A Brasília de Behr
Nicolas Behr é um
menino nato, não importa que ele já tenha ultrapassado a curva dos 60. Na
década de 1980, quando estreou na poesia marginal, com livrinhos mimeografados,
parecia um surfista da piscina de ondas. Hoje, a sua estampa é de um venerável
cientista da Academia de Ciência Brasiliana.
Mas é só mirar nos
seus olhos para vislumbrar a luz do menino matogrossense travesso e matreiro. É
com esse olhar que ele contempla Brasília. Behr se engalfinhou com a maquete do
Plano Piloto, de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, em um caso de amor conflituado,
que só não parou na delegacia porque se resolveu em poesia: “Bicho, este
palácio é a maior cascata”.
Na virada da
década de 1980, questionei bastante a poesia marginal. Agradava-me muito a
abordagem brutalista, a ênfase na vida como ela é, a linguagem crua, mas eu
discordava do culto à ignorância.
Mesmo sem ter,
ainda, construído uma obra, Behr botou o crachá de poeta no peito e foi em
frente, mas com uma fé na poesia capaz de abalar montanhas de obstáculos. É o
próprio Behr quem diz: ‘Francisco Alvim alfabetizou a poesia marginal’. Da
precariedade, Behr fez uma força e se tornou o mais representativo poeta de
Brasília.
E, agora, para
celebrar os 60 anos de Brasília, Behr preparou o livro Rasília (é assim mesmo,
revisão), sem o B, para expressar a incompletude da cidade e da poesia. Behr
toma emprestada a máquina Polaroid de Oswald de Andrade e registra flashes
poéticos, retratos-relâmpago, de figuras célebres ou anônimas de Brasília.
Lembro que, na
década de 1980, o jornalista e ator Ary Pararraios, comandante do grupo
Esquadrão da Vida, se equilibrava de ponta-cabeça na mesa em que trabalhava na
redação do Correio. Behr flagra Pararraios na W3 com agudeza: “Lá vem o
palhaço/pela W3/na contramão”.
Mas o interessante
é que Behr inaugura uma nova faceta em sua produção. Ele registra flashes
poéticos não apenas de cenas cotidianas, mas, também, de estados da alma, como
ocorre no poema dedicado a Cássia Eller: “diamante bruto/quanto menos
lapidar/mais brilha.”
Brasília foi
concebida por Lúcio Costa a partir do gesto de quem toma posse do território,
fincando uma cruz na terra. Todavia, o desenho do Plano Piloto ficou parecendo
um avião. Pediram esclarecimento ao doutor Lúcio e, bem-humorado, ele disse que
era uma borboleta. É com essa história que Behr brinca no poema dedicado a
Lúcio Costa. Behr, que tanto criticou os criadores de Brasília, se rende ao
talento do urbanista e faz a epifania: “a razão pensa/e surge o gênio/de dentro
da borboleta”.
Não sei se Behr
melhorou ou fui eu que piorei. Talvez as duas coisas juntas. Mas o fato é que
achei muito bons quase todos os poemas de Rasília. O humor, que se diluía na
piada, se lapidou em iluminação lírica. Como é o caso do lindo poema dedicado
ao nosso poeta TT Catalão: “teu velório foi uma festa/ não vou dar
detalhes/porque eu sei que você também estava lá”.
Por Severino Francisco – colunista do Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog – Google