Uma das ideias é transformar o
Setor Comercial Sul (ao fundo) em Zona de Desenvolvimento de Inovação e
Tecnologia, tornando-o livre de regulamentação
*Por Thais Umbelino
A criação da Subsecretaria de
Tecnologias de Cidades Inteligentes e a aprovação da Lei nº 6.620 - que criou o
Plano Diretor de Tecnologias da Cidade Inteligente - mostram avanço
significativo do tema, mas a caminhada, segundo especialista, é extensa
As discussões sobre o conceito de Cidades
Inteligentes ganham destaque no Distrito Federal, mesmo durante a pandemia
causada pelo novo coronavírus. Isso porque, com o isolamento social, o papel
desempenhado pela tecnologia tornou-se evidente tanto no âmbito pessoal quanto
no profissional. A recente criação da Subsecretaria de Tecnologias de Cidades
Inteligentes pelo Executivo local representa um passo importante para reforçar
o debate, mas, segundo especialistas, o processo para avanços significativos
revela-se longo. “O tema de Cidades Inteligentes não é apenas uma prioridade, é
um projeto em curso, no qual temos investido”, explica Luciano Cunha,
subsecretário de Tecnologias de Cidades Inteligentes.
Segundo ele, o GDF tem um histórico de investimento
em tecnologia no atendimento à população e pretende ampliá-lo. “O nosso sistema
de pagamento de impostos é altamente digitalizado, com a possibilidade de o
cidadão emitir guias de pagamento, realizar contestações, pedir ajustes, tudo
digitalmente. Além disso, a área de segurança pública tem feito grandes
investimentos em sistemas de monitoramento e no Centro Integrado de Operações
de Brasília (Ciob), registro eletrônico de ocorrências, agendamento de
atendimento, etc. A aprovação de alvará de construção, hoje, é feita em sete
dias pela Central de Aprovação de Projetos (CAP)”, detalha Luciano.
Em junho, o governo sancionou a Lei nº 6.620, de
autoria do deputado distrital Rodrigo Delmasso (Republicanos). A norma criou o
Plano Diretor de Tecnologias da Cidade Inteligente (PDTCI) e estabeleceu
medidas e projetos para estímulo ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à
inovação e à economia criativa no Distrito Federal. “A regulamentação trará
segurança jurídica para que o setor produtivo, as instituições científicas e o
governo possam interagir. Os investimentos feitos em ciência, tecnologia e
inovação trazem retorno na forma de população mais bem qualificada, de empregos
bem remunerados e melhor qualidade de vida”, diz.
Entre as ações estão o incentivo a um ambiente de
geração de produtos, processos e serviços inovadores, o desenvolvimento de
startups e de empresas privadas da área de tecnologia de informação, além de
ações de suporte ao empreendedorismo e à transferência de tecnologias. “É um
passo importante para que a gente tenha diversos órgãos do governo trabalhando
em conjunto. As secretarias poderiam ter acesso único ao banco de dados dos
cidadãos. O PDTCI é importante porque norteia uma nova estruturação no sistema
de governo, com a utilização da tecnologia”, ressalta o subsecretário de
Tecnologias de Cidades Inteligentes.
Segundo Luciano, o tema será discutido em etapas
pela pasta e, futuramente, debatido pela sociedade. “Atualmente, iniciamos um
levantamento de dados intragoverno para elaboração do PDTCI. Esse trabalho está
sendo realizado seguindo as normas internacionais que tratam do tema de Cidades
Inteligentes (Londres, na Inglaterra; Nova York, nos Estados Unidos; e
Amsterdã, na Holanda são alguns exemplos de cidades que estruturaram esse tipo
de sistema). Logo em seguida, trabalharemos com as diversas áreas do GDF para
identificar as prioridades para investimento em tecnologia. O terceiro passo é
um debate com a sociedade para identificar as prioridades e alinhar com as
prioridades intragoverno. Após esse momento, passaremos para a implementação
das tecnologias consideradas prioritárias”, afirma.
Mas, para tornar a realidade virtual possível no
Distrito Federal, o caminho é difícil. Segundo o coordenador adjunto do curso
de pós-graduação em Cidades Inteligentes do Centro Universitário Iesb, Sérgio
Côrtes, há uma série de componentes necessários para possibilitar uma Cidade
Inteligente. “A adoção de uma rede 5G é fundamental para aumentar a
conectividade, que possibilita a interconexão digital de objetos cotidianos
pela internet das coisas (veja Propostas)”, destaca o professor. Ele aponta,
ainda, a necessidade de outras tecnologias. “Os softwares de big data analytics
também são importantes, pois permitem a análise e a interpretação de dados
coletados, identificando comportamentos e tendências da sociedade, ou seja,
você pode juntar várias informações para uma avaliação mais assertiva. Outro
fator é o blockchain, sistema de criptomoeda, que contém todas as transações
processadas entre empresas, por exemplo”, acrescenta Sérgio.
Sandbox: Um dos temas
em debate na Câmara Legislativa, pela Comissão de Desenvolvimento Econômico
Sustentável, Ciência, Tecnologia, Meio Ambiente e Turismo, é a criação de um
projeto de lei que torne o Setor Comercial Sul um território sandbox, ou seja,
local livre de regulamentação para que empresas possam se estabelecer de forma
experimental, sem se submeterem a regulamentações que restrinjam o
funcionamento delas.
