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Entrevista: ROSA PASSOS » Elegância tem nome - Brasília que ama e vive com a família


Elegância tem nome

O palco de Rosa Passos é o mundo. Aclamada de Tóquio a Nova York. Mas é Brasília que ama e vive com a família. Baiana de Salvador, a cantora e compositora veio para a capital recém-casada e, no final da década de 1980, ganhava fama e elogios pela voz rara e o talento musical único. Sempre acompanhada de músicos de primeira linha, como o baixista Jorge Helder e o violonista Lula Galvão, ela tocava nos bares da Asa Norte, como o extinto Degraus. “Cantar para as pessoas dançarem foi a maior escola da minha vida. Cresci muito como intérprete cantando na noite”, lembra. Nesta entrevista da série Conversas candangas, Rosa se declara a Brasília, fala da trajetória e dos encontros com o mestre da bossa nova João Gilberto.

Quando você ouve a expressão “Brasília, capital da esperança”, qual lembrança afetiva vem à sua mente? Você é a baiana mais brasiliense da capital... “Brasília, capital da esperança” é muito especial para mim. Vim para Brasília casada, novinha e comecei a fazer minha vida aqui. Meu marido servidor público, eu não conhecia ninguém musicalmente, demorou um pouco para formar um grupo de amigos com afinidades musicais. Tive meus filhos, e agora os netos. Fui criando amizades, laços de carinho com a cidade. Sou uma brasiliense-baiana mesmo, de coração.

E a música? Como o violão começou a fazer parte da sua vida? Quais artistas te influenciaram? Estudava piano antes do violão, mas quando minha irmã mais velha levou um disco, compacto duplo, de João Gilberto, que foi trilha sonora do filme Orfeu do carnaval, eu ouvi aquele violão, aquela voz, a divisão sonora que fiquei impactada que, naquele momento, cheguei para meu pai, ainda novinha, com 11 anos de idade, e falei para ele: “Painho, não quero mais tocar piano, quero violão. A influência de João Gilberto sempre foi muito grande na minha vida. É o meu ídolo, meu mestre. Aprendi com Joãozinho e devo muito a ele, na forma do canto, da dicção, da respiração. Como compositora, admiro Tom Jobim, Ary Barroso, João Bosco, Djavan, Gilberto Gil e Edu Lobo, que são muito importantes.

Nos anos 1980, Brasília tinha uma noite agitada e músicos de primeira linha ocupavam os palcos. Quais espaços eram preferidos e  você destacaria quais músicos daquela época? Eu tinha filhos pequenos, não vivi muito essa época. Comecei a cantar na noite em 1984, me apresentava no bar Amigos (105 Norte), com Helder da Silva Miranda, que é engenheiro e guitarrista. Depois passei para o palco do Degraus que, inclusive, tinha uma pista de dança. Foi aí que conheci Lula Galvão, Jorge Helder, Erivelton Silva e outros músicos. Cantar para as pessoas dançarem foi a maior escola da minha vida. Cresci muito como intérprete cantando na noite.

O brasiliense tomou conhecimento de uma certa Rosa Passos, na primeira metade da década de 1980, quando subiu no palco, a convite do pianista Antônio Adolfo (que veio lançar o LP Feito em casa), no auditório do Sesc, na 913 Sul. Quando e como foi este momento histórico e o que você interpretou naquela noite? Foi lindo! Somos grande amigos. Antônio Adolfo é uma pessoa que respeito muito e foi uma surpresa quando ele me convidou. Estava grávida de Juliana.

Você ganhou traquejo de palco ao cumprir temporada no bar e restaurante Amigos, na 105 Norte. Que lembranças tem daquele tempo? O Amigos tinha um clima mais intimista, tocava sentada. Mas, no Degraus, eu ficava em pé com a banda. Eu tinha que ter uma performance no palco, as pessoas dançavam na pista. Peguei uma cancha muito boa. Era música de 21h às 3h. Maravilhoso! Foi um estudo. Era muito chata com repertório, queria tudo de altíssimo nível. As pessoas aplaudiam como se fosse um show!

O que mudou em relação aos dias atuais? As pessoas não gostam mais de ouvir boa música ou elas simplesmente não foram apresentadas à música de qualidade? Acho que o contexto musical brasileiro é muito variado e acompanha o modismo. Para a grande mídia (gravadoras, tevês e afins), o importante não é a qualidade, sim o retorno comercial.

