Após a celeuma promovida pela divulgação da reunião
ministerial onde Moro elogia o governo e, logo depois, decide implodi-lo, o
ex-juiz e ex-ministro da justiça diz que não aceitou o cargo para “seguir um
mestre”. A fala tem efeito nobilíssimo num primeiro momento, porém talvez
revista a personalidade de um acadêmico e criminalista que nunca se acostumou com a ideia de
receber ordens. O mestre, para ser mestre, talvez precise primeiro entender o valor da
hierarquia.
Por Victor Dornas
Sérgio Moro é um acadêmico que seguiu com máxima disciplina todos os
passos exigidos na formação de um baita juiz penal e, por isso, enquanto esteve revestido pela
toga, personificou o pavor daquele tipo de bandido que quase ninguém tem coragem de
afrontar. Gente graúda e poderosa.
Assim, Moro se mostrou um juiz com perfil
destemido, capaz de priorizar o combate à corrupção até mesmo em detrimento de
sua própria vida. No mundo real, a perfeição se distorce na psicologia. Todos
nós temos nossos contrastes e até mesmo Moro, o magnânimo, tem suas limitações.
Alguém que sempre foi reforçado pela vida a crer que tem o
comando dificilmente se acostuma com a ideia de submissão, pois inconscientemente demarca ao subordinado a pecha de prestar uma função “menor”.
Moro, ao assumir
o cargo de ministro da justiça, espelhou-se no famoso caso italiano da operação
“Mãos Limpas”, ou “Mani Pulite”, em que mafiosos foram confrontados por homens da
lei que se insurgiram no mundo político.
Ele nunca assimilou a ideia de que
estava sob comando do capitão Bolsonaro e sim trabalhando em paralelo.
Bolsonaro, seduzido com a ideia da ter a estrela da lava-jato a seu lado,
sequer cogitou que criaria ali um enorme problema de insubordinação, afinal, juiz não
deveria sequer ser estrela de nada e aquele ali em especial sempre foi afeito por mostrar
um pouco além daquilo que indumentária permite. Como fez a esposa, Rosângela, ao criar uma página numa rede social intitulada "Eu Moro com ele".
A condição para largar a toga? Uma pensão para seus
familiares caso fosse vitimado por um assassinato. Novamente, soa nobilíssimo, afinal
policiais e análogos dispõem desse direito. Só que a lei não daria ao ministro
essa prerrogativa. Jornalistas e opositores do governo logo disseram que Moro
estava prevaricando por exigir condição ilegal na sua contratação, mas não é de
crime que se trata aqui. É que Moro não gosta da submissão legal quando, em sua
visão, a lei é injusta, ou precária. Vejamos o caso do ex-presidente Lula por
exemplo. Lula está solto, assim como muitos outros políticos notadamente
culpados, por vícios de formalidades legais. Juízes como Sérgio Moro não tinham
a paciência devida para instruir o processo penal com oitiva reiterada de testemunhas
de defesa. É muito chato, é moroso. Mas talvez não seja isso que a lei diga.
No
caso do grampo envolvendo a então presidenta Dilma, carecia ali de uma autorização
do Supremo para divulgação. Mas é muito chato, é moroso. Então Moro foi lá e
deu a sua canetada polêmica. Tudo isso revela um perfil que tem pouca
disposição com a lei que considera injusta. Uma certa intransigência reforçada
pelos méritos alcançados em sua carreira ilibada de juiz penal. Fato que nunca incomodou
entusiastas da lava-jato, aliás. Bolsonaro então disse: “Moro terá carta branca”.
Na história política, todas as vezes que essa frase foi dita,
terminou mal. A carta branca dada por Bolsonaro permitiu que Moro loteasse um
super ministério inteiro com seus confrades de Curitiba. Mas não era
suficiente, pois, conforme posto, Moro não era um subordinado e sim um agente
sui generis em nome da lei atuando em paralelo, um verdadeiro super ministro
sem cumplicidade que o outro superministro, Paulo Guedes, já de pronto
aquiesceu. Moro queria ter alguém de confiança na direção da Polícia Federal.
Bolsonaro, contrariado, aceitou, pois ele próprio ainda estava deslumbrado com
a nova aquisição política estelar.
