Subir no foguete
do Parque Ana Lídia, quem nunca? O Parque
da Cidade, cravado no coração de Brasília, participou da infância da maioria
das crianças que aqui chegou ou nasceu nas décadas de 70 e 80
O
parque é o Ana Lídia, que fica no estacionamento 12 do Parque da Cidade. Há 49
anos ele é garantia de diversão para diferentes gerações de brasilienses.
Fotos: Arquivo Público do DF
No coração da capital do Brasil existe um parque, o
maior espaço público de lazer da América do Sul. Em seu interior tem outro e
dentro dele tem um foguete. No foguete, Silvana Seabra, então com 6 anos, viajou
para a Lua muitas vezes. Lá de cima ela via meninas dentro de carruagens e
meninos em cabanas de índio. Também observava a Esplanada dos Ministérios e o
Congresso Nacional, os prédios mais altos da paisagem naquela época.
O parque é o Ana Lídia, que fica no estacionamento
12 do Parque da Cidade. Há 49 anos ele é garantia de diversão para diferentes
gerações de brasilienses. É difícil encontrar um morador de Brasília que não
tenha a lembrança de ter ido pelo menos uma vez ao parque de areia quando criança.
E até hoje o espaço faz sucesso, ficando lotado aos finais de semana.
Inaugurado em 1971, o parque infantil foi uma das
primeiras opções de lazer para as crianças da capital. “Naquela época, só tinha
os parquinhos das quadras. Não tinha um espaço daquele, com grandes brinquedos.
E ainda era de graça”, conta o o publicitário brasilense João Amador, 41 anos,
que mantém um perfil nas redes sociais desde 2014 que conta histórias de
Brasília.
Segundo ele, apesar de a abertura oficial ter sido
em 1971, o espaço já era usado para as brincadeiras da meninada desde 1969. Na
época, o local era chamado de parque da torre, inaugurada em 1967. “Só fizeram
a inauguração oficial. Mas era a mesma coisa, a mesma área e os mesmos
brinquedos”, diz.
Ocupando uma área na Asa Sul intocada até então, o
parque trazia brinquedos temáticos divididos em três partes: a Ala das Meninas
– com elementos de contos de fadas, como carruagem em forma de abóbora, como a
carruagem da Cinderela, escorregador em forma de bota e animais gigantes; a Ala
dos Meninos – relacionada aos filmes de aventura da época, com cabanas apaches,
barco viking e caravanas do velho oeste; e a Ala Futurista – com um foguete
espacial, trepa-trepa em forma de bolha, roda-roda no formato de cápsula lunar,
entre outros.
Silvana
Seabra, na foto com 6 anos, frequentava o parque antes mesmo dele ser
oficialmente inaugurado. Foto: arquivo pessoal
O foguete era, e ainda é, o xodó dos frequentadores
do local. Para a administradora Silvana Seabra, hoje com 55 anos, o espaço
sempre será identificado como “Parquinho do Foguete”. Ela guarda fotos tiradas
no local em 1970, quando o parque nem tinha sido inaugurado oficialmente.
“Sempre gostei de altura, lembro de observar lá de
cima, de um lado, a vegetação da área que depois virou o parque da cidade, e,
do outro, a Esplanada dos Ministérios, o Senado Federal e a Câmara dos
Deputados”, diz. “Brasília não tinha nada naquela época. Nenhum daqueles
prédios altos ali em volta existia”, recorda-se.
Silvana saía do Lago Sul, pelo
menos duas vezes por mês, para brincar no parque. Foto: arquivo pessoal
Viagem: A
diversão da garotada era correr até o alto do foguete e escolher se a descida
seria feita pelo escorregador, que não existe mais, ou pelas escadas. “A graça
era escorregar até lá embaixo. O brinquedo era alto”, lembra Silvana.
Além do foguete, ela gostava de se equilibrar no
trepa-trepa . Silvana morava com os pais e os dois irmãos no Lago Sul. Mesmo
com a distância, ela ia com a irmã mais velha umas duas vezes por mês ao
parque, “a única opção de lazer para a criançada na época”. “Meu irmão é cinco
anos mais novo, não lembro dele ir com a gente, era muito novinho. Minha irmã
que ia comigo, eu tinha 6 e ela 7/8”, conta.
O trajeto entre o Lago Sul e a área central de
Brasília era uma viagem na década de 70. “Eu morava onde é hoje a QI 11. Não
tinha nenhuma ponte e gente tinha que dar a volta pelo aeroporto para ir à
cidade”, diz. As pontes só chegaram ao Lago Sul em 1974.
A primeira deveria ter sido a Costa e Silva, um
projeto de Oscar Niemeyer feito em 1967. As obras, iniciadas em 1973, ficaram
anos paralisadas e a ponte só foi inaugurada em fevereiro de 1976. A primeira a
ser de fato utilizada foi a Ponte das Garças, conhecida como Ponte do Gilberto,
cuja construção durou poucos meses e foi inaugurada em janeiro de 1974.
Para Rejane Marinho, 45 anos, o parque é mágico. O
local é tão especial para ela que a família dela já está avisada: quando
morrer, quer ser cremada e deseja que suas cinzas sejam jogadas no Ana Lídia.
“Eu e meus dois irmãos passamos pela separação dos
nossos pais e sofremos muito. Mas no meio dos brinquedos esquecíamos das brigas
deles. Era um lugar de paz, de brincarmos e sermos felizes”, diz.
