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O MUNDO ENCANTADO DO PRESIDENTE (*Victor Dornas)

O Mundo Encantado do presidente

*Victor Dornas

Existe uma matéria introdutória em qualquer formação superior chamada introdução à epistemologia cientifica ou iniciação científica, ou ainda teoria do conhecimento que, quando bem ministrada, certamente amplia os horizontes de qualquer aluno. Dentre muitas coisas, a pessoa aprende a diferenciar aquilo que pode ser considerado um fato de uma simples inferência. O fato permite uma perspectiva mais universalizada das coisas por ser conceito impessoal, enquanto a inferência seria uma impressão, o subjetivismo. Isso é importante para qualquer pessoa que deseja estudar, pois entende-se que, dependendo da natureza do objeto analisado, a ciência suplanta a visão de apenas um observador e numa junção de óticas distintas é possível analisar fenômenos mais complexos, através da contribuição mútua e não apenas de um só pensamento. 

A ciência demanda uma certa dose de generosidade. Há conhecimentos que não precisam dessa universalidade, conhecimentos igualmente importantes. A Filosofia por exemplo exerce o domínio das perguntas, enquanto a universalidade científica se presta ao dever de outras respostas. Em se tratando de uma pandemia, todavia, a emergência é de caráter científico obviamente.

Em razão da postura desmedida do presidente atual, surge uma fofoca nos bastidores políticos de que ele poderia ter sido contaminado pela doença covid-19 e ter ocultado essa informação. Com isso, a oposição teria mais ferramentas para ensaiar um processo de deposição. O meu objetivo aqui neste texto, no entanto, não é especular sobre isso, mas sim analisar uma outra coisa interessante na fala dele que dispensa especulações desse nível tão audacioso, haja vista que ao conjecturar fofocas pouco se produz neste caso.

Então arrisco uma inferência mais contida. A fala do presidente é bastante estranha ao exteriorizar a convicção fantasiosa de que a quarentena deve ser abandonada de imediato. Nenhum chefe de estado fez isso. Estima-se um período de achatamento da curva de contágio e mesmo onde se quis um modelo vertical o confinamento dos mais idosos foi rigoroso. 

O presidente não tem base empírica, estudo ou recomendação científica para decretar algo assim, a despeito da vida de milhares de pessoas. Então de onde ele tira essa certeza de que pode, sozinho, sem a anuência dos demais poderes, sem os cientistas, contrariando o mundo inteiro, determinar a imediata interrupção do isolamento? Penso que ele não precisa estar contaminado para inferir sobre isso. Basta que ele olhe ao seu redor e veja as pessoas de sua comitiva que foram contaminadas agora se recuperando. Isso, para alguém que tem a visão turva da realidade é razão suficiente para inferir sobre todo o resto, ainda mais quando essa inferência significaria o cenário perfeito onde a crise deixa de existir e não há nenhum pesadelo a combater. 

A oposição retrata uma fala dessa como vinda de um genocida, porém talvez seja fruto de algo mais trivial. Uma postura que vemos em nossos próximos. A descrença de que o pesadelo é real ancorada numa ótica contaminada que procura exemplos específicos para justificar a fuga da realidade.

O presidente disse há alguns dias que o general Heleno, ministro do GSI, que testou positivo para o vírus SARS no dia 17 de março já estaria se curando da “gripezinha”. Heleno aliás voltou a despachar no dia 25, após apenas uma semana de isolamento. A pandemia ainda tem uma série de aspectos que ainda estão começando a ser compreendidos. 

Qualquer pessoa em sã consciência sabe que não há ainda motivos para menosprezar o perigo de uma pandemia que deprime o sistema de saúde como um todo por exigir unidades de terapia intensiva num curto prazo de tempo. A confirmação de uma contaminação ocultada por parte do presidente é improvável, embora diante de tantos absurdos que temos visto, não seria tão surpreendente assim.

Já o vírus da ignorância de quem acredita poder opinar sobre tudo sem ao menos buscar os dados tem como foco provável os países com baixo nível escolar e acadêmico. No Brasil, embora se apresente números significativos na publicação de artigos, não se produz tanto e sempre somos classificados em exames mundiais como o PISA como sendo uma nação de ignorantes. Uma nação de gente que despreza a ciência ou que acha que ciência e cientificismo são sinônimos.

A cura do vício da burrice é um bom professor de iniciação científica.

(*) Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas – Foto/Ilustração: Blog-Google 


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