O presidente estadunidense diz ao mundo que se tivesse
adotado a estratégia do governo brasileiro, os Estados Unidos hoje teriam mais
de 2 milhões de vitimados pela covid. As razões que motivaram a fala se justificam
nos dois maiores imbróglios da atualidade: As eleições da maior economia do
mundo e a competição geopolítica. Isso não significa, entretanto, que a fala de
Trump não tenha alguma verdade, afinal o que se vê por aqui é a zona de sempre. Além disso, o congresso dos EUA diz que não quer negociar com
o “Brasil de Bolsonaro”. Para entendermos melhor a questão, explico aqui, em
linhas gerais, o motivo de tudo isso.
Por Victor Dornas
Esta coluna não se cansa de reiterar o óbvio, até para aqueles
não iniciados. Na geopolítica, não há humanidade. Há interesse e política, da
mais sorrateira. A China ascendeu ao topo buscando meios de aquecer sua própria
economia. Mantém, por exemplo, o monopólio de extração de terras raras, uma
infinidade de patentes num sistema de aferição bem mais célere que o nosso e,
claro, mão de obra escravizada. A subserviência na geopolítica não garante bons
acordos, por mais que a ideia de estamos alinhados com os Estados Unidos seja
atraente.
Explico: Eles competem conosco. E, para se manter aquecida, a maior
fornalha do planeta não abre espaço para cumplicidade ideológica. Bolsonaro logo
no início do mandato quis fundir o ministério da agricultura com o do meio
ambiente, pois isso frustraria a burocracia contumaz. A realidade impetuosa da
disputa de produtos no mercado internacional tem como regra, não oficial, que
países do Sul devem suportar um ritmo mais lento de desenvolvimento para que a
flora e a fauna sejam preservadas. A máxima que todos conhecem: “O Norte produz
e o Sul preserva”. Todo o movimento midiático internacional de crítica sobre
queimadas na Amazônia tem como pano de fundo essa embaraçosa realidade. Europa,
Estados Unidos e China já desmataram tudo que era possível. Isso não significa,
entretanto, que a Floresta Amazônica, o maior bioma tropical do mundo, deva ser
destruída. Claro que estamos numa posição sensível.
A saída para o problema seria um governo que tivesse a capacidade
notável de comunicação e negociação diplomática para dizer ao mundo que sabemos
dosar as coisas, isto é, temos a questão do agro equilibrada com a manutenção
da floresta através de técnicas sustentáveis. Bolsonaro, entretanto, optou pelo
combate, achando que não teria as represálias devidas. A lambança do Supremo,
que divulgou vídeo secreto onde o Ministro do Meio Ambiente afirma que o
contexto da covid é ideal para “passar a boiada” no congresso, ou seja, aprovar
leis que facilitem o desmatamento, soou como uma bomba diplomática e uma arma nas mãos de nossos competidores que adoram politizar as questões.
Tudo que os Estados Unidos, ou qualquer país que compita conosco
precisa para aplicar em nossos produtos multas que inibam nossos negócios é de
uma desculpa ambiental. Bolsonaro parece ter dificuldade em enxergar o óbvio,
isto é, de que o Brasil depende dessas vendas. A Ministra da Agricultura Tereza
Cristina, a despeito da pandemia, tem divulgado boas notícias, tanto na esfera
diplomática quanto nas exportações, com crescimento de 0.6% no primeiro trimestre.
Isso incomoda os competidores, pois eles sabem que nós obedecemos às regras.
As bravatas agressivas do presidente e do próprio Ricardo
Salles não condizem com a realidade pois nós ainda somos um dos países que mais
preserva suas reservas no mundo. Cada palavra proferida por essas duas figuras é
tirada de contexto e custa muito caro. Bolsonaro quando decide beber leite em
sua Live para homenagear os bons números do setor no dia mundial do leite, um
gesto inofensivo, a nossa mídia divulga que seria um ato nazista, com um
malabarismo irresponsável de retórica suja. Imagine se ele diz algo de fato um
tanto polêmico, como isso é passado para nossos competidores que muitas vezes
financiam esses veículos de comunicação inclusive.
Falta ao governo não apenas
o traquejo diplomático, mas também uma assessoria que explore melhor as
capacidades e o repertório de Jair Bolsonaro, uma vez que estamos pagando pela
lábia de políticos e não por aquilo que fazemos de fato. Uma coisa que brasileiro tem dificuldade de entender é que o
liberalismo nada tem a ver com a privatização de estatais ou benefícios a
grupelhos de interesse que atuam em oligopólio para manipular o mercado
interno.
Liberalismo tem muitas características e a principal delas é uma mão
muito pesada do Legislativo. No berço do liberalismo, ou seja, nos Estados
Unidos, quem manda mesmo é o congresso, atualmente dominado por republicanos,
rivais de Trump. E o congresso estadunidense, assaz desgostoso com tudo que Bolsonaro
representa politicamente e, como nossos competidores que buscam frear nossos
avanços em produtos como a soja por exemplo, resolvem dizer que não querem ter relações
aprofundadas com esse Brasil de “Jair Bolsonaro”, alegando que nós agimos de
forma pouco competitiva.
O fato é que poucos países na história humana atuam de
forma tão cafajeste em termos de competição internacional como os Estados Unidos,
que tem por hábito, por exemplo, sobretaxar o nosso aço há décadas. Não são nossos
amigos, nem perto disso, sendo que a subserviência de Bolsonaro ao deixar o
filho usar um boné do país em ato oficial para fazer cotejo ideológico é de uma
inocência e incipiência ímpar. Os Bolsonaros, endossados pelas aulas desastradas
do astrólogo Olavo de Carvalho, não tinham a menor ideia de onde estavam
pisando.
Além de tudo isso, como aventei aqui em artigo pretérito, Trump
teve sua imagem colada à Bolsonaro e isso será usado em ano de eleição. Ninguém
em sã consciência admite que a gestão de Bolsonaro durante a pandemia, mormente
nas questões de comunicação, tem sido um verdadeiro desastre. Enquanto Trump
chamava a covid de maior tragédia desde as guerras mundiais, reconhecendo de pronto
seu erro de avaliação inicial, Bolsonaro até hoje insiste em pormenorizar a
gravidade da doença que ainda é pouco entendida pela comunidade científica.
Trump não quer que um possível fracasso de Bolsonaro, que está bastante queimado
na União Europeia, afete suas chances de reeleição, uma vez que Joe Biden
atualmente é favorito.
O leitor que gosta do presidente entende que Bolsonaro não
tem essa aptidão maquiavélica, que faz as coisas de um modo desajeitado, contudo
não é o vilão da história. Ocorre, caríssimo, que a política não é jogo pra criança e por
mais bem intencionado que o governante seja, não há como arrumar desculpa para as
intercorrências danosas ao país que resultam de sua gestão.
Não há boa intenção
na geopolítica.
O presidente, mal assessorado, precifica mal suas falas e
coloca nossa economia em risco. Trump ontem deferiu um golpe em Bolsonaro que, ainda na inocência
de quem vive num universo de fantasias de faz de conta, responde com adulação: “Trump é meu amigo, meu irmão”.