Por Victor Dornas
Como se sabe, a convivência com o presidente lá no planalto
não tem sido das mais fáceis. Além de obrigar assessores a desobedecerem ao
regime de quarentena, Bolsonaro tem se irritado com alguns dos seus ministros.
Semana passada foi noticiado um desentendimento com Sérgio Moro, uma vez que ele[f1] não aderiu ao negacionismo acerca da
gravidade da pandemia. Rosângela Moro, esposa do ministro da justiça, postou uma
mensagem em apoio à Henrique Mandetta, ministro da saúde, também hostilizado
por Bolsonaro, mas apagou logo sem seguida, possivelmente a pedido do marido.
Diante da indisposição com Mandetta, a patota bolsonarista iniciou
disparos virtuais com uma teoria conspiratória que justificaria a demissão do
ministro, que, segundo pesquisas recentes, aufere maior aprovação popular do
que o próprio presidente.
A teoria é a seguinte. Como é sabido, Mandetta, além de
médico ortopedista, também tem uma carreira política, atuando, tanto em gestão
municipal, como no legislativo federal. Ele vem de uma família de políticos e
conhece como funciona o jogo. Por questões de filiação partidária ao DEM, a patota então
argumenta que a indisposição de Mandetta com o presidente não vem do fato do
Bolsonaro adotar a postura negacionista e distinta de todos os outros chefes de
estado do mundo, exceto o da Venezuela e da Bielorrússia. Tal indisposição
existiria interesse político. [f2] Segundo a patota, Mandetta teria “relação”
com Ronaldo Caiado, governador de Goiás. Caiado, por sua vez, estaria
permitindo que a China “explorasse terras brasileiras” e, com isso, haveria, destarte,
um esquema de usurpação de território brasileiro para depor o caudilho, que
sendo o herói, jamais permitiria.
O caudilhismo não é um contrato bilateral. O populista
depende de aprovação incondicional, de uma submissão de sangue para exercer sua
atribuição divinizada. Mandetta permanece no cargo por duas razões. Primeiro
por dever de ofício, dever de Hipócrates. Segundo, por interesse no jogo
político, pois ele sabe que está fazendo a coisa certa e quer ajudar seu país. Então,
embora a teoria seja falsa, há uma utilidade em desmontá-la, pois, como quase
toda teoria conspiratória, há algo verdadeiro em sua origem, ainda que a origem
tenha sido deturpada pela mentira.
Primeiramente, “terras raras” são solos ricos em minérios utilizados
para a confecção de aparelhos tecnológicos como satélites espaciais, chips
de computação etc. Há tempos a China exerce um domínio absoluto nesse mercado, fato
que preocupa inclusive os Estados Unidos que dependem da importação dessas commodities
e usam acordos internacionais para impedir retaliações. Ao descobrirmos uma
reserva imensa de minérios desse tipo em Goiás, empresas chinesas estão[f3] interessadas e ofereceram uma aproximação
para estudar as características da área e propor modelos de extração. Então a
patota está certa? Obviamente não. Nos anos 60, o Brasil crescia mais do que a
China. Desde então nós permanecemos estagnados no ostracismo tecnológico enquanto
eles se tornaram a economia mais ascendente do mundo. Dentre inúmeros motivos
para que isso tenha acontecido, um dos principais é que os chineses sabem fazer
contratos de transferência tecnológica e conseguiram criar um ambiente inovador
repleto de agentes capazes de dominar tecnologias de ponta como a extração de
minérios em terras raras[f4] .
Enquanto isso, nós permanecemos em nossas teorias
conspiratórias, inchando o Estado com vampiros improdutivos que, por meio do lobby
legislativo, asseguram a atuação oligopolista de empresas que atrasam o progresso
brasileiro para venderem tecnologia velha. Os chineses são os únicos do mundo
que sabem lidar com extração desse tipo de minério com tanta expertise. A ideia
de que eles tenham vindo aqui com expectativa de geração de bilhões, na ótica
do conspiracionista, parece suspeito, mas, na verdade, é bem óbvia. A questão
que se apresenta é a seguinte: Não adianta deixar os chineses virem aqui extrair
esse material se não aprendermos nada com eles.
Pra isso existem as cláusulas de
transferência de tecnologia, onde o contratante se obriga a passar conhecimento
em troca de vantagens, como por exemplo, poderem explorar as tais terras. O
Brasil dispõe de uma imensa reserva natural delimitada por terras indígenas que
cobrem regiões como essa encontrada em Goiás, que forneceriam matérias primas para
que nós, assim como a China, pudéssemos ascender no mercado internacional exportando
tecnologia ou provendo recursos para o próprio mercado interno, atualmente sucateado
pelos oligopolistas locais que forçam uma política de tributação que impede a
importação. O Brasil, nesse sentido, é uma das economias mais fechadas do mundo
e também por isso não se desenvolve.
Durante décadas fomos moldados por doutrinas mortas. Isso não
se resolve em pouco tempo. Assim como na era petista, onde se acreditava que
todo tipo de relação com os Estados Unidos eram “entreguismo”, agora o
nacionalismo fascista apenas mudou de bandeira, sendo a China o vilão. Essas
ideias arcaicas são cultivadas justamente no nicho minoritário da população que
teve condições de estudo. A maioria do país não tem ciência de nada disso. Eis
a explicação para perdermos tantas oportunidades no cenário geopolítico. Quando
a onda está favorável, ao invés de surfamos nela, ficamos debatendo o sexo dos anjos
enquanto a maioria sustenta a inépcia.
A chegada dos chineses em Goiânia pode ser uma boa oportunidade,
se conseguirmos um bom contrato de transferência tecnológica e nos prepararmos
para o futuro na era da informação.