Naná veio, viu e não gostou.
Convencida pelo pai, deu uma chance à cidade. Hoje, essa pessoa carismática não
vive sem Brasília. Que tal ir lá na Torre de TV trocar uma prosa com ela?
26 - dias para os 60 anos de Brasília
Naná, da
Torre de TV para o mundo Batizada como Maria de Nazaré, ela chegou aqui em
1977. Pensou em desistir no início, mas encarou a realidade, encontrou o amor
em Brasília e encanta o povo com as delícias do Pará
Em homenagem à capital federal, formada por gente
de todos os cantos, a Agência Brasília está publicando, diariamente,
até 21 de abril, depoimentos de pessoas que declaram seu amor à cidade.
“Eu vim morar em Brasília em setembro de 1977 para
assumir um cargo público. Sou paraense, mas vivia em João Pessoa na época. Eu
tinha 24 anos e tive uma difícil adaptação em Brasília. Eu morava em uma cidade
de praia, fazia mestrado, tinha uma outra vida. Cheguei aqui sozinha, sem quase
conhecer ninguém, embora eu tivesse uma tia e alguns primos que moravam aqui, e
estranhei demais a cidade.
O governo ainda era militar e eu fui trabalhar na
auditoria do Ministério do Exército. Foi um choque trabalhar em um lugar com
toda aquela rigidez. Eu era muito diferente, não tinha nada a ver comigo aquilo
ali. Eu fui morar em uma quadra militar porque eu tinha direito a um
apartamento funcional, na 209 Sul. Todo mundo trabalhava junto e morava na
mesma quadra. Eu era a única civil e ainda por cima mulher. Era difícil fazer
amizade.
Minha pele ressecava, tive caspa. Cheguei a ir no
médico e ele disse: ‘minha filha, sua pele é muito seca, você vai sofrer
muito’. Passava milhões de cremes, pensava que não ia me acostumar. Eu queria
ir embora daqui, ‘essa cidade não tem água, socorro’, dizia.
Gosto tanto de
Brasília que não suporto que falem mal dela. O amor chegou a esse ponto. Você
pode até reconhecer os defeitos, mas ninguém pode falar deles.
Telefonei pra casa e disse que ia pedir demissão.
Meu pai mandou minha mãe para cá pra ver se eu desistia e acabei ficando. Um
ano depois minha irmã fez uma cirurgia no Rio de Janeiro e veio se recuperar
aqui. Eu sei que nessa história meu pai veio depois e todos morávamos na 209 Sul.
Viver em Brasília melhorou um pouco, mas ficou bom
mesmo quando eu me apaixonei. A vida é maravilhosa quando você ama. Comecei a
me relacionar com o pai dos meus filhos, caiu a ficha de que eu morava em
Brasília e essa era minha realidade. Eu tinha um bom emprego, algo que talvez
não conseguisse morando em Belém. E comecei a viver a cidade.
Eu morava em frente ao Beirute, era só atravessar a
rua. Tinha o movimento todo dali. Tinha vários bares legais em Brasília. Tinha
o Poeta, que já fechou, na Asa Norte. Eu comecei a conhecer gente de fora,
colegas meus de auditoria que vieram de outros lugares. E fui me adaptando.
Brasília me deu muito. Meu pai faleceu uns dois
anos depois que se mudou para cá e minha mãe ficou muito abalada. A gente já
estava muito ligada nos movimentos regionais, eu fui líder da barraca do Pará
na Festa dos Estados, e falei para minha mãe: ‘por que a gente não monta alguma
coisa do Pará?’. Já tinha alguns restaurantes, mas todos fechavam. E pensei em
montar na Torre de TV.
Eu queria que minha mãe se distraísse, fizesse
novas amizades, que foi o que aconteceu. O Delícias do Pará está na Feira da
Torre de TV há 39 anos. No início era uma trabalheira, a gente montava e
desmontava a barraca todos os dias, a Torre não tinha nenhuma estrutura.
Minha mãe, dona Jacirema, foi felicíssima nesse
empreendimento dela. Ela era uma mulher muito forte, tenho um orgulho danado de
ser filha dela. Ela morreu ano passado, aos 92 anos. Eu, já aposentada do
serviço público, estava administrando o box há quatro anos. Quando ela morreu,
eu sentia muita falta dela e pensei em vender a barraca, mas acabei assumindo o
negócio. E acho que deu certo, o pessoal fala que a qualidade da comida não
mudou. Parece que eu herdei o dom de cozinhar dela.
Gosto tanto de Brasília que não suporto que falem
mal dela. O amor chegou a esse ponto. Você pode até reconhecer os defeitos, mas
ninguém pode falar deles. A cidade cresceu muito, mas pra mim o maior defeito é
a falta de atividades culturais. Brasília está se tornando uma cidade chata.
Não pode falar alto, ficam medindo os decibéis dos bares, não se pode escutar
uma música. Brasília está ficando careta demais.
Mas sou muito feliz aqui, eu devo demais a
Brasília. Eu não sei imaginar como seria minha vida sem ela. Agradeço muito ao
meu pai por ter insistido tanto para a minha permanência aqui.”
Maria de Nazaré Lima de Almeida, a Naná, 66 anos,
mora no Jardim Botânico.
Foto: Tony Oliveira/Agência Brasília - Depoimento
concedido à jornalista Gizella Rodrigues
Tags
BRASÍLIA 60 ANOS