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Escola de Música de Brasília "A Fênix da música"


A Fênix da música

*Por Circe Cunha – Mamfil

Fundada em março de 1974 pelo maestro Levino Alcântara, a Escola de Música de Brasília (EMB) mostrou ao que veio, transformando-se, em poucos anos, na mais espetacular fábrica de talentos artísticos da capital e orgulho dos brasilienses que lotavam suas dependências. O maestro enfrentou uma longa batalha contra a burocracia kafkiana local em pleno regime militar, época em que os incentivos públicos estavam, predominantemente e, segundo a ideologia de então, mais direcionados a diversas modalidades de ensino técnico.

Consolidada como centro das artes musicais, a EMB ganhou fama, não apenas em Brasília e no Centro-Oeste, onde era reverenciada, mas em todo o Brasil, sendo reconhecida também na América Latina e em outros países fora do continente como centro de excelência na formação de músicos. Durante o tempo em que o maestro Levino esteve à frente da entidade, boa parte dos acontecimentos, senão a mais interessante porção das apresentações musicais da capital, ocorreu em torno da escola, quer na apresentação de seus próprios grupos, quer pela grande rotatividade de espetáculos no bem equipado auditório, sempre lotado, com atrações locais, nacionais e internacionais oferecidas gratuitamente ao público.

O gosto pela escola era tanto que não seria demais considerar que a EMB formava uma grande comunidade familiar, reunindo pessoas diversas, mas com o mesmo amor pela música. O carisma do maestro também fazia a diferença. Não foram poucos os músicos que chegaram, graças à generosidade de seu diretor, a morar na própria escola. Outros tantos encontraram seus pares, constituíram família e seguiram formando gerações de alunos que passavam a maior parte do dia dentro da escola. O mesmo agito e a mesma empolgação verificavam-se nos famosos e concorridos Cursos Internacionais de Verão, promovidos a cada ano pela direção da EMB, com a fluência de músicos e professores de todas as partes do mundo.

Nesses períodos, a escola transformava-se em território internacional abrigando talentos vindos dos quatro cantos do mundo. Graças a esse ambiente descontraído, profissional, amador da música e acolhedor, onde melodias eram ouvidas em cada cantinho, espalhando-se pelos jardins em volta, muitos reconhecem hoje que a EMB parecia viver como numa festa sem fim, alheia às muitas agruras políticas e econômicas daquela ocasião.

Foi numa escola, com esse perfil humanizador, que incontáveis músicos de grande talento e que hoje brilham nos palcos do Brasil e do exterior surgiram e se aperfeiçoaram sob os cuidados e o carinho de uma equipe devotada de professores: Emílio de César, Guerra Vicente, Reinaldo Coelho, Hugo Lanterjung, Ludmila Vinecka, Joel Bello Soares, Cecília Guida, Nicolas Claude Marcel Merat, Paul Schöer, Juan Sarudianski, Shigeru Tachiki, Christopher Bockmann e Eduardo Bértola entre tantos outros.

O maestro Levino era conhecido não apenas por seu talento em buscar o que melhor existia em recursos humanos e materiais para escola, como agia também como verdadeiro mecenas e produtor, promovendo, diretamente, aqueles alunos nos quais pressentia alguma chama precoce de talento. De fato, não há como falar em EMB dissociada da imagem do maestro Levino. Ambos formavam uma só pessoa, uma só entidade. Não é de se enstranhar, portanto, que, com o afastamento do maestro da direção da EMB, o que parecia uma grande e prazerosa festa de confraternização  dos amantes da música, começou lentamente a chegar ao fim.

Quis, o que chamamos de destino, que o afastamento do maestro viesse a coincidir com a lenta e gradual decadência que tomou conta da maioria das escolas públicas, principalmente daquelas voltadas ao ensino das artes, consideradas, pelos burocratas da educação, como supérfluas ou coisa do gênero, sem considerar o que bem disse o gênio Leonardo Da Vinci: “A arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível”.

Ao antigo e profícuo brilho do passado, cedeu lugar a um estabelecimento de ensino de música nos moldes e na esteira do que ocorre hoje com a imensa parte das escolas públicas da capital e do passado. A falta de interesse de seguidos governos, principalmente daqueles que vieram após a malfadada e traiçoeira “maioridade política da capital”, ajudaram a reduzir ainda mais o brilho e a importância daquela que foi a mais interessante obra erguida no planalto central para o desenvolvimento e a promoção da arte musical.

No entanto, para aqueles que ainda acreditam no poder de transformação e aprimoramento do espírito humano pelas artes, um renascimento, ao estilo Fênix pode muito bem acontecer, provocando, quem sabe, um novo e revigorante ciclo para a EMB. Para tanto, seria necessário, além de um apoio efetivo do governo, o que ainda é um sonho distante, uma adesão entusiasmada por parte da comunidade.

Para essa missão, é primordial uma reorientação nos rumos dessa entidade, preparando-a, quem sabe, para os novos tempos pós-pandemia. De início, seria necessário uma reformulação profunda no currículo dessa escola, desvinculando-a da tradicional orientação burocrática e pedagógica da Secretaria de Educação, afastando-a da didática modorrenta e enfadonha imposta por burocratas do ensino que nivelam, pela menor média, todos estabelecimentos de educação do Distrito Federal, principalmente aqueles devotados ao ensino de artes.

É sabido que a diminuição e mesmo a erradicação dos currículos escolares das disciplinas de arte ocorrem, apesar do que prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A falta de arte no ensino produziu, como resultado nefasto e esperado, o aumento assustador da violência nas escolas e, principalmente, contra os professores. O poder humanizador das artes, ao ser desprezado como fator fundamental de educação, criou o que temos hoje na maioria dos nossos estabelecimentos de ensino: a transformação de escolas em centros correcionais ao molde de entidades como a Febem e correlatas. A perda do prazer em ensinar e aprender é fruto da abolição das artes dentro das escolas.

Para esses “novíssimos” dirigentes da educação, as grades curriculares de artes representam mais do que um estorvo, um verdadeiro e perigoso ninho de onde advirão pessoas cônscias de sua própria dignidade e, ao que parece, isso não pode acontecer. Nessa nova escola de música, sonhada para os tempos atuais, além de uma infinidade de modelos de reconhecida efetividade, uma gama imensa de atividades será necessária para fazer, mais uma vez, dessa escola de artes musicais um modelo a ser seguido por todos.

As opções e os caminhos existem, não para uma retomada do passado áureo da EMB, pois isso é impossível, mas para dar continuidade a um projeto simples na sua formulação, que é a introdução do ensino da música para todos que querem se aproximar dessa arte e fazer dela não apenas um meio de vida, mas de aproximação de apaziguamento do espírito humano, esse, sim, fundamental em todo o tempo e lugar.

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A frase que foi pronunciada: “Brasília espirra música para todo o mundo. A Escola de Música de Brasília tem grande responsabilidade nisso.” (Paulo Tavares, músico, amigo de Levino)
Inaugurada em 1974, Escola de Música de Brasília (EMB) começou ensinado o clássico e, depois, incluiu o popular Foto: Arquivo/BEM
(*) Circe Cunha – Mamfil – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha - Foto: Hmenon Oliveira - Arquivo – Correio Braziliense


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