Passado
de atleta
*Por Severino Francisco
Quando eu
tinha 15 anos e morava em São Paulo, liguei a tevê, aleatoriamente, na Sessão
da Tarde. Logo, fiquei fascinado por um filme diferente de todos os que eu
havia visto até aquele momento. Uma das razões do alumbramento era a beleza
despojada da atriz principal, tão distinta das deusas platinadas inacessíveis
do cinema hollywoodiano.
Sim, a
nossa atriz da Sessão da Tarde também era uma deusa, mas que parecia ter
descido do Olimpo, meio baixinha, vestida de jeans e blusa branca, vendendo
jornais nas ruas, com um charme irresistível, ao alcance dos mortais: “New York
Herald Tribune! New York Herald Tribune...!!!”
O
protagonista do filme era um marginal, arrastado por gestos gratuitos, ao sabor
da aventura. Dava tiros no sol. Era também um antigalã e um anti-herói. Sem
saber, sem cerimônia, durante o ócio juvenil de uma Sessão da Tarde, eu tinha
sido apresentado ao cinema moderno. Os atores eram Jean Seberg e Jean-Paul
Belmondo, em Acossado, de Jean-Luc Godard.
Mas, para
minha surpresa, muito tempo depois, eu assistiria na internet, com um calafrio
na espinha, a sequência do filme O homem do Rio, em que Belmondo faz
malabarismos no topo dos prédios de Brasília. Em uma das imagens, ele se
equilibra, perigosamente, em uma tábua, sob a vertigem da cidade espacial, com
as linhas da plataforma da rodoviária em primeiro plano e a pirâmide do Teatro
Nacional ao fundo, quase reduzida à dimensão de uma caixinha de fósforo.
Fiquei
intrigado, não sei se com a habilidade de Belmondo ou com os truques da
montagem. Mas o nosso ilustrado Sérgio Moriconi, cineasta, professor e
pesquisador, autor de Cinema brasiliense — Apontamentos para uma história, me
deslindou o mistério. O descolado Belmondo não chegava a ser o Homem-Aranha,
mas tinha um passado de atleta: havia sido artista de circo e lutador de boxe.
Escalar
prédios de Brasília e fazer acrobacias a 50 metros do chão, perto das nuvens,
era fichinha para ele. Seria melhor a gente se preocupar com os atores
coadjuvantes que o perseguiam, visivelmente desajeitados em cima dos andaimes.
O enredo
mirabolante de O homem do Rio, dirigido por Philippe Broca, narra as peripécias
do personagem Adrien (Jean-Paul Belmondo) e sua namorada Agnès (interpretada
pela belíssima Françoise Dorleac, irmã de Catherine Deneuve).
Agnès é
sequestrada e trazida até Brasília porque ela possuía uma estatueta malteca de
valor milionário. O filme é uma espécie de versão francesa das aventuras de
James Bond e se tornou uma das principais fontes de inspiração de Steven
Spielberg ao conceber o roteiro de Caçadores da arca perdida. Realmente, o que
salvou Belmondo nos céus de Brasília foi o passado de atleta.
(Vídeo- Trecho do filme)
(*) Severino
Francisco – Jornalista, colunista do Correio Braziliense – Foto/Vídeo:
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ARTE