Cristina Gianni: "É um ser de outra espécie, mas com os mesmos
sentimentos"
*Por Mariana Machado
Vida nova para as
onças. Lar para os grandes felinos que não têm condições de voltar aos habitats
naturais, o Nex é uma ONG que acolhe, conserva, e preserva esses animais.
Durante a pandemia, está mais difícil conseguir carne para alimentar os
predadores
No meio da mata fechada, o Cerrado abafa o esturro da onça. Embrenhado na serra, a cerca de 80km de Brasília, no município de Corumbá (GO), está um recanto destinado a grandes felinos que não têm condições de voltar a viver soltos na mata. A organização não governamental (ONG) Nex — No Extinction acolhe e protege animais que escaparam de caçadores e contrabandistas. O projeto, que teve início em 2001, mantém, atualmente, um plantel de 22 animais, sendo 14 onças-pintadas, 7 suçuaranas, e uma jaguatirica.
Lá também é feito o trabalho de
readaptação, para que, os que tenham condições, como os filhotes, possam ser
reinseridos no habitat. O processo, no entanto, é caro. Até o momento, quatro
onças puderam ser devolvidas à natureza. A fundadora do Nex, Cristina Gianni,
72 anos, explica que um dos itens necessários é a construção de um recinto no
bioma natural do animal. Pelo menos um espaço de um hectare seja construído no
local. Ali, o animal irá, aos poucos, se adaptar, até que esteja pronto para
soltura. “Devolvê-los a natureza não é tão simples. Se for feito de qualquer
jeito, eles morrem.”
Os felinos que chegam ao Nex são
encaminhados pelos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama. O
caso mais recente é o de Merlí, uma onça-pintada macho que, em 2016, havia sido
baleada na cabeça por pescadores no Maranhão. O animal passou por diversas
cirurgias e sobreviveu, mas acabou ficando cego. “É muito triste, porque ele
era livre. Depois do atendimento em hospital veterinário, passou três anos e
meio no Cetas, porque não tinha outro local adequado. Chegou aqui em janeiro de
2020, e construímos um espaço só para ele”, explica Cristina, que espera
encontrar uma fêmea para lhe fazer companhia. “Primeiro, a gente precisa
entender melhor o comportamento dele, para colocar uma parceira compatível com
o temperamento.”
Rogério Silva ao lado da onça-pintada Xamã: "É um dos que mais sou
apegado"
Classificado como criadouro científico para fins de conservação, o Nex
faz parte da rede que atua para preservação de espécies ameaçadas de extinção.
Graças a isso, em 2019, o Zoológico de Brasília encaminhou a fêmea de
onça-pintada Gabriela para conhecer o macho Ogun. Aos poucos, a equipe da ONG
apresentou os gatos e, cerca de um ano depois, nascia Oxossi, o caçula do
plantel. Mãe e filho compartilham o mesmo recinto, para que o filhote aprenda,
de forma natural, a ser independente.
Amor natural: Cristina brinca que o Nex foi fundado por uma onça. Em 2001, um sobrinho que é biólogo e trabalhava no Zoológico de Brasília, mostrou a ela uma pintada chamada Pacato, que estava no setor extra, um espaço onde chegam animais feridos. Comovida, ela disse que tinha uma fazenda, e perguntou se não poderia recebê-la. “Deram as coordenadas de como fazer, tirar a documentação necessária e já começamos a construir um recinto de 400m² para o macho”, lembra. “Pacato viveu 19 anos. Já o conheci adulto, e estava em condições desfavoráveis, embora não estivesse ferido. Ele era muito humanizado, porque teve vários problemas de saúde e precisou ser cuidado, então estava mimado.”
Amor natural: Cristina brinca que o Nex foi fundado por uma onça. Em 2001, um sobrinho que é biólogo e trabalhava no Zoológico de Brasília, mostrou a ela uma pintada chamada Pacato, que estava no setor extra, um espaço onde chegam animais feridos. Comovida, ela disse que tinha uma fazenda, e perguntou se não poderia recebê-la. “Deram as coordenadas de como fazer, tirar a documentação necessária e já começamos a construir um recinto de 400m² para o macho”, lembra. “Pacato viveu 19 anos. Já o conheci adulto, e estava em condições desfavoráveis, embora não estivesse ferido. Ele era muito humanizado, porque teve vários problemas de saúde e precisou ser cuidado, então estava mimado.”
