Caminhante eu sou
*Por Ana Dubeux
"A capital do país, com suas
quadras verdejantes, é um dos melhores lugares para se caminhar"
Disse Fernando Pessoa:
"Qualquer caminho leva a toda parte". Quem tem alma de andarilho não
duvida. Quando minha amiga Luzanira Rego, que já se foi, aconselhou-me a
desbravar Brasília andando de ponta a ponta, eu ri. Passados 30 anos, eu
descobri que ela tinha razão. A capital do país, com suas quadras verdejantes,
é um dos melhores lugares para se caminhar.
Foi preciso estar em meio a uma
pandemia para ter coragem de encarar a peleja de conhecer a cidade onde vivo a
pé. Não de carro, de bike ou de ônibus. Quase todos os dias caminho uma hora ou
duas horas pelas veredas da minha Asa favorita, a Norte. Foi aqui que escolhi
viver. O verde, as árvores antigas, os pilotis, os prédios do antes e do agora,
as lojas... Confesso que gosto até das calçadas levemente quebradas, dos
pequenos defeitos urbanos, que enfim são imperfeições aceitáveis diante da
escala de verde monumental do Plano Piloto.
Longas caminhadas para ver a vida
passar têm sido um alento neste período tão difícil. Foi a válvula de escape
que encontrei para respirar num mundo onde não reina apenas um vírus
avassalador, que nos levou mais de 100 mil vidas (embora ele não seja o único
culpado). Passamos os dias envolta com absurdos, que incluem politicagens
baratas, shows pirotécnicos de negacionistas, falsos profetas, incompetência
absoluta no trato com a pandemia, retrocessos na cultura, no meio ambiente, por
toda parte.
Quando sinto o sol na pele e
começo a andar, ainda que de máscara, pelas quadras de Brasília, absorvo o
melhor da energia da cidade. A urbanidade, com todos os seus sons e cheiros,
aguça os sentidos. Gosto de sentir que há movimento, sol e calor inclemente, ou
aquele ventinho frio a soprar a poeira vermelha e as folhas secas. Esse
caminhar meditativo me faz um bem danado.
É como se retomasse o fôlego para
suportar esse período tão difícil, em que muitos estão de luto, outros perderam
seus empregos, tantos fecharam negócios de uma vida, e milhares vivem
sentimentos de saudades, depressão, ansiedade. Fico me perguntando como os
profissionais de saúde e outros serviços essenciais que estão na linha de
frente da maior guerra sanitária mundial de nossa história recente conseguem se
renovar diariamente para enfrentar as batalhas diárias.
Arte, cultura, cozinha, corte e
costura, origami, comédias românticas, leitura... É preciso que cada um de nós
ache um jeito de administrar tanta angústia e incerteza. O que revalida minha
esperança e o meu otimismo diariamente é um caminhar profundo e reflexivo.
Experimente também ou encontre seu caminho de relaxamento.
(*) Ana Dubeux – Editora-Chefe do
Correio Braziliense - (foto: Maurenilson/CB/D.A Press)
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BRASÍLIA - DF