Rejane se mudou de Brasília quando tinha 10 anos.
Hoje a pedagoga e advogada mora em Campo Grande (MS), mas continua tendo uma
relação forte com a capital. “Tenho tios aí, meu pai ainda mora em Brasília,
sempre estou na cidade”, conta. O Parque da Cidade como um todo é especial para
ela. Além de subir no foguete, “que era tão alto”, ela tem lembranças de
piqueniques com a família e de soltar pipa com os irmãos.
“O Parque da Cidade todo é muito importante para
quem morou em Brasília na década de 80”, diz. “A gente morava na Asa Sul,
primeiro na 412 e depois na 415, e íamos pra lá quase todo fim de
semana”, completa. Mesmo não morando mais em Brasília, ela fez questão que as
filhas, gêmeas hoje com 20 anos, conhecessem o lugar onde a mãe passou os melhores
dias da infância. Elas moravam em Goiânia na época, as meninas tinham 3 anos e
meio e vieram passar o dia no parque. Elas curtiram, mas acho que foi mais
importante para mim”, conclui.
O “espremedor de laranjas” era
diversão garantida na época. Hoje não existe mais. Foto: Histórias de Brasília
Mudança de nome: João
Amador lembra que, até meados dos anos 80, o parque de areia do Parque da
Cidade era o grande parque infantil do Distrito Federal. “Tinha a Nicolândia,
mas era pago e tinha outra pegada. Acredito que 100% das crianças de Brasília
nas décadas de 70 e 80 tenham frequentado o parque”, afirma.
Segundo o publicitário, de 1971 para cá, o Ana
Lídia não recebeu nenhum novo brinquedo significativo. Pelo contrário. Muitos
foram retirados até para a segurança dos usuários. Como o escorregador que
tinha no meio do foguete e um roda-roda que parecia um espremedor de laranja
onde as crianças ficavam em pé. “Eram brinquedos bem assassinos”, diz.
Quando foi inaugurado, o parquinho de areia foi
batizado de parque Yolanda Costa e Silva, nome da esposa do presidente Costa e
Silva, falecido dois anos antes. Mas anos depois foi renomeado para homenagear
uma de suas frequentadoras: a menina Ana Lídia, que fora assassinada em 1973,
um dos crimes mais misteriosos da cidade, até hoje não solucionado.
Ana Lídia Braga tinha 7 anos e foi sequestrada
depois de ser deixada na porta do colégio Madre Carmen Salles. Seu corpo foi
encontrado no dia seguinte em um matagal perto da Universidade de Brasília
(UnB). A menina estava nua e o cadáver tinha sinais de violência sexual. O
túmulo dela, no Cemitério Campo da Esperança, até hoje recebe visitas de
pessoas que levam flores e brinquedos.
Antes do Parque da Cidade: O parque infantil é
anterior ao Parque da Cidade, criado sete anos depois e que também já teve
outro nome. Brasília tinha acabado de fazer 18 anos quando ganhou de presente
uma imensa área verde no meio das asas do Plano Piloto. Ele ocupa uma área de
420 hectares (o equivalente a 4 milhões e 200 mil metros quadrados) e é maior que
o famoso Central Park, em Nova York, que tem 320 hectares.
Originalmente, o espaço recebeu o nome de Rogério
Pithon Farias, que era filho do então governador, Elmo Serejo, e que morreu em
um acidente de carro. Foi renomeado para Parque Dona Sarah Kubitschek em 1997,
mas, em 1986, já tinha ganhado fama nacional por meio da música Eduardo e
Mônica do grupo brasiliense Legião Urbana. O local foi palco do primeiro
encontro do futuro casal. A Mônica foi de moto e o Eduardo de camelo
(bicicleta).
Além das imensas áreas verdes entre as
superquadras, o plano piloto do urbanista Lucio Costa previa um jardim
botânico, na Asa Sul, e um jardim zoológico, na Asa Norte. Mas, após uma série
de modificações do projeto original, foi decidido que as duas áreas se somariam
em um único parque, o Parque Zoobotânico de Brasília, na Asa Sul, cujo projeto
seria desenvolvido por Roberto Burle Marx, em 1961.
Entretanto, foi somente na década de 1970, com o
aumento da cidade, a necessidade de ocupação de seus limites para se proteger
de invasões, somado à necessidade de criação de uma grande área pública de
recreação, que o governador do Distrito Federal, Elmo Serejo Farias, determinou
a implantação de um parque recreativo, sendo necessária a criação de um novo
projeto.
Lucio Costa ficou responsável pelo planejamento
urbanístico, os arquitetos Oscar Niemeyer e Glauco Campello incumbidos por
alguns prédios a serem construídos e Burle Marx se dedicou ao projeto
paisagístico. Os 16 banheiros do parque são revestidos por azulejos do artista
plástico Athos Bulcão.
Atualmente, o Parque da Cidade tem atrativos para
todas as idades. São quadras de futebol de campo, de futebol de areia, beach
tênis, quadras poliesportivas, de vôlei de concreto, vôlei de praia, futevôlei,
frescobol, de vôlei de saibro e tênis de concreto, além de 49 churrasqueiras,
seis parques infantis, cinco pontos de encontros comunitários (PEC), uma
ciclovia e pista de cooper com circuitos de 4 km, 6 km, e 10 km, e diversos
quiosques para alimentação. Em média, entre 40 mil e 50 mil pessoas passam por
lá aos fins de semana.
Gizella Rodrigues
– Agência Brasília