Não existe lavajatismo, e sim
respeito ao contribuinte, "O sistema está reagindo com o intuito de
dificultar a investigação e a punição dos crimes de corrupção e para tentar que
tudo volte a ser como antes, tendo a impunidade como regra."
*Por Ana
Dubeux, Ana Maria Campos, Carlos Alexandre
Ex-ministro afirma que o desmonte
da Lava-Jato prejudica o combate à corrupção, compromisso do atual presidente
para vencer as eleições de 2018. Diz que a candidatura em 2022 é especulação e
espera nomes fora da disputa polarizada entre Lula e o candidato à reeleição.
Sergio Moro não se surpreende com
os ataques à Lava-Jato. Considera uma reação esperada o sistema político se
voltar contra operações de enfrentamento à corrupção, a fim de restabelecer a
lei da impunidade. Ele cita como exemplo a Operação Mãos Limpas, na Itália,
defendida e depois golpeada pelo governo de Silvio Berlusconi, político
populista que caiu em descrédito após ser associado a ilícitos. Moro considera
Lava-Jato a maior operação anticorrupção efetuada no país, e por essa única
razão, deveria ser mantida. Representa um marco no Brasil porque mostrou que é
possível modificar a realidade política nacional. Ele já vê avanços éticos no
setor privado, mas não observa a mesma transformação no meio político. Nesse
sentido, Moro afirma que o governo Jair Bolsonaro abandonou a agenda
anticorrupção, deixando de lado questões importantes como a prisão de um
condenado em segunda instância.
Alvo de frequentes ataques da
classe política e de integrantes do Judiciário, Moro diz estar acostumado a
ouvir críticas. Lamenta e repudia ataques pessoais, mas não pretende rebater no
mesmo nível. “Não fiz e não pretendo fazer críticas pessoais ao presidente ou
aos seus filhos”. Ele também demonstra altivez em relação às calúnias
veiculadas nas redes sociais. “Tenho conhecimento de muitas fake news
distribuídas a meu respeito, o que é lamentável. Não posso afirmar de onde vêm.
Eu, particularmente, só trabalho com a verdade e penso ser este o primeiro
dever de qualquer pessoa pública.” Em meio à polarização que insiste em se
manter no país, Moro entende que o Brasil é maior do que uma querela entre
partidários de Bolsonaro ou de Lula. “O mundo não se resume a esses dois
grupos. O Brasil é grande, diversificado e conta com muitas pessoas
qualificadas.”
Por muito tempo considerado sério
candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), Sergio Moro vê com bons
olhos a atuação de Luiz Fux como próximo presidente da mais alta Corte de
Justiça. O rigor técnico e o discernimento para preservar o tribunal de
questões políticas constituem, segundo o ex-ministro, importantes trunfos do
magistrado que estará à frente do STF a partir do dia 10. Para Moro, os
integrantes da instância máxima da Justiça — incluindo o substituto do ministro
Celso de Mello — só podem ter compromisso com a lei, e não com inclinações
políticas e religiosas. E, mais uma vez, cobra retidão do homem com quem
trabalhou para levar adiante a causa anticorrupção. “Se o presidente quiser ser
coerente com o discurso de campanha, deveria indicar um substituto com viés
favorável à Lava Jato e linha-dura contra o crime.”
Dedicado ao ensino de direito em
Brasília e em Curitiba, Sergio Moro se mantém reticente sobre projetos
políticos. “Estou focado em 2020”, diz, atarefado em recompor a vida
profissional após a passagem por Brasília e o abandono da magistratura. Mas o
ex-ministro e ex-juiz não se furta a tomar posições contundentes, com recados a
diversos atores na capital da República. “Não existe lavajatismo”, esclarece, e
sim servidores que prezam o “respeito à lei e ao contribuinte”. Leia, a seguir,
a entrevista de Sergio Moro ao Correio.
A Lava-Jato chegou ao fim? A Lava-Jato foi a maior operação contra a corrupção
na história no Brasil e, infelizmente, tem sofrido reveses neste momento. A
continuidade e as condições de trabalho das forças-tarefas do Ministério
Público estão ameaçadas. Reverter esse quadro depende muito da
Procuradoria-Geral da República.
