Teatro na 508
Sul
No mês passado, fui ao Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul, para assistir à peça O rinoceronte, de Ionesco, com direção do nosso bruxo emérito, Hugo Rodas. Fiquei feliz porque tinha muita gente. É triste demais quando vejo um teatro vazio, com pouca gente ou degradado, como era o caso do Galpão e do Galpãozinho, antes da reforma. Como diz o Zé Damata, é cultura ou crack.
Ao chegar à
bilheteria, pedi um ingresso, e a moça que me atendia perguntou: “Mas de qual
peça?”. Virei-me rapidamente e constatei que, de fato, havia outro espetáculo e
disse para me desculpar: “É verdade, existem duas”. A moça da bilheteria
retificou: “Não, na verdade, existem quatro peças em cartaz”.
O rinoceronte
é uma peça de 1960, mas não poderia ser mais atual. Em um dia trivial de uma
pacata cidade, de repente, do nada, um rinoceronte passa correndo. As pessoas
tentam ignorar o paquiderme e continuar com as suas vidinhas. Mas fatos
estranhos são desencadeados em uma trama que vai do prosaico ao absurdo, do
banal ao patético, da comédia ao trágico, em uma escalada crescente e
atordoante.
A paranoia
começa a tomar conta da cidade. Uma mulher denuncia que está sendo perseguida e
aciona os bombeiros. Logo, eles descobrem que o rinoceronte é o marido dela
transmutado. Na verdade, o caso é mais grave. A cidade sofre um surto de
rinocerontite, doença mais perigosa do que o coronavírus, pois provoca a
metamorfose dos seres humanos em paquidermes selvagens.
O pior é que a
maioria começa a tomar gosto em virar maria vai com as outras, quer dizer,
rinoceronte. Neste contexto, permanecer humano é que se torna uma aberração. A
montagem de Hugo Rodas acentua a dramaticidade da situação ao contrapor o
prosaico e o absurdo.
A fala final
do protagonista Bérenger é solitária, mas tem uma carga poética explosiva de
heroísmo trágico. Só ele resiste: “Eu me defenderei contra todo mundo! Sou o
último homem, hei de sê-lo, até o fim! Não me rendo!”
O espetáculo
provoca a reflexão sobre a era do pós-humano, a ascensão dos idiotas, a
irresponsabilidade social, o efeito manada, a cultura do ódio, os falsos mitos
e a burrice-ostentação. Só a arte para se contrapor com a força da poesia e dar
um alento espiritual.
O trabalho de
Hugo e da Agrupação Amacaca voltou a ter ressonância com um público mais amplo.
E isso se deve, em parte, à retomada dos teatros do Espaço Cultural Renato
Russo. O pessoal que está cuidando do complexo cultural conhece a cidade e é
competente. É muito bom perceber que aquele território volta a se tornar uma
referência cultural da cidade.
Por
Severino Francisco – Colunista do Correio Braziliense – Foto/ilustração:
Blog-Google- Correio Braziliense
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CULTURA