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A vida é combate


A vida é combate

*Por Ana Dubeux

Renasci há exatos 57 anos no hospital Barão de Lucena, na quilométrica Caxangá, a maior avenida em linha reta do mundo. Mamãe dizia que, se consegui sobreviver à infecção generalizada que peguei horas depois de nascer, eu resistiria a tudo. Onze outras crianças pegaram a mesma doença, e a maioria morreu ou teve sequelas graves.

Cresci ouvindo: “Essa aí é pau que verga, mas não quebra”. De alguma valia, aquilo serviu. As enfermeiras lavavam os bebês em uma bacia grande na mesma água turva e cheia de iodo. Meu batismo real foi ali. Em tempos de pandemia, com 85 mil mortos, o novo normal é falar de morte e de doenças. E é preciso falar. Sempre e todos os dias. Hoje, no entanto, eu quero falar de renascimento, de segunda chance, de reabilitação.

Existem muitas formas de renascer. Assistimos a muitas e muitas histórias de pessoas que viram a morte de perto, mas a voz do anjo sussurrou ao seu ouvido: “Reviva!” De certa forma, o renascer é diário. Morri e nasci tantas vezes desde aquela manhã recifense de 26 de julho de 1963 para cá... Tombei na infância das escolas paupérrimas e renasci quando descobri que esforço, disciplina, humildade e educação sustentam aquilo que chamamos de sonho. Naquela época, eu chamava de futuro — mas nem sabia exatamente o que significava.

Vem da minha herança familiar e do meu histórico de vida a certeza de que é preciso abrir os olhos e ver além do que aparece de imediato. Não basta um palmo à frente do nariz. Não basta um passo à frente do outro. Não basta uma história com começo e fim. É preciso abarcar o caminho todo que existe entre o nascer e o morrer. Transcender às rupturas, aos amores desfeitos, às mortes das pessoas queridas e também às tolas esperanças, às bobas aventuras e aos fluidos prazeres é um desafio diário e constante. É preciso superar, passar, seguir... Mas do que isso: é preciso guardar e aprender com cada segundo de vida vivida.

Processos assim não se sucedem sem marcas, feridas, angústias, saudades. Tropecei tantas e tantas vezes... Posso dizer que, não fossem os abismos que venci — uns com um pulo, outros com uma difícil escalada —, não teria tantas alegrias como as que tive. E ainda tenho. Nesse período de pandemia, me apego às preces, não só a Deus ou àqueles todos a quem me devoto cotidianamente. Também me firmo no milagre da vida e no meu renascimento diário.

Lembro-me agora de Belchior, renascido na voz de Emicida: “Ano passado, eu morri, mas este ano eu não morro” — uma canção de 1976 e tão atual. Se você anda por aí como morto-vivo, eu posso até te entender. Mas por uma questão de obedecer à voz do anjo e honrar o prognóstico de mamãe, digamos assim, escolho a vida sempre. Pior que o medo da morte é o medo da vida. Vamos passar por isso. Faça sua parte. Fique vivo para combater o bom combate. (Vídeo)

(*) Ana Dubeux – Editora-Chefe do Correio Braziliense - Fotos/Vídeo/Ilustração: Blog-Google


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