Como formar público consumidor se as casas estão sendo fechadas por excessos da Lei do Silêncio? Brasília é hoje uma cidade-dormitório? É triste. Tem muito músico bom em Brasília. Cantoras e cantores que estão sem espaço. Viajo muito, não fico muito na cidade, mas percebo a falta de espaço que eles têm para mostrar o trabalho.

Você é reconhecida no mundo inteiro, de Nova York a Tóquio. Mas tem raízes amorosas e musicais na capital do país. O que você gosta daqui? Gosto pela tranquilidade. Meus filhos e netos nasceram aqui. Tenho uma vida tranquila. Como sou uma artista que viaja muito pela Europa e Estados Unidos, Brasília é minha cidade amada.

Como foi tocar no Carnegie Hall? Local em que a bossa nova foi lançada para o mundo com João Gilberto, Tom Jobim, Oscar Castro Neves, Roberto Menescal, Luiz Bonfá e tantas outras estrelas... Foi um dos momentos mais importantes da minha carreira. Foi um convite do Carnegie Hall, subi no palco sozinha com meu violão. Isso tinha sido previsto por meu pai, quando eu tinha 17 anos. Ele dizia: “Se você continuar assim, vai chegar ao Carnegie Hall”. Fiquei surpresa com a frase de painho. Foi o momento mais importante da minha vida. Toquei, lançando meu disco solo, o Rosa (2006), mas também cantei com (o violoncelista) Yo Yo Ma, no lançamento do Obrigado, Brazil, disco dele que participei — a gente ganhou o Grammy americano —, e depois também cantei com Paquito D’Rivera, nos show 50 anos de Música de Paquito.Foram três vezes que me apresentei no Carnegie Hall.

E seu encontro com João Gilberto (ele recebia raras pessoas) no apartamento em que ele morava no Leblon? Há tanta sintonia musical com o pai da bossa nova, que o jornalista Ruy Castro te chama de “João Gilberto de saias”. Como foi essa amizade? Foi muito mágico o encontro com Joãozinho. Ele não recebia ninguém no apartamento do Rio Flat, no Leblon (Rio de Janeiro). Tive três encontros, eu levava meu violão, passávamos horas tocando, era fantástico. Essa coisa de “João Gilberto de saias” (risos), é uma grande responsabilidade, mas comecei a fazer outras coisas, além da bossa nova. Não faço só bossa nova, faço música brasileira de qualidade. A música que faço tem também uma conotação jazzística, sem perder o suingue, a brasilidade. Por isso tenho uma carreira internacional sólida. No Brasil, tenho muitos fãs também.

Jorge Helder e Lula Galvão são dois músicos que iniciaram a carreira aqui na cidade, estão ao seu lado em quase todos os projetos. Qual a importância deles para o trabalho que realiza? Muito grande. Criamos um laço de amizade muito grande. Crescemos juntos musicalmente. Sou madrinha da filha de Jorge Helder. Temos uma sintonia muito grande. Somos família, ainda mais com essa situação que estamos vivendo.

Uma curiosidade: Ivete Sangalo que cantava suas músicas no início a carreira, no bar Canoa, no Rio Vermelho, em Salvador, depois de famosa a levou a subir num trio elétrico, numa Micarecandanga aqui na capital. Que lembrança guarda daquele experiência? Essa lembrança com Ivete foi muito engraçada. Muito legal! Estava em casa, ainda morava na 308, quando ela ligou e me convidou para subir no trio elétrico (risos). Meu deus do céu! Terminou eu indo com meus três filhos. Subi no trio elétrico e nunca tinha vivido uma experiência igual aquela. Ela tem muita energia e força, a pessoa tem de cantar, dançar e trazer aquela multidão para cantar junto e acompanhar. É muito interessante. Ivete é incrível! Imensa cantora.

Você está aproveitando esse período de pandemia para fazer concorridas lives nas redes sociais, um presente para os fãs. Depois disso tudo passar, quais são seus projetos? Mesmo antes dessa pandemia, fazia vídeos para meus fãs. Tenho mais de 100 vídeos nesses cinco anos. Sempre gosto de fazer vídeos. A visibilidade do meu trabalho cresceu muito. Os fãs foram crescendo bastante. Atualmente, é também uma forma de colaborar com as pessoas, nesse momento tão difícil. Tudo vai passar. Logo, logo estaremos juntos. A agenda de shows será montada logo depois da quarentena.

Aulas on-line: Desde o ano passado, Rosa Passos oferece aulas (são 16) de composição, interpretação, entre outras dicas no site ( https://www.toquedemestre.com.br/


José Carlos Vieira - Irlam Rocha Lima - Foto: Marcelo Castelo Branco - Correio Braziliense



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