Aglomeração que preocupa. Análise de especialistas mostra que o Distrito
Federal registrou a maior média móvel desde o início da pandemia, 13 dias após
a abertura dos estabelecimentos. Projeção mostra que a capital pode ter mais
800 mortes este mês
Após quase
cinco meses do primeiro diagnóstico da covid-19, a Secretaria de Saúde
considera que o Distrito Federal enfrenta o pico da pandemia. Óbitos continuam
a ser registrados diariamente, principalmente, após a flexibilização das
medidas de restrição, como a abertura do comércio. Análise feita por
especialistas, cedida ao Correio, mostra que a capital registrou a maior média
móvel de infecções pelo novo coronavírus 13 dias depois da retomada de bares e
restaurantes.
Em 30 de
junho, a capital havia marcado uma média móvel de diagnósticos de 1.978, o
recorde até então. Em seguida, o índice oscilou e sofreu queda. Em 15 de julho,
dia em que bares e restaurantes receberam autorização do Executivo para
reabrir, ele estava em 1.580. Entretanto, após essa retomada, em 28 de julho, o
DF teve a maior taxa desde o início da pandemia: 2.092 (veja gráfico).
Os doutores
Breno Adaid e Thiago Nascimento, pesquisadores da Universidade de Brasília
(UnB), do Departamento de Ciência do Comportamento, e coordenadores do mestrado
em administração do Centro Universitário Iesb, em conjunto com o estudante de
estatística César Galvão, responsáveis pela análise, consideram que a retomada
de bares e restaurantes são um dos fatores que impulsionou o aumento da média
móvel na capital.
“A gente só vê
o impacto da abertura de algum segmento após 10 ou 15 dias. Quanto mais a gente
se movimenta, mais o vírus se espalha. Porém, nosso índice de isolamento social
não caiu. Portanto, se as pessoas não estão saindo mais, isso pode ter
acontecido porque elas se aglomeraram”, explicou Breno Adaid.
Levantamento
mais recente de uma empresa de softwares, que monitora a geolocalização dos
aparelhos celulares da população, mostra que, no domingo, 47,8% dos
brasilienses cumpria o isolamento. O ideal, segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), é de 70% para ser efetivo.
De acordo com
o especialista, a média móvel estava tendendo a descer, mas voltou a subir após
a reabertura dos estabelecimentos. Apesar do aumento da média móvel, Adaid
reconhece que a capital enfrenta o pico da pandemia. “O que aconteceu foi que
tivemos um novo teto dentro desse período”, frisou. O especialista considera
que os casos continuam a crescer, mas não de forma acelerada. “Oscilamos mais e
isso puxou a média nova para cima. O acumulado mostra que tivemos 50% mais
casos em julho do que em junho”, comentou.
Por meio de
nota oficial, a Secretaria de Saúde informou que aumentou a fiscalização nos
estabelecimentos comerciais ao longo das últimas semanas, por intermédio da
Divisão de Vigilância Sanitária (Divisa). “Cerca de 300 ações são realizadas
por dia em todo o DF para verificar o cumprimento dos decretos durante a
pandemia, sendo que 20% dessas ações são feitas a partir de denúncias
encaminhadas à Divisa”, frisou o texto. Questionada sobre estimativa de duração
do pico da pandemia e sobre estabilização da quantidade de óbitos e casos, a
pasta não respondeu.
Projeção: Ontem, o DF registrou 21 mortes provocadas pelo novo coronavírus. A
tendência é de que os óbitos continuem a aumentar este mês. Projeção feita
pelos especialistas mostra que cerca de 800 óbitos devem ser contabilizados até
o fim de agosto.
O gráfico de
crescimento divulgado pelos especialistas revela três cenários para a capital.
Na hipótese mais provável, em 30 de agosto, o DF teria 2.374 vítimas da
covid-19. Em uma análise agressiva, o número de mortos seria maior: 2.792
óbitos. Na projeção atenuada, a quantidade de mortes seria de 1.956 até o fim
do mês.
Breno Adaid
explica que a previsão de óbitos pode ser alterada, caso acabem a
disponibilidade de leitos nas unidades hospitalares da capital. “Se houver um
colapso no sistema de saúde, a quantidade de mortes estouraria o cenário
péssimo”, comentou. Atualmente, segundo levantamento da Secretaria de Saúde, os
leitos exclusivos para pacientes com o novo coronavírus estão 77% preenchidos
no DF.
A rede pública
de saúde está com 74% da UTI comprometida. Ao todo, são 536 pacientes para 750
leitos. O sistema privado encontra-se à beira do colapso, são 285 leitos
disponíveis e 269 pessoas internadas, ou seja, 97,82% de ocupação.
Avaliação: A média móvel é um artifício usado estatisticamente a partir do qual se soma os dados do dia com o de um período anterior e divide pela quantidade de dias avaliado. O cálculo usado no gráfico divulgado pela reportagem leva em consideração os números de seis dias atrás.
Avaliação: A média móvel é um artifício usado estatisticamente a partir do qual se soma os dados do dia com o de um período anterior e divide pela quantidade de dias avaliado. O cálculo usado no gráfico divulgado pela reportagem leva em consideração os números de seis dias atrás.
Quatro perguntas para: Jonas Brant, epidemiologista da UnB
O DF passa pelo pico da pandemia, mesmo com o registro diário de casos? O número de casos não está crescendo todos os dias. A taxa de reprodução da pandemia está em cerca de 1, ou seja, uma pessoa transmite para mais uma. A somatória do acumulado faz com que cresça o tamanho da epidemia, mas o número de casos novos não tem crescido.
Atualmente, a
quantidade de óbitos e de casos confirmados pode ser considerada
estabilizada? O problema é que o quadro
se estabilizou em um número extremamente alto. A situação é muito grave. Há uma
limitação de capacidade de diagnósticos no DF. As pessoas não estão conseguindo
fazer o exame e, quando conseguem, o resultado demora muito. A imagem que temos
hoje da pandemia não reflete a realidade.
Há previsão para
que o número de casos comece a cair? Na verdade,
não há previsão que esses números caiam, as ações de enfrentamento têm sido
pouco trabalhadas. O vírus é enfrentado garantindo detecção dos casos e
isolamento dos contatos. Não tem esse rastreamento no DF e isso fragiliza muito
as ações de controle. Com o aumento das pessoas saindo de casa, da exposição e
a banalização do risco, a tendência é de aumentar.
Por que o registro
de casos de um mês tem impacto no número de óbitos somente no mês
seguinte? As pessoas evoluem na gravidade da doença. Elas
buscam atendimento, são internadas, o quadro piora, são entubadas e depois
evoluem a óbito. São eventos consecutivos e, com isso, se vê a consequência no
mês seguinte.Tem muito a ver com o tempo de internação.
(*) Walder Galvão - Foto: Blog-Google - Correio Braziliense
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COVID-19