Passado o tempo, veio a ruína da relação interpessoal. Aquilo
que gente de modos simples como Bolsonaro valoriza muito. Bolsonaro nunca esqueceu
quando Moro o deixou no vácuo no encontro no aeroporto, quando ainda era
candidato. A amizade, mesmo depois de dar ao ex-juiz a carta branca para o super
ministério, não veio. Moro continuava arredio, distante da turma. Diante da
pandemia, Moro entrou para o grupo daqueles que desaprovavam o jeito como
Bolsonaro resolveu tocar a crise e jamais emitiu qualquer nota oficial de apoio
ao presidente da forma como ele esperava.
A questão da substituição de Valeixo, portanto, parece a este singelo articulista o desfecho de uma relação desgastada, frustrada de ambas as partes pois Bolsonaro também não gostou do projeto anti-crime enviado por Moro, considerado por muitos especialistas como autoritário e perigoso ao flexibilizar a análise jurídica em mortes envolvendo policiais. Bolsonaro também não gostou do resultado de unificar o ministério da justiça com a segurança pública. Então o que vimos na fatídica demissão do ministro foi um gesto de hostilidade promovido por questões humanas.
A questão da substituição de Valeixo, portanto, parece a este singelo articulista o desfecho de uma relação desgastada, frustrada de ambas as partes pois Bolsonaro também não gostou do projeto anti-crime enviado por Moro, considerado por muitos especialistas como autoritário e perigoso ao flexibilizar a análise jurídica em mortes envolvendo policiais. Bolsonaro também não gostou do resultado de unificar o ministério da justiça com a segurança pública. Então o que vimos na fatídica demissão do ministro foi um gesto de hostilidade promovido por questões humanas.
Por um choque de perfis
incompatíveis, de um Moro que sempre teve perfil para ser um técnico mas não
necessariamente satisfeito com o jogo de cintura da vida da gestão. Um Moro
desgostoso com a postura do presidente no combate ao vírus. Um Moro de saco
cheio, cheio de vaidade também, afinal somos todos seres humanos com nossos
condicionamentos inevitáveis.
A mídia, sedenta pela deposição de Bolsonaro, caçou nas
palavras do ainda ministro todos os indícios de crime, pois de fato era disso
que se tratava. A forma adotada, as palavras ditas, a frieza de alguém que não
parecia aquela mesma pessoa que aceitou ser padrinho de casamento da deputada
Zambelli, ou a mesma pessoa cuja esposa disse que ele (Moro) e Bolsonaro eram um só.
Algo bastante grave deve ser acontecido. Um crime terrível, de certo.
O vídeo veio e não veio o tal crime. A imprensa agora caça
na reunião outros motivos para a sua divulgação descabida. Palavrões, suposto
incentivo de revolução armada por alguém que se elegeu disposto a incentivar o
fim do estatuto do desarmamento, falas de outros ministros. Mas o fulcro
principal motivador dos melindres de Moro? Uma indicação já sabida conferida
pela própria lei. Que suplantaria a tal carta branca, afinal, carta branca é a
não interferência de incumbências do cargo e não a concessão de atribuições do
presidente.
Indicar o diretor da política federal poderia ser um acordo entre os dois, mas não uma carta branca já que seria uma exceção. A carta branca seria quebrada caso Bolsonaro interferisse em questões do ministério, por exemplo.
Indicar o diretor da política federal poderia ser um acordo entre os dois, mas não uma carta branca já que seria uma exceção. A carta branca seria quebrada caso Bolsonaro interferisse em questões do ministério, por exemplo.
A novela entre Moro e Bolsonaro mostrou-se do tipo mexicana. Repleta de questões humanas, psicológicas, enquanto a mídia
quer fatos. Por hora, não há esses fatos. Se indicarem apenas uma única
diligência na PF contaminada por vício de origem presidencial, aí sim a
previsão sugerida por Moro ganharia os contornos que se esperava se ter visto
naquele vídeo.
Para entender a questão entre Moro e Bolsonaro, contudo, talvez
baste uma boa dose de conhecimento de psicologia e não de direito penal.
Victor Dornas. Colunista do Blog do Chiquinho Dornas; Fotografia: Google
Victor Dornas. Colunista do Blog do Chiquinho Dornas; Fotografia: Google