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Covid-19: Também o presidente. (Nós, brasilienses, estamos de parabéns)


Também o presidente
Nós, brasilienses, estamos de parabéns. Os moradores do Distrito Federal, nos conta pesquisa divulgada na última quinta-feira, são os que mais respeitam o isolamento social na tentativa de fazer com que o novo coronavírus se espalhe o mais lentamente possível e, assim, os doentes possam ser dignamente atendidos nos hospitais e tenham mais chances de sair dessa vivos. Dos moradores da capital, 56,5% têm ficado em casa. Em nenhuma outra unidade da Federação foi constatado índice tão alto.

Como já cantou Renato Russo, porém, “moramos na cidade e também o presidente”. E, no mesmo dia em que essa pesquisa era divulgada, o presidente fazia questão de se juntar aos que não respeitam o isolamento social. Tudo bem, não se deve esperar que alguém que ocupa seu posto se recolha totalmente. O cargo ainda conta como função essencial. Sair do Alvorada e ir trabalhar no Planalto, reunindo-se com sua equipe e líderes para decidir e tomar medidas que ajudem o país a atravessar a crise, é o mínimo que esperamos.

Mas não foi isso que o presidente fez. Na quinta-feira, ele não agiu como um médico que sai de casa para salvar vidas, ou um policial que se expõe para manter a cidade segura, ou um gari que deixa a família para fazer com que a cidade fique limpa e, assim, mais saudável. O presidente foi até a Asa Norte para tomar café num balcão de padaria e tirar fotos abraçado com as pessoas. Precisava? Aposto que café tem aos montes onde ele trabalha.

Claro, o presidente não queria café. Queria passar uma mensagem em forma de imagem. Antes de sair de casa, provavelmente, pensou: “Vou mostrar que não podemos parar de trabalhar”. Nosso vizinho eleito tem dito isso muito. “Não podemos parar de trabalhar, porque o desemprego vai matar mais que o vírus”, repete, repete e repete, aparentemente sem notar que está errado. O que vai matar mais que o vírus não será o desemprego, será a falta de ajuda que todo brasileiro deveria receber, agora e depois, para agir como os maiores especialistas recomendam: ficando em casa.

Na quarta-feira, o presidente foi à televisão e disse: “A chuva está aí. Vamos nos molhar e alguns vão morrer afogados”. Queria dizer que as mortes (já passam de mil!) são inevitáveis, logo, temos de aceitar esse destino e ir trabalhar para não pararmos a economia. Depois, acrescentou que não se deve deixar tudo na conta do Estado. Tudo? Pedir ajuda para se proteger e salvar vidas que, mais tarde, serão essenciais para a recuperação da economia, é deixar tudo na conta do Estado?

Acho triste que nosso mais importante vizinho, pelo cargo que ocupa, não seja capaz de inverter o sentido de sua metáfora climática. A chuva que está aí e certamente vai nos molhar é a paralisação econômica. Esta já é uma realidade e teremos de lidar com ela mais tarde, depois de sobrevivermos. Esta é a chuva inevitável e nossa luta deve ser a de dar condições aos brasileiros para que ajam como devem agir para que o menor número possível de pessoas morra afogado.

O presidente, no entanto, prefere enxergar como inevitável não a estagnação econômica, mas a morte de milhares. Prefere dizer que não há nada mais a fazer senão irmos às ruas e aumentarmos o número de cadáveres, porque, afinal, não podemos esperar que o Estado, hoje comandado por ele, faça algo. E assim tenta nos empurrar para o dia em que olharemos pilhas de mortos e nos perguntaremos quantas daquelas vidas poderiam ter sido salvas se tivéssemos feito mais. Mas há esperança. Porque o presidente mora na cidade. Mas também moramos nós. E nós estamos em casa.

Por Humberto Rezende – Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog - Google


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