
controle da poluição sonora e dispõe sobre os limites máximos de intensidade da
emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais no Distrito
Federal. No artigo 2º diz ser proibido perturbar o sossego e o bem-estar
público da população pela emissão de sons e ruídos por quaisquer fontes ou
atividades que ultrapassem os níveis máximos de intensidade fixados na lei
(*) Caroline Cintra - (*Nome fictício, para
preservar a identidade do personagem) - Correio Braziliense