População mais armada. Em um
mês, o registro de armas de fogo por civis cresceu mais de 100% no DF. De maio
a junho, 109 brasilienses adquiriram a autorização. Durante o primeiro semestre
do ano, a capital federal expediu 4.452 registros. Com facilitação do acesso a armas, mais pessoas
tendem a procurar esses equipamentos
*Por Samara Schwingel
O número de brasilienses com posse
de arma de fogo aumentou entre maio e junho. Durante o primeiro semestre, o
total de registros expedidos pela Polícia Federal chegou a 4.452 só no Distrito
Federal. Apenas em junho, 217 autorizações foram liberadas para cidadãos da
capital. O número é 100,92% maior em comparação com as 108 autorizações
despachadas em maio. Os dados, fornecidos pela Polícia Federal, chamam a
atenção de especialistas que se posicionam tanto contra quanto a favor do
armamento de civis.
O número de junho foi, também, o
maior do primeiro semestre de 2020. Cerca de 25% das 861 armas liberadas para
civis no período foram registradas durante o sexto mês do ano. Segundo Hélio
das Chagas Leitão, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), os números são perigosos. “Uma arma na mão de um
cidadão é um fator que pode gerar mais violência”, justifica.
Segundo ele, os civis não são
aptos nem treinados para administrarem os equipamentos e isso pode transformar
pequenas discussões e desentendimentos em tragédias. “O cidadão que vai para a
rua armado não tem qualificação técnica para lidar com armas. Caso tenha acesso
a esse recurso, fica tentado a reagir em situações que poderiam ser resolvidas
de outra forma”, explica.
O presidente da comissão ainda
considera que o aumento de liberação é uma consequência da política adotada
pelo presidente Jair Bolsonaro para facilitar o acesso às armas no Brasil. Em
25 de junho de 2019, o chefe do Executivo publicou, em edição extra do Diário
Oficial da União (DOU), quatro novos decretos que alteraram questões
relacionadas à aquisição e ao cadastro de armamentos no Brasil.
De acordo com a legislação
vigente, as armas liberadas para civis são as semiautomáticas ou de repetição,
de calibre nominal e que não atinjam, na saída do cano, energia cinética
superior a 1.620 joules. Dessa forma, a partir do Decreto n° 9.847/2019,
cidadãos podem adquirir equipamentos que, antes, eram de uso restrito da
polícia, como as pistolas 9mm e .40.
Não é o caminho: Para Hélio das Chagas Leitão, flexibilizar essa
questão não é a resposta. “Ele (Bolsonaro) alega que, quanto mais armada for a
população, menor será a criminalidade. Porém, quem estuda seriamente o assunto
percebe que esse não é o caminho”, diz. Hélio declara que manter a segurança
pública em ordem é um papel governamental e não de cada pessoa individualmente.
“O Estado não pode se demitir
desta função e esperar que seja cada um por si. Isso não funciona. A violência
é fenômeno complexo, multicausal e não será resolvido, mas antes agravado, com
a instalação de um clima de faroeste tropical no país”, explica. Ele ainda cita
estudos que contrariam a ideia de que a pessoa armada fica mais protegida. “O
cidadão que sai às ruas armado tem de 60% a 70% mais chance de ser morto em
situação de conflito”, afirma.
Mais segurança: Luiz Paulo Batista, advogado criminalista,
acredita que a flexibilização do decreto de armas, na verdade, é um complemento
para a segurança pública. “Defendo o armamento para pessoas específicas e
qualificadas, ou seja, aquelas que se encaixam nos parâmetros da atual
legislação”, defende. Para ele, não há relação entre o aumento das armas em
circulação e a criminalidade.
“Caso um criminoso queira atentar
contra a vida de uma pessoa, ele pode fazer isso com outros equipamentos, como
armas brancas. A criminalidade e a violência estão em níveis altos por todo o
país, independentemente da liberação de armas para civis. A arma de fogo não
pode aumentar a violência no Brasil”, argumenta.
O advogado considera que, caso as
pessoas tenham esse tipo de equipamento em casa, elas ganham a possibilidade de
defesa. “Em situações bem específicas. Claro que é preciso ter cuidado na hora
de guardar e de manusear perto de terceiros”, explica. Luiz segue e defende a
máxima de nunca colocar a própria vida ou a de outros em risco.
Decreto vigente - O que diz a lei? O Decreto nº 9.847, de 25 de junho de 2019, é a legislação atual sobre o porte de armas no Brasil. Segundo a publicação, para que um novo registro de arma de fogo seja liberado, é necessário que o usuário tenha cadastro no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) ou no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma). Além disso, é preciso que o civil forneça informações pessoais e sobre o tipo da arma que quer adquirir. Segundo o decreto, o possível usuário precisa ter mais de 25 anos, comprovar a idoneidade moral e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal por meio de certidões de antecedentes criminais das Justiças federal, estadual, militar e eleitoral; apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência fixa; comprovar, periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio da arma de fogo; e demonstrar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo credenciado pela Polícia Federal.
