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Lições de uma quarentena


Lições de uma quarentena

*Por Ana Dubeux

A quarentena poderia ter um dicionário próprio. Um compêndio particular que, de fato, definisse novos significados para muitas coisas e hábitos antes corriqueiros e hoje carregados de novo simbolismo. Pergunto a você, por exemplo, o que são janelas ou varandas, e você há de me responder: “Lugar onde esperamos a fresta de sol e uma lufada boa de vento fresco, onde reparamos os sinais de vida lá fora e música tocando lá embaixo, espaço de um grande e coletivo ‘parabéns pra você!’, cantinho onde se toma ‘ar livre’”. E por aí vai.

Das janelas, olhamos o mundo com menos intimidade, como se já não o conhecêssemos mais. Jogamos perguntas ao vento, como se alguém fosse capaz de responder. “Muito prazer, senhor universo com vírus, o que me trazes aqui? O que devo fazer agora?” Caso seja um sujeito vencendo bravamente o mar revolto das expectativas, você deve estar se perguntando muitas coisas atualmente. Quando e se tudo isso vai passar, por exemplo. Mas não só isso. A pandemia, de certa forma, nos eleva ao mais importante palco da vida, ao lugar onde paramos para nos questionar: o que estou fazendo aqui, como estou fazendo tudo o que tenho de fazer, quem são meus amigos, o que, de fato, é importante.

Os significados e os sentidos mudam num ambiente de tanta indefinição. Precisamos de novos símbolos de afeto e de novas certezas. Mas, precisamos, também, de resgate: memórias, ensinamentos de nossos antepassados, valores herdados, fotos antigas, lembranças boas. A tecnologia banalizou os contatos, e a gente passa a falar com os artistas das lives do mesmo jeito com que falamos com os amigos. Faça isso não. Ouça a voz de quem lhe é importante com mais frequência. Diferencie coisas e pessoas. Relativize os problemas, respeitando os seus, mas sabendo que há tantos outros em grandes dificuldades. Aprofunde as discussões mais filosóficas. Tente ajudar o próximo.

Estava comentando com uma amiga que só se fala hoje de política e doença. O momento de rir sem controle até chegar às lágrimas, de falar besteira, de trocar ideias sobre o nada e comentar filmes e livros está escasso. Sempre busquei a leveza e o bom humor. Tenho dificuldade de suportar a chatice alheia, assim como a falsidade. Escrevi várias vezes nesse espaço: só o humor salva. Continuo acreditando na potência curativa de uma boa gargalhada.

Nesta pandemia, redescobri o quanto riso farto e as conversas despretensiosas com amigos podem fazer falta. Também reavaliei condutas — as minhas e as dos outros, também, porque é preciso saber diferenciar gente de verdade dos arremedos de ser humano que existem por aí. Pessoas que não se comportam como pessoas já não estão no meu caderninho. Se pouco importa a elas, para mim é libertador demais.

Entendi a falta que faz um abraço em família e o mal que faz conviver com a raiva. E aprendi que minha janela não é espelho — para olhar o próximo e a vida com mais atenção e não para enxergar meu próprio reflexo. E você, o que tem aprendido e desaprendido nesta quarentena?

(*)Ana Dubeux – Editora-Chefe do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog- Google



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