Sansão é um dos animais mais velhos no santuário Nex. Apesar da idade, a
onça macho mantêm o instinto de caça
Ela explica que, uma vez que as onças estão muito acostumadas aos
humanos, não conseguem mais viver na natureza selvagem. De lá para cá, ela foi
se especializando e a ONG surgiu com a devida autorização dos órgãos
ambientais. O trabalho é fundamental para proteger as espécies do contrabando.
“É uma preocupação mundial. As onças são abatidas tanto para o tráfico local
quanto internacional. Existe um comércio ilegal de órgãos e dentes para fazer
uma suposta poção milagrosa que funcionaria como estimulante sexual para
homens”, ressalta.
Hoje, ela conta com dois
responsáveis técnicos na fazenda. O restante é ajuda voluntária. Biólogos,
veterinários e até mesmo frigoríficos que compartilham da mesma causa fazem com
que a fazenda onde o Nex funciona, seja mantida. Ela estima que o custo mensal
de manutenção esteja na casa de R$ 15 mil. Por dia, os felinos consomem cerca
de 40kg de carne. Durante a pandemia do novo coronavírus, está mais difícil
manter o espaço. “Nosso fornecimento de carne ficou muito prejudicado”,
lamenta. “Além disso, nós fazíamos visitas guiadas, em grupos de cerca de 20
pessoas e cobrávamos ingresso, o que ajudava nos custos. Agora, não podemos
mais fazer.” Gabriela deu a luz ao filhote
Oxóssi, no criadouro, em março
Aprendizado: Conviver com os grandes gatos tem
sido um grande aprendizado para a ativista. “É um ser de outra espécie, mas com
os mesmos sentimentos. A maternidade e o desejo de liberdade são iguais”,
reforça. “Para eles, não existem problemas, mas, sim, desafios.” O sentimento
contagia a equipe. Rogério Silva, 39, é tratador das onças há duas décadas e
garante que o amor motiva o trabalho.
Algumas das tarefas dele incluem a
alimentação e limpeza dos recintos, além do enriquecimento ambiental. “Por mais
que o animal esteja em um ambiente o mais próximo da natureza possível, ele
entra em uma rotina, e isso pode ser muito estressante. O enriquecimento é a
quebra, ou seja, encontrar formas de fazer com que ele trabalhe os instintos
dele, como a caça.”
O espaço abriga sete suçuaranas. Espécie também é conhecida como onça
parda e puma
Atualmente, a onça-pintada Xamã é
o maior do Nex, pesando 100kg. Mas um dos filhotes, Guarani, é promessa de
quebrar o recorde. “É um dos que mais sou apegado. Quando é pequeno, dá mais
trabalho e pede carinho, então você se aproxima mais.” Com todo o afeto,
enfrentar a perda quando um dos bichos morre é um desafio. Livres, os felinos
podem viver até 15 anos. Em cativeiro, alguns chegam aos 25. “Dizem que gatos
têm sete vidas, e têm mesmo. São animais que dificilmente adoecem. Se ele se
alimentou bem e está em um local confortável, vai longe. Mas, o tempo chega
para todo mundo”, ressalta Rogério.
Como ajudar: Quem tiver interesse em contribuir com o trabalho do Nex, pode enviar um e-mail para cristina@nex.org.br informando como quer auxiliar.
O que diz a lei: O tráfico de animais silvestres configura crime ambiental. A pena, para quem o comete, varia de seis meses a um ano. O tempo é aumentado à metade, se a espécie for ameaçada de extinção ou se ocorrer à noite.
Como ajudar: Quem tiver interesse em contribuir com o trabalho do Nex, pode enviar um e-mail para cristina@nex.org.br informando como quer auxiliar.
O que diz a lei: O tráfico de animais silvestres configura crime ambiental. A pena, para quem o comete, varia de seis meses a um ano. O tempo é aumentado à metade, se a espécie for ameaçada de extinção ou se ocorrer à noite.
(*) Mariana
Machado - Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Cristina Gianni - Rogério
Silva - Correio Braziliense
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ÁGUA E MEIO AMBIENTE