Entenda: Alterações jurídicas - Além das mudanças do decreto do ano passado, a PF, na última sexta-feira (21), formalizou a Instrução Normativa nº 174, que autoriza o cidadão a comprar até quatro armas. Antes, segundo norma de 2018, o limite era de até duas armas por pessoa. Atualmente, o prazo de validade do registro é de 10 anos e o cidadão que tiver arma de fogo é autorizado a realizar treinamento mensal, “com a possibilidade de utilização do armamento pessoal”. Segundo instrução anterior, os treinamentos eram a cada seis meses. Apesar disso, a autorização se mantém intransferível e a multa para o porte ilegal é de R$ 100 mil. Em caso de mudança de domicílio, o proprietário deve informar imediatamente ao órgão expedidor do porte de arma de fogo. Caso o item seja extraviado, furtado ou roubado, a unidade policial mais próxima e, posteriormente, a Polícia Federal devem ser avisadas. Caso isso não seja seguido, o porte poderá ser suspenso. Além disso, o titular de arma de fogo para defesa pessoal não poderá adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas. Nas redes sociais, Bolsonaro publicou foto com arma em Israel
Decreto vigente - O que diz a lei? O Decreto nº 9.847, de 25 de junho de 2019, é a legislação atual sobre o porte de armas no Brasil. Segundo a publicação, para que um novo registro de arma de fogo seja liberado, é necessário que o usuário tenha cadastro no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) ou no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma). Além disso, é preciso que o civil forneça informações pessoais e sobre o tipo da arma que quer adquirir. Segundo o decreto, o possível usuário precisa ter mais de 25 anos, comprovar a idoneidade moral e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal por meio de certidões de antecedentes criminais das Justiças federal, estadual, militar e eleitoral; apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência fixa; comprovar, periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio da arma de fogo; e demonstrar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo credenciado pela Polícia Federal.
Entenda: Alterações jurídicas - Além das mudanças do decreto do ano passado, a PF, na última sexta-feira (21), formalizou a Instrução Normativa nº 174, que autoriza o cidadão a comprar até quatro armas. Antes, segundo norma de 2018, o limite era de até duas armas por pessoa. Atualmente, o prazo de validade do registro é de 10 anos e o cidadão que tiver arma de fogo é autorizado a realizar treinamento mensal, “com a possibilidade de utilização do armamento pessoal”. Segundo instrução anterior, os treinamentos eram a cada seis meses. Apesar disso, a autorização se mantém intransferível e a multa para o porte ilegal é de R$ 100 mil. Em caso de mudança de domicílio, o proprietário deve informar imediatamente ao órgão expedidor do porte de arma de fogo. Caso o item seja extraviado, furtado ou roubado, a unidade policial mais próxima e, posteriormente, a Polícia Federal devem ser avisadas. Caso isso não seja seguido, o porte poderá ser suspenso. Além disso, o titular de arma de fogo para defesa pessoal não poderá adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas. Nas redes sociais, Bolsonaro publicou foto com arma em Israel
Vai e vem dos decretos: Sob a mão
de Bolsonaro - Desde que Bolsonaro assumiu a
Presidência, começou a modificar a legislação sobre armas no Brasil. Em 15 de
janeiro, o presidente editou o decreto sobre posse. Em 7 de maio, editou um
decreto sobre o porte, favorecendo colecionadores. Porém, Bolsonaro encontrou
certas dificuldades. Em 8 de maio, o partido Rede acionou o Supremo Tribunal
Federal (STF) pedindo anulação do decreto sobre porte de armas. Cinco dias
depois, o Ministério Público também pediu a suspensão do decreto.
Nesse vai e vem, o decreto de 25
de junho de 2019 tem relação com armamento e, a princípio, permanece em vigor
até que o projeto de lei nº 3.713/2019 seja aprovado pelo Senado Federal.
Apesar de aguardar a apreciação da Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ) desde 10 de julho do ano passado, o assunto não esfriou.
Três perguntas para Welliton
Caixeta Maciel, professor
da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB)
Existem indícios de que o
armamento da população torna as cidades mais seguras? Não, isso é um mito muito presente na
sociedade atual. Na verdade, não existe nenhum estudo que mostre relação entre
o aumento de armas em circulação e a queda da criminalidade. Pelo contrário. As
pesquisas evidenciam que, quanto mais fácil o acesso a armas de fogo, maior é a
propensão ao cometimento de novo delitos, principalmente crimes contra
patrimônio, contra a vida, violências domésticas e homicídios — uma vez que a
maioria dessas violações é cometida por armas de fogo.
Qual pode ser o reflexo
do aumento de registro de armas para civis? São muitas as consequências. Podemos citar,
como a principal, o descontrole na segurança pública. O que acontece é que, com
a flexibilização do acesso a armas, o Estado está transferindo a
responsabilidade de manter a sociedade em segurança para o cidadão comum. Isso,
além de gerar descrédito para as instituições públicas, pode aumentar o número
de outros crimes. As pessoas não têm preparação para portar armas de fogo. Em
situação de estresse ou pressão, mesmo os indivíduos que têm licença e passaram
por treinamento podem perder a cabeça e agir na emoção. Assim, podemos ter um
aumento no cometimento de novos delitos, de não comprimento da lei, pois as
pessoas passam a sentir que elas são a própria lei. Isso é o Estado assumindo
que não consegue prover segurança pública.
Acha que esse número
deve aumentar ao longo do ano? Caso a sociedade em geral não mude a atual postura, que está
aliada a esse discurso de que devemos armar a sociedade, a tendência é de que o
número de civis armados aumente, sim. Os valores das armas tendem a cair e,
como está mais fácil consegui-las, as pessoas que podem ter, com certeza, irão
querer. Isso acontece, pois há uma falsa sensação de segurança por trás do
armamento. Caso essa flexibilização do acesso às armas continue ou aumente
ainda mais, com certeza o número de novos registros deve aumentar. Ainda mais
pensando no DF, onde o poder aquisitivo é maior.
(*) Samara Schwingel -
Fotos: Beto Novaes/CB/D.A.Press - Correio Braziliense
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LEGISLATURA