Adeus Piantella. Mas começaremos tudo outra vez.
Por Helena Chagas
Hoje fui pela última vez ao
Piantella. Fui buscar o retrato do meu pai, que nos últimos anos esteve na
parede do restaurante, junto com tantos outros de políticos, jornalistas,
personagens vivos e mortos de uma Brasília que se foi, clicados por Orlando
Brito — e que ali estão à espera de serem resgatados por alguém. Junto com as
cadeiras empilhadas, as mesas num canto, as últimas duas poltronas de couro do
antigo bar aguardando o novo dono, o painel de Athos Bulcão ainda não vendido….
O Piantella em seus últimos dias –
Foto Orlando Brito
Penso que o amontoado de móveis e
objetos prestes a serem descartados do que foi o principal ponto de encontro
político da capital é hoje o símbolo mais adequado para o que estamos vivendo.
Mais do que o saudosismo pelo fim de uma era — as eras acabam mesmo — , retrata
um cenário de destruição. As mesas onde Ulysses Guimarães, Tancredo Neves,
Thales Ramalho, Fernando Lyra e tantos outros se sentaram para tramar a
operação que encerrou o regime militar e restabeleceu a democracia no país
foram desmontadas. Ao que parece, hoje estão tão desconjuntadas como alguns dos
valores, hábitos e comportamentos civilizados que permitiram ao país atravessar
esse processo graças a um acordo entre adversários.
Os mineiros Magalhães Pinto e
Tancredo Neves também na galeria do famoso restaurante. Foto Orlando Brito
O salão do andar superior, onde
ficava, num canto, a mesa do Dr. Ulysses, e onde, alguns anos depois, o
primeiro operário eleito presidente da República no país almoçou logo após ser
diplomado no TSE, foi fechado. Mas será que não o foram também, nos tempos
atuais, todos os canais de conversa entre desiguais na política? Por que o
Piantella haveria de manter suas portas abertas no atual estado de coisas,
quando o presidente da República confraterniza com golpistas enquanto
jornalistas são agredidos em frente ao Planalto? Um
presidente que foi eleito diretamente por obra e graça daqueles que, um dia, se
sentaram às mesas do Piantella para conversar.
Carlos Chagas e a filha Helena,
ambos na parede do lendário Piantella
Peguei o retrato do Carlos Chagas
na mesa e esbarrei com o do Guilherme Palmeira, outro personagem daquele acordo
dos idos de 1994 e uma excelente fonte. Àquela altura, não sabia que ele havia
se ido hoje também. Lembrei do Aldir Blanc e da poesia de sua esperança
equilibrista. Vejo as fotos que restaram e penso que a história que cada um
deles ajudou a construir nos últimos 40 anos pode até estar meio fora de moda,
mas não será esquecida nem superada. Porque democracia, liberdade e justiça às
vezes perdem batalhas, mas não a guerra. Se preciso, faremos tudo de novo. Digo
para ele: Pai, vamos embora para casa porque ainda temos muito trabalho pela
frente…
O Piano Bar, já
não mais existia....
Emocionante este depoimento, intenso e esperançoso. Sim, dona Helena, "democracia, liberdade e justiça às vezes perdem batalhas, mas não a guerra". Seu pai foi um dos artifices que escreveram a nossa história, não se furtou de encarar as adversidades. Da minha parte, agradeço seu belo texto e me junto à afirmação final, "se for preciso, faremos tudo de novo".Forte abraço.
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