País é o primeiro da América do Sul a dar sinais de sistema de saúde
colapsado.
150 corpos retirados na cidade portuária de Guayaquil.
Por Victor Dornas
Há pouco mais de 1 mês ainda seria justificável que muitos de
nós menosprezássemos o potencial destrutivo do vírus Sars-cov-2, popularmente
conhecido como novo coronavírus, embora já não houvesse razão para isso. Apesar da
ditadura chinesa ter abafado a gravidade e a potencialidade de
alastramento da doença, fato este ainda não compreendido devidamente pelos órgãos de segurança internacionais que agora se mobilizam na contenção, já havia farta quantidade de informações para temermos a ameaça. O índice de mortalidade da gripe suína, o H1N1 era de
mais ou menos 0,02 %, enquanto este novo Sars atinge 3%. Epidemiologistas asseveram que a doença mata de vinte a trinta vezes mais do que o Influenza. Inicialmente, de fato pensou-se
que, em razão da análise rasa sobre os números de quadros fatais, a doença seria uma questão para idosos, mas logo percebeu-se sua verdadeira potencialidade: O vírus tem uma
facilidade incrível em sua taxa de transmissão e compromete não apenas pulmões e outros órgãos do paciente, mas o próprio sistema de saúde do país.
Em virtude dessa velocidade de demanda por tratamento intensivo, muitas pessoas morrem pela falta de hospital e não pela complexidade da doença em si, numa
análise específica, isto é, mortes recorrentes de pessoas que poderiam ser evitadas caso houvesse estrutura adequada. Essa é a verdadeira face do vírus, ou
seja, ele age estrategicamente deprimindo nossa estrutura de tratamento e mata
por incidência, razão pela qual a interpretação dos dados requer cautela e perícia. Em face do exposto, parece inimaginável que um chefe de estado trate a questão com algum menosprezo
e isso de fato não tem acontecido no mundo, exceto em três países. No Brasil, na Venezuela e na Bielorrússia.
O Brasil há tempos se perdeu na representatividade diplomática em relação
aos seus irmãos menores. A ideia era que fossemos um motor do
desenvolvimento do bloco econômico de países da América do Sul, o irmão maior, contudo permitimos
disputas internas descabidas e até apoiamos por décadas a
insurgência de grupos revolucionários que materializavam o atraso.
O empobrecimento do nosso
continente também é culpa nossa, por ineficiência na percepção da realidade. O
Brasil sempre exercerá influência por sua dimensão continental, mas há tempos que o continente como um todo padece, totalmente perdido, enviesado ideologicamente, sem percepção
de mundo, no negacionismo científico contumaz legitimador da fé em figuras políticas autoritárias que
operam como heranças de um passado caudilhista. De um presente caudilhista.
Conforme previsto pelos cientistas, o vírus não encontrou um
rival em nosso continente e segue seu curso ainda que tenha avisado acerca de
sua chegada, prerrogativa esta não verificada em países que hoje figuram no alto
da tabela de baixas, como Itália e Espanha, que foram pegos de surpresa.
Aqui nós já sabíamos com
antecedência e isso ainda nos permite certa vantagem. A morosidade de um
governo que no Brasil, todavia, decorre da falha de comunicação institucional e faz com que seu
Banco Central atue em isolamento, enquanto o Ministério Econômico se revela
incompetente, lento e também enviesado por ideologias que insistem na negação teimosa e na arrogância. Líderes políticos preocupados com a capitalização oportunista se debatem dia após dia.
E o vírus avança, agora no Equador. Um país também funciona como um organismo e seu sistema imunológico é a disponibilidade de unidades de tratamento. Superadas essas barreiras, a ameaça se materializa e deixa como espólio um arrasamento
difícil de digerir. Vídeos com corpos abandonados na indulgência, lá no meio da rua da cidade portuária de Guayaquil, como um retrato da deficiência institucional debelada pela pandemia, mostram o desespero da população local. É difícil assistir. Celebridades negacionistas em redes sociais, diariamente, temerosas pela perda do status
quo, não admitem a urgência da mudança e preferem desinformar, potencializados no discurso de ostracismo do presidente da república.
Pois
bem, a Itália avisava e agora o Equador demonstra que o vírus de fato chegou. Em
qualquer crise retratada na arte, na ficção ou na realidade da cinematografia,
existe a figura do negacionista. Todos já viram isso, várias e várias vezes. É aquele personagem
que, mesmo diante da inevitabilidade da ameaça, persiste em estado de negação. Por puro desespero. Seriados aclamados como Chernobyl, que trata do real, estão lá as tais figuras. E por vezes, como no caso da maior catástrofe nuclear da história, esses perfis psicológicos ocupam os mais altos quadros do poder. Contribuem
e até se responsabilizam pela dimensão da tragédia em razão de seu desespero. No caso da pandemia deste
novo Sars, já se sabe bem quem eles são. Desesperados, eles negam.
Negarão até serem silenciados pela própria realidade.
O vírus Sars-cov-2 é uma ameaça estratégica. Sua capacidade
de se alastrar é nosso ponto fraco. O primeiro de nossos irmãos a tombar parece ser o Equador.