Por Victor Dornas
Não é de hoje que ser
liberal no Brasil significa ser também um leitor de orelha munido de meia dúzia
de frases prontas. Assim, canaliza-se, num lugar comum, um leque de falsos conceitos com imediata assimilação de massa e que podem ser usados, aí sim, como munição política. Deste modo, o liberal no Brasil na verdade é
o liberaloide, isto é, aquele que interpreta qualquer frustração estatal como
algo positivo, como por exemplo o fim da legislação trabalhista.
Então, na
perspectiva obtusa do liberaloide, qualquer coisa que um sindicato reivindique
está automaticamente equivocada, uma vez que o mercado deve estar sempre
intocado e senhor de todas as leis que rezam sobre o infinito. Não sei de onde
eles tiram esses devaneios, pois, como todos os iniciados sabem, ideias sobre
os subsídios por renda básica, por exemplo, tinham o aval de liberais famosos
como o economista Milton Friedman.
Para o liberal, não
para o liberaloide, não importa se vem do Estado ou do mercado, desde que
estejam ambos em seus respectivos papeis delimitados. Para o liberal, não para o liberaloide,
movimentos supostamente de mercado que visam, no entanto, apenas restringir determinada função
típica de estado não tem nada a ver com capitalismo, ou com mercado.
Trata-se, sim, de mero conluio político.
Então vamos lá.
Todos sabem que as
companhias aéreas estão amargando prejuízos imensuráveis em virtude da
pandemia. A companhia Latam que atualmente ainda emprega aproximadamente sete
mil funcionários tripulantes anunciou um fracasso nas negociações com o
sindicato das categorias e, por isso, diferentemente da Gol e da Azul, anunciou
que demitirá 2700 tripulantes.
Opa, o liberaloide
então balança o rabinho e vem logo dar seus pitacos!!
E brotam mais rápido do
que cebolinha nas redes sociais, advindos dos mais diversos setores que nada
tem a ver com economia, frisa-se. “Olha aí, os tripulantes boçais aderiram aos
anseios sindicais que nem ligam pra eles e agora ao invés de terem o salário
diminuído agora não terão salário nenhum! Zero! Há há há. ” Não é por acaso que
o debate político brasileiro é tão raso quando se tem gente assim com enorme
influência nos meios de comunicação.
Amigo leitor, vamos aos
fatos.
Sem entrar ainda em méritos
sobre a Latam estar certa ou não em não aquiescer ao pedido do sindicado,
faz-se necessário, desde já, destacar o ponto principal no termo de acordo. O sindicato em questão, aliás, se
chama SNA (sindicado dos Aeronautas). O problema? A disparidade entre as
negociações com a Gol, Azul e Latam. A Gol e a Azul acordaram na redução de
salários e, diferentemente do que alegam os liberaloides, a classe aceitou.
Então não é um problema de qualquer redução de salário. A Latam, a maior das três
companhias, impôs além de uma redução muito mais acentuada do que das rivais, a
mudança permanente de remuneração nos quadros. Alguns tripulantes alegam que a
companhia quer a redução de até 80% de seus proventos em caráter permanente.
Assim, percebe-se que não se trata de uma negociação com o sindicado dos
aeronautas e sim uma posição unilateral da empresa.
Como o país está em
crise recorde de desemprego, a oferta aumenta drasticamente e tudo que a LATAM
quer é renovar a frota contratando tripulantes mais experientes com baixo
custo, isto é, ela parece querer sair da pandemia maior do que entrou. A primeira coisa que se
pensa num caso desses é de uma interferência estatal mais rígida para impedir a
empresa de proceder em seus desígnios destoantes da realidade, contudo, talvez
não seja necessário pois, como sabe um bom liberal, o próprio mercado pode se
encarregar de contornar uma boa parte dos vícios evidenciados neste caso, isto
é, fortalecendo os concorrentes que, se tiverem seus mercados ampliados, poderão
também aumentar suas frotas e, com isso, contratar aqueles que foram
desprezados pela LATAM e sua política unilateral que intenta lucrar a partir da
desgraça alheia.
A pergunta que fica é:
Até lá, como ficarão esses tripulantes desempregados?
Todos sabem que não é fácil
manter uma empresa de aviação com a legislação brasileira e suas penúrias que
juram ajudar, mas acabam atrapalhando a vida do empregado e do empregador.
Ninguém, com um mínimo de bom senso, negará a realidade em troca de uma
carcomida ideologia. A demanda que se coloca ao Estado agora é buscar de alguma
forma subsidiar a celeuma da aviação como um todo de um modo eficiente.
Como isso deve ser
feito? Primeiramente, ao contrário do que fez a Latam, com diálogo.
(*) Victor Dornas - Colunista do Blog Chiquinho Dornas ,fotos ilustração: Blog-Google.