Com a saída do procurador Deltan
Dallagnol da coordenação da Operação Lava-Jato em Curitiba, o trabalho será
prejudicado? O procurador Deltan Dallagnol fez
um excelente trabalho na Operação Lava-Jato. É um brasileiro que merece
respeito e reconhecimento por sua dedicação e comprometimento com a causa
pública. O procurador Alessandro Oliveira, que deve substituí-lo, é um
profissional sério. Espera-se que dê continuidade ao trabalho.
Dallagnol alegou um assunto de
família, com a questão do tratamento da filha. Acredita que, em outras
circunstâncias, seria possível para ele continuar na Lava-Jato? A questão familiar deve ter sido central. Mas
acredito que as dificuldades de trabalho da força-tarefa e os vários
procedimentos injustos abertos contra ele no CNMP tornaram sua permanência cada
vez mais penosa.
Está se repetindo no Brasil o que
aconteceu com a Operação Mãos Limpas, na Itália? Estamos vivendo um processo semelhante. O sistema
está reagindo com o intuito de dificultar a investigação e a punição dos crimes
de corrupção e para tentar que tudo volte a ser como antes, tendo a impunidade
como regra. Mas acredito que a Lava-Jato mostrou aos brasileiros que as coisas
podem ser diferentes, a depender da pressão social. O setor privado brasileiro,
aliás, já mudou bastante.
Não é uma ironia que a Lava-Jato
seja bombardeada justamente no governo de um político eleito com a bandeira do
combate à corrupção? É bem peculiar, mas não é incomum. Na Itália, o governo de Silvio
Berlusconi foi eleito com essa bandeira e agiu contra a Operação Mãos Limpas.
Berlusconi é, hoje, um dos políticos com a imagem mais associada a
irregularidades. Aqui o atual governo também foi eleito com a bandeira de
defesa da Lava-Jato e do combate a alianças com políticos envolvidos em
irregularidades, mas tudo indica que tenha sido apenas uma promessa de
campanha.
O procurador-geral da República,
Augusto Aras, disse que é hora de “corrigir rumos” para que o “lavajatismo não
perdure”. O que achou dessa declaração? Não existe “lavajatismo”. O que existe são
servidores públicos que respeitam o salário pago com dinheiro público e tiveram
o cuidado de fazer bem seu trabalho, levando os responsáveis por graves crimes
de corrupção a serem punidos de acordo com o devido processo legal. O nome
disso é “respeito à lei e ao contribuinte”.
Como avalia a investigação da PF
até o momento sobre suas denúncias acerca da interferência de Bolsonaro na
corporação? Não cabe a mim avaliar o trabalho
da PF. O Judiciário vai se manifestar sobre isso. Cabe lembrar que essa
apuração foi aberta a pedido do Procurador-Geral da República e não por mim.
A decisão do STF de suspender a
produção do dossiê antifascista, sem a punição dos responsáveis pela
investigação ilegal, foi correta? É preocupante que o Ministério da Justiça esteja associado à produção de
um levantamento com parâmetros que soaram político-ideológicos. Mas não tenho
detalhes e não acompanhei o caso a fundo para tecer comentário a respeito.
Foi um erro fazer parte do governo
Bolsonaro? Minha participação no governo
trouxe resultados efetivos e concretos para a sociedade, como uma integração
efetiva entre as diferentes forças de segurança. Essa mudança resultou em um
combate sem precedentes contra o crime organizado e na diminuição da
criminalidade em 2019. Políticas de minha gestão, como o controle rigoroso das
fronteiras pelo programa Vigia e o fortalecimento do Banco Nacional de Perfis
Genéticos, continuam a render frutos depois de minha saída.
Arrepende-se de ter encerrado a
carreira de juiz? Minha
escolha foi acertada e os bons resultados que consegui no Ministério, apesar
das dificuldades, reforçam isso. Nem tudo saiu como planejado, mas a vida é
assim. É preciso persistência. Tomei aquela decisão com o objetivo de
contribuir ainda mais para combater a corrupção, o crime organizado e a
criminalidade violenta. Essa causa ainda é minha.
