Professor do
Sistema Socioeducativo do DF concorre a Prêmio Nobel da Educação
O professor de
história Francisco Celso Leitão Freitas é um dos finalistas do prêmio Top 50,
do Global Teacher Prize 2020, considerado o 'Nobel da educação'. Ele é o
criador do Projeto Rap (Ressocialização, Autonomia e Protagonismo), uma alusão
ao gênero musical rap. O professor utiliza o rap como ferramenta pedagógica na
Unidade de Internação de Santa Maria do Sistema Socioeducativo do Distrito
Federal, da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus).
Com a ação,
que tem a Secretaria de Educação como parceira, o projeto ganhou corpo. Hoje,
já são dois livros publicados, várias músicas gravadas e videoclipes. Um dos
videoclipes é o “18 Razões. Pela não redução da maioridade penal”, exibido e
aplaudido no 52º Festival de Brasília de Cinema Brasileiro. O projeto tem aberto
portas para egressos do socioeducativo se ressocializarem. Atende crianças e
jovens entre 12 e 21 anos que estão cumprindo medida de privação de liberdade.
O Sistema Socieducativo do DF é referência nacional. Confira a entrevista
do professor Francisco Celso à Assessoria de Comunicação da Sejus.
Fale um pouco
de você, da sua formação e história de vida: Sou do Distrito federal,
nascido e criado no Guará. Também morei no Recanto das Emas. Sou professor de
história e produtor cultural. Para mim, educação sem cultura é o mesmo que
esqueleto sem musculatura. Acredito que a arte alcança mais o coração das
pessoas do que o discurso eloquente.
Como se deu
seu ingresso como professor no Sistema Socioeducativo do DF? Quando
iniciei no socioeducativo, em 2015, percebi que os meninos e meninas não se
identificavam com as histórias dos livros didáticos. Percebi que muitos
utilizam linguagem do rap. Faz parte do dia a dia deles. Esta é a realidade de
uma juventude preta, pobre e periférica. No primeiro semestre fechei este
diagnóstico. Daí resolvi usar o rap como ferramenta pedagógica e recebo todo
apoio para o projeto na Sejus.
E a aceitação
foi ampla? Sim. E o que mais me surpreendeu foi o talento deles, a
capacidade de compor e rimar. Superavam bloqueios que eles mesmo se colocavam
no local. Pude ver melhoras nas escritas, na argumentação, na expressão
corporal. Muitos jovens estavam há muito tempo sem frequentar escola, outros
tinham dificuldades de leitura. Minhas abordagens passaram a ser de coisas
conectadas à realidade deles, literatura marginal, textos curtos.
Quais as
maiores dificuldades? O Sistema Socioeducativo é muito ímpar. Muito
rotativo. O aluno que estava na aula anterior, na seguinte já foi liberado. É
muito complicado ser conteudista. Não tem como dar continuidade. A estratégia
foi utilizar os eixos transversais do currículo em movimento da educação básica
do GDF que são: diversidade, direitos humanos e sustentabilidade.
E na prática
como se dá isso? Eu pego o rap e faço as vinculações históricas, uso como
instrumento de aproximação com eles. E eles começaram a expressar o que aprenderam
de forma muito livre. Em desenhos, poesias, redação e muitos fizeram letra de
rap. Eu costurei parcerias e fizemos musicalização dessas letras, já lançamos
dois livros com essas produções. A gente tem várias produções a serem
compiladas em CDs. Depois partimos para acompanhamento de egressos. A partir de
vídeosclipes eles foram convidados para se apresentar na Procuradoria Geral da
República e na abertura do 2º Simpósio Nacional em Socioeducação, com apoio da
Sejus. Também foram convidados a participar de campanha nacional do Conselho
Federal de Química.
Então o
projeto extrapola a escola? Sim. O projeto vem oportunizando acompanhar os
socioeducandos já como egressos, dando continuidade à ressocialização deles.
Porque a principal dificuldade do sistema é o acompanhamento de egressos.
Quando eles saem voltam para o mesmo ciclo de negação de direitos, difícil de
romper. Aí voltam à criminalidade. Dar a eles uma outra perspectiva e o mais
gratificante.
Esse método
pode ser adotado em outras unidades do sistema socioeducativo? O
reconhecimento do projeto promoveu vários convites para expandir dentro do
socioeducativo e em escolas regulares como palestrantes. Participei como
palestrante de outro projeto da Secretaria de Justiça e Cidadania, o RAPensando
nas Escolas, em quase 100 escolas da Ceilândia, Taguatinga e Recanto das Emas.
Fazemos então trabalho preventivo para que os jovens não entrem na
criminalidade. Me enxergo nesses meninos, sou filho das escola pública . Alguns
meninos dizem, vou partir para rebento porque não dá nada, porque sou de menor.
Essa é uma fala que desconstruímos. Explicamos que essa história de não dar em
nada não existe e que o socioeducativo é lugar de muito sofrimento. Trabalhamos
no tripé: prevenção nas escolas regulares, no socioeducativo damos início ao
processo de ressocialização e depois fazemos o acompanhamento dos egressos para
que não reincidam no crime.
E sobre o
prêmio que você está concorrendo? O Top 50 do Global Teacher Prize é uma
premiação internacional dos melhores professores do mundo promovida pela Varkey
Foundation. A entidade premia, anualmente, com US$ 1 milhão, um professor
excepcional que fez uma excelente contribuição para sua profissão. A gente
ganhou o prêmio local do Itaú Unicef 2017; em 2018, a gente ganhou o mesmo
prêmio, Itaú Unicef, etapa local e nacional. Neste ano de 2020, a gente foi
campeã do Selo de Práticas Inovadoras na Educação. Os três indicados do Brasil
ao importante prêmio internacional são a professora de educação especial e
língua portuguesa Doani Emanuela Bertan, de Campinas (SP); e a professora Lília
Melo, de Belém (PA). Os três brasileiros fazem parte de um grupo seleto de 50
educadores do mundo. Esses 10 selecionados irão para Dubai, nos Emirados
Árabes, para a cerimônia de premiação e lá será anunciado o campeão da
premiação. O vencedor só será revelado em outubro, mas já somos embaixadores.
Como você está
se sentindo? Sua vida mudou? É muito gratificante o reconhecimento por uma
questão coletiva. Dar visibilidade ao sistema socioeducativo, que é bem
desconhecido. Poucas pessoas sabem que lá dentro tem escolas e os internos
produzem muitas coisas boas. O que vemos na mídia é só o negativo. No
imaginário social os jovens que lá estão são tidos como garotos e garotas
problemas, mas não são. São garotas e garotos com muitos problemas mas que não
tiveram direitos. São de extrema vulnerabilidade social. Não são monstros, são
seres humanos que têm defeitos como todos nós. Temos que dominar todas as
técnicas e tecnologias mas, com outros ser humano, temos que ser humano.
Fotos: Barbara Figueira (Sejus) - G1 -DF