Segundo o deputado distrital Eduardo Pedrosa (PTC),
presidente da comissão, o estudo permite que a área seja revitalizada.
“Acredito que a gente tenha de tomar medidas avançadas na região para estimular
empresas. Neste momento, o Setor Comercial Sul mostra que tem um potencial
muito grande sendo desperdiçado”, comentou o parlamentar. Para ele, o papel da
frente na Câmara Legislativa é de buscar novas oportunidades de crescimento da
capital que fujam da agricultura e do concurso público. “A gente vê que o
funcionalismo não tem mais condições de crescer em Brasília e que é necessário
pensar, além dos setores industrial e agrícola, na tecnologia e no conceito de
Cidades Inteligentes”, reforça.
Para o vice-presidente da Casa, Rodrigo Delmasso, a
criação de empregos seria uma das consequências naturais a partir da implementação
da tecnologia no local. “O Setor Comercial Sul foi uma referência comercial no
DF e, hoje, está abandonado. Com o teste de novas tecnologias, é possível
empregar mais pessoas, atrair empresas e, com isso, aumentar a arrecadação na
capital”, apontou o deputado.
A proposta, porém, segue pendente enquanto não for
aprovado o projeto de lei (PL) nº 399/19, que permite a criação de Zonas de
Desenvolvimento de Inovação e Tecnologia — Regulatory Sandbox — a iniciativa
faz parte do conceito de Cidades Inteligentes. O texto, de autoria da deputada
Júlia Lucy (Novo), teve veto derrubado pela Casa em 4 de agosto e espera sanção
do Executivo para entrar em vigor. Segundo a parlamentar, a proposta dá
liberdade às empresas para criar, desenvolver e trazer conhecimento.
“Atualmente, há tantas barreiras que dificultam o desenvolvimento de novos
produtos. A gente tem um ambiente hostil, regulado, um aprisionamento de
competência e de ideias. Estamos desperdiçando muitos talentos”, avalia Júlia
Lucy. Obviamente, temos legislações que devem ser respeitadas. Não é que
nenhuma lei ou regra se impõe. As empresas devem pedir autorização ao Poder
Executivo para realizar qualquer tipo de teste no local”, detalha a distrital.
Propostas: » Confira algumas medidas tecnológicas aplicadas em Brasília, segundo a Subsecretaria de Tecnologias de Cidades Inteligentes: » Digitalização de atendimento ao cidadão » Wi-fi Social, com acesso gratuito em pontos da cidade » Carros elétricos compartilhados » Acompanhamento em tempo real de horários e trajetos de ônibus » Aplicativo e-GDF, que oferece serviços e informações dos órgãos do DF » Serviços de saúde, para marcação de exames e realização de prontuário eletrônico » Terminais de autoatendimento do Na Hora em estabelecimentos comerciais
Propostas: » Confira algumas medidas tecnológicas aplicadas em Brasília, segundo a Subsecretaria de Tecnologias de Cidades Inteligentes: » Digitalização de atendimento ao cidadão » Wi-fi Social, com acesso gratuito em pontos da cidade » Carros elétricos compartilhados » Acompanhamento em tempo real de horários e trajetos de ônibus » Aplicativo e-GDF, que oferece serviços e informações dos órgãos do DF » Serviços de saúde, para marcação de exames e realização de prontuário eletrônico » Terminais de autoatendimento do Na Hora em estabelecimentos comerciais
Propostas em discussão para implantação » Sistema de iluminação com wi-fi e câmeras capazes de identificar
situações de risco e identidades automaticamente » Estruturação, pela
Secretaria de Educação, de oferecer atendimento remoto aos alunos para além da
pandemia »Parceria com startups para fornecer propostas à população
baseadas nas informações disponibilizadas pela Lei da Transparência
Palavra de especialista: “Uma Cidade Inteligente também deve ter transparência”: “O uso da tecnologia pode, sim, dinamizar uma série de serviços públicos para os cidadãos. Uma Cidade Inteligente, na concepção plena do termo, deve proporcionar que muitos dos seus serviços sejam executados por meios digitais. Isso também significa acesso de um maior número de pessoas à internet. Por isso, além de pensar em oferecer serviços digitais de qualidade dentro da sua estrutura, e que seja de fácil utilização, é preciso pensar em como garantir conexão de acesso à internet para as pessoas, especialmente, naquelas áreas onde o mercado não tem interesse comercial, geralmente, locais de baixo IDH. Nesse sentido, possibilitar pontos públicos de acesso que funcionem é uma política pública que também está inserida na agenda de uma cidade que se pretende ser inteligente. Agora, um ponto importante: uma Cidade Inteligente também deve ter transparência e garantir para os cidadãos um tratamento de dados pessoais adequado, com segurança e manutenção da privacidade. Sem regras claras de tratamento de dados e de manutenção da privacidade das pessoas, as Cidades Inteligentes podem se tornar grandes arenas de vigilância e, com isso, tornar a tecnologia um malefício”. (Marcos Urupá, doutorando e pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom) da UnB).
(*) Thais Umbelino - Foto: Breno Fortes/CB/D.A.Press - Correio Braziliense