Sua vida profissional mudou
totalmente depois que decidiu largar a magistratura. Tem algum
arrependimento? Não foi a
primeira nem a última vez que encontrei obstáculos em minha vida. Servi o
Brasil de forma correta e sempre buscando um resultado de excelência. Isso não
me causa arrependimento. Pelo contrário, tenho orgulho de ter me dedicado ao
Ministério e ao ofício de distribuir justiça.
Bolsonaro foi uma decepção? Ele deveria honrar as promessas de campanha, seria
o correto a ser feito. Para isso, ele deveria, por exemplo, retomar a agenda
anticorrupção. Isso demanda não só operações da Polícia Federal, mas também
reformas legais que melhorem a estrutura de prevenção e de repressão. É
fundamental, por exemplo, retomar o projeto da execução após condenação em
segunda instância. Não tenho visto o governo apoiar ou trabalhar por essas
medidas.
Quando o senhor realmente percebeu
que sua permanência no Ministério da Justiça e Segurança Pública seria
insustentável e a relação com o presidente estava ruim? Foi um processo progressivo ao longo de 2019 e
2020, até que chegou a um ponto insustentável.
Os filhos do presidente Bolsonaro
fazem críticas públicas a seu trabalho. Eles atrapalham o governo? Não conheço essas críticas, mas é muito possível
que sejam passionais. Críticas são sempre possíveis e, quando construtivas, são
bem-vindas. Da minha parte não fiz e não pretendo fazer críticas pessoais ao
presidente ou aos seus filhos.
Mandetta e o senhor são alvos
constantes de críticas diretas do presidente. Ele mudou ou vocês não enxergavam
quem é Bolsonaro? O debate
público tem se deteriorado de forma grave e acelerada. Ao invés de se
discutirem ideias ou políticas, não raramente se parte para críticas pessoais.
Não entro nesse jogo de ofensas. Quanto ao ministro Mandetta, penso que ele fez
um grande trabalho, sobretudo porque teve que agir sob condições adversas, com
o próprio governo adotando uma postura negacionista em relação à pandemia.
Acredita que a PF trabalhou bem no
inquérito sobre a facada no presidente Jair Bolsonaro? Houve muita pressão para
a conclusão do inquérito? A PF fez um trabalho técnico, com autonomia e independência. No primeiro
semestre de 2019, o delegado responsável pelo caso fez, inclusive, uma
apresentação para o presidente de toda a investigação e das conclusões acerca
do atentado e do possível envolvimento de terceiros. A investigação foi
exaustiva e não apontou provas de que haveria cúmplices. O fato de eu ter saído
do Ministério da Justiça e Segurança Pública nada mudou quanto a essas
conclusões até o momento. Também não vi o novo ministro que assumiu já há algum
tempo discordar das conclusões da PF.
Com a licença médica do ministro
Celso de Mello, decisões da Segunda Turma do STF têm beneficiado o réu em razão
do empate na votação dos ministros. Foi o que aconteceu na sua sentença sobre o
caso Banestado. Como avalia essa situação? Apesar da anulação da decisão por empate, nada
houve de irregular na sentença. Apenas determinei antes da sentença a juntada
de alguns documentos, como a lei expressamente autoriza no artigo 234 do Código
de Processo Penal. Esse trecho do Código diz que “se o juiz tiver notícia da
existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa,
providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para
sua juntada aos autos, se possível”. Eu havia também tomado o depoimento de um
colaborador na fase de investigação, isso a pedido da defesa dele mesmo e do
Ministério Público Federal, já que havia dúvidas, na época, sobre a validade de
diligências probatórias feitas diretamente pelo MPF. Isso tudo foi por volta de
2005, bem antes da Lei 12.850, de 2012, que mudou o procedimento da colaboração
premiada.
Acredita que o presidente
Bolsonaro vai nomear um substituto para o ministro Celso de Mello no STF com
uma visão crítica à Lava-Jato? Se o presidente quiser ser coerente com o discurso de campanha, deveria
indicