Por Victor Dornas
Numa pandemia é evidente que países mais enclausurados
ideologicamente tendam a mascarar suas realidades e, por isso, desconfia-se
sempre de números divulgados pela Rússia e a China. A discussão sobre a Rússia
ser uma democracia ou uma autocracia não importa tanto aqui. Hoje, a melhor
forma de aferir a confiabilidade de um país na cooperação internacional é a
liberdade de imprensa e a legitimação do governo, sendo que até onde se sabe, a
legitimação de Putin é ostensivamente reiterada por seu povo.
Se os russos entendem que a manutenção de seu governo por
vinte anos é democrática, isso é um problema interno deles. A autonomia das câmaras
e do conselho de federação é respeitada? Problema interno deles. A questão é:
Sua imprensa é livre? Seu governo é legítimo?
Mas e o Brasil?
Aqui temos uma imprensa livre mas, ao contrário de Putin, não
há legitimação governamental, uma vez que o sufrágio em nosso modelo não revela
o interesse da maioria. Aqui nós temos leis trabalhistas, entretanto arcamos
com um dos IDH’s mais vexaminosos do
planeta, sopesadas as potencialidades e recursos dispostos. Temos também uma
máquina estatal publicizada, mas que onera todo nosso erário em despesas
correntes. Num local como o Brasil, que vive das aparências, podemos confiar
nos números numa pandemia?
Desde que a pandemia começou, o site mais acessado do mundo é
o “Woldometers” e, de um modo geral, o Brasil está na tabela juntamente com o
Canadá, um país que oferece um vasto subsídio hospitalar e goza da realidade
republicana que nós fingimos ter. E lá estamos nós, perto deles em todo o
ínterim de isolamento. A imprensa brasileira então questiona. As universidades federais,
constantemente hostilizadas pelo governo federal, também questionam. Por isso, divulgou-se
agora há pouco alguns ensaios estatísticos que apontam, na verdade, números
reais acerca de testagem de infectados 10 vezes acima do divulgado, o que nos
tiraria do consolo canadense e nos elevaria ao pico do caos, lugar mais propício
de acordo com as previsões alarmistas.
Há um erro nessa crítica feita ao Ministério da Saúde e que
tende a ser cada vez mais endossada conforme o próprio Mandetta já previu. A
contagem não é imperiosa como por aí se diz. Se um país já maculado por uma
recessão econômica quiser alocar os recursos precarizados na questão do
atendimento hospitalar, existe outra forma de aferir o contágio, ou seja,
traçando estudos nas unidades de terapia intensiva e, principalmente, nos
laudos de óbito, para disso se projetar a realidade da contaminação. Chama-se
esse método de “modelo de vela”, sendo a testagem o “modelo de lanterna”. Não
se discute, no entanto, que o dinheiro desperdiçado pelo Congresso em fundos
eleitorais e regalias perversas das mais diversas poderia ser usado em
testagem, ou preferencialmente em setores já bastante danificados, contudo, por
si só, a testagem não é tão importante quanto a qualidade precisa no lavramento
do registro de óbito.
Em outras palavras, se nós não estivéssemos testando, como
não estamos e, todavia, tivéssemos uma aferição obituária fidedigna, apenas
usaríamos o método da vela, por estratégia.
A verdade, caro leitor, no entanto, é que além da testagem
mal feita, surgem números de um aumento excessivo de mortes resultantes de infecções
respiratórias não classificadas no quadro da covid19 e isso talvez signifique
falha grave na confiabilidade de registros de óbito. Nesse caso estaríamos junto de ditaduras que, aliás, tendem a
rechaçar teses que fundamentam isolamentos sociais por não admitirem um subsídio
estatal emergencial. Trata-se de economias desconjuntadas. Locais que não se
prepararam para momentos de crise.
Qual será então o verdadeiro lugar do Brasil? Junto com o
Canadá ou com a Nicarágua? Torçamos para que, pelo menos, estejamos num meio termo.
Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas Foto/Ilustração: Laerte