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A DEPENDÊNCIA DO BRASIL (Coluna Victor Dornas)


Por Victor Dornas 

Há 213 anos, Portugal estava numa pressão aferrada. De um lado, o francês Napoleão Bonaparte babando de raiva e de outro o pior dos antagonistas: Uma Inglaterra que resolvia entraves diplomáticos por meio de bombardeios sumários de larga escala, dizimando milhares de pessoas num único dia. Dom João VI, o monarca português, numa espécie de sinuca de bico, resolveu negociar com ambos os algozes, protelando o inevitável.

Nisso tudo, Bonaparte, sem o pouco da paciência que já não tinha, resolve enviar 50 mil soldados para invadir as fronteiras de Portugal. Ocorre que era um exército mambembe, meio Brancaleone, e Portugal, que embora estivesse pobre e sem recursos, poderia ter resistido se quisesse, porém a marca “Napoleão” surtia muito efeito e a corte real não pensou meia vez antes de sair correndo dos palácios de Mafra e Queluz. Deve ter sido uma das guerras mais feias da história da humanidade. Não pelos índices de atrocidades e sim pelo nível de amadorismo de parte a parte. Morreram mais franceses pelo caminho do que no embate em si. 

A corte ainda tinha uma colônia maravilhosa para se refugiar, com algum apoio dos ingleses: O Brasil! Que no ano seguinte, ao sediar os fujões, deixava de ser uma colônia para ser promovido como um novo Reino Português. Que maravilha, não? Dom João trouxe o filho Pedro, criado no Rio de Janeiro, nos arredores da Tijuca, passando o rodo no mulherio local.

O tempo passou e Portugal se refez, de modo que, na política, resolveu rebaixar novamente o então precioso fazendão, o nosso Brasil, para que passássemos novamente ao reles status de colônia. Pedro, enfeitiçado pelos traços de Domitila de Castro, relutou e esvaecido num heroísmo de ocasião, aliou-se a Bonifácio e outros em detrimento dos interesses de Portugal.

Dizem as más línguas que, após uma diarreia daquelas, Pedro I então monta numa mula, ao contrário do que mostra o famoso quadro plagiador do próprio Napoleão e, nas margens do riacho Ipiranga, atualmente não por acaso apodrecido, proclama nossa independência arrancando suas comendas, medalhas da farda para que víssemos naquela rebeldia a imagem de um “igual”. Ual.

Nosso país é marcado pela hipocrisia que herdamos, não por opção, da sordidez da realeza europeia. Os portugueses, no entanto, trouxeram suas bibliotecas, alguma civilidade e, com isso, aos poucos, nos livramos da selvageria para tentarmos nos adequar ao novo mundo. E assim estamos desde então, sem saber direito quem somos ou aquilo que motiva nossos impulsos. 

Não por desconhecermos nossa própria história, mas, sobretudo, por não entendermos direito o quê nós fomos feitos a partir dela. Afinal, o quê é um brasileiro? Talvez nós não devêssemos cavar tão fundo, pois não encontraríamos tantas coisas boas, ou quase nada bom.

O ideal talvez seja enaltecer figuras brasileiras que viveram em busca de uma identidade, independentemente daquilo que originou o estado brasileiro e suas sujeiras. Uma das formas mais interessantes de cultuar personalidades para, assim, descobrirmos o que raios nós somos é através das nossas cédulas. Ao invés de registrarmos figuras como Machado de Assis, Oswaldo Aranha, Owaldo Cruz, o próprio José Bonifácio ou Pedro I, há tempos nos acostumamos com uma imagem insossa da enigmática moça francesa pintada por Eugène Delacroix como um bastião do liberalismo francês. Novamente, presos aos modos europeus.

O fato é que o brasileiro não sabe quem é aquela moça e tampouco que ela simboliza a república. Não por culpa do brasileiro, como comumente se faz por aí e sim pelo vazio que a pintura de um francês representa no nosso imaginário popular. Tal não ocorreria se colocássemos aquelas personalidades que gostaríamos que nossas crianças conhecessem, por exemplo. 

Para completar a sandice, nos acostumamos a colocar um animal no verso da cédula. E no lançamento de cada nota nova, nos reunimos como selvagens para ficarmos debatendo sobre a beleza ou falta de beleza do novo animal. Atualmente, na recém nascida nota de duzentos reais, o banco central demonstrou ser incapaz de desenhar um lobo guará e, novamente, iniciou-se a discussão sobre a feiura do bicho, enquanto da francesa ninguém diz nada, pois ela é como uma sombra, vazia e apática. Até politizaram o lobo, coitado. “O PT fazia melhor”, alguns disseram. E o pior de todos os comentários: “É só uma nota!”. Enfim, o abismo.

Outro fato curioso que ocorre na nossa cultura é que gostamos de vincular conhecimento gramatical com erudição. É muito comum no debate de articulistas a insurgência de alguém muito cheio de si próprio corrigindo seu debatedor por algum erro gramatical. No Brasil, os brasileiros não conhecem o próprio idioma numa vasta gama de regras gramaticais. E o mais fantástico disso tudo é que a ideologização política foi tão engenhosa em torno disso que credita-se à uma suposta burrice da massa a incapacidade de memorizar regras inúteis.

O português é um idioma riquíssimo, porém repleto de inutilidades absorvidas apenas por especialistas gramaticais. Não é burrice coletiva e sim indícios de mortalidade de linguagem mantida apenas por aparências. É tudo uma questão de meio termo, de modo que embora seja indiscutível que uma razoável apreensão de vocábulos permita ao indivíduo uma melhor capacidade de se expressar, há também em nosso idioma uma infinidade de idiotices inúteis.

Que alguns de vangloriam de saber, afinal de contas, foi árduo para assimilar.

Tudo isso posto, a questão de nossa história de decorreu de um príncipe com diarreia e delírios de grandeza, ou de uma cédula que não prestigia nossos notáveis para dar lugar a bichos e uma francesa insossa, ou uma língua desconhecida pelo seu próprio povo que só serve, em muitos casos de regras especialíssimas, como crivo para concurso público, ilustra que embora tenhamos lá no riacho apodrecido paulista a proclamação de nossa independência, nós não sabemos ainda quem de fato nós somos ou o quê queremos.

Por isso tanta incapacidade de debater política. Tanta frivolidade e perda de tempo. Tanta rixa boba. Devemos conquistar primeiro a independência de sabermos quem nós somos.




(*) Victor Dornas - Colunista do Blog Chiquinho Dornas ,fotos ilustração: Blog-Google.

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