2020
já é para sempre
*Por Ana Dubeux
Na última sexta-feira, chegamos à marca de seis
meses de pandemia. É muito para se viver confinado; de máscara; sem encontro e
sem abraço; longe da família, da escola e dos amigos; perto do medo e colado na
morte, no luto, no sofrimento. Não se vive um tempo assim para jogá-lo no
esquecimento. Porque ele trouxe e vai levar consigo muitas e novas
importâncias. 2020 já ficou para a história e também já ficou, para todos nós,
como um ano estranho, assustador, revelador e, em todos os sentidos,
surpreendente.
Não sei você, mas tenho vivido muitos sentimentos e sensações, todos eles convergentes para uma certeza: o valor da vida. Embora sempre tenham existido, nunca vi ipês mais lindos, nunca olhei para o cerrado tão admirada, nunca me compadeci tanto da dor dos amigos enlutados e deprimidos, nunca lamentei tanto as queimadas consumindo o Pantanal e nossas florestas. As cores estão mais fortes; as lágrimas, mais abundantes e os sorrisos, quando vêm, mais comemorados. Fico imaginando quando as chuvas chegarem... Acho que virão com aquela força que nos assusta.
Vejo beleza e tristeza por toda parte. Em parte, porque, quando se está vivo numa pandemia como esta, é preciso honrar e celebrar essa oportunidade. Segundo, porque havemos de ser solidário com o outro. Todas as tragédias que vivemos até aqui são fichinha perto desta que agora compartilhamos. Quase 1 milhão de mortos no mundo.
Podemos fingir que tudo está voltando ao normal e comemorar a queda de mortes, mas, jamais, podemos apagar o fato de que só no Brasil mais de 130 mil pessoas se foram. Sabemos mais do que nunca o quanto esse país é desigual, racista, injusto, corrupto e despreparado para lidar com as necessidades humanas mais básicas. Não há chances de passar por isso e ficar com sequelas apenas na memória. Nós as carregaremos nas células, no corpo, na alma. Sabe quando nosso olhar, nossa expressão, mudam... Pois é.
Cada dia que acordamos, temos mais um punhado de horas para viver. Alguns de nós terão dias muitos tristes pela frente. Mas o Dia do Cerrado, celebrado na sexta, me lembrou que toda hora renasce uma flor, que a natureza está aí para nos provar o quanto é milagroso o ciclo da vida. Logo mais é primavera e acredito que há de brotar mais esperança. Minha fé hoje é na ciência, na vacina e na nossa incrível capacidade de transformar dor em aprendizado. Sem isso, nada do que estamos vivendo terá sentido algum.
(*) Ana Dubeux – Editora – Chefe – Correio Braziliense – Fotos:
Ilustração: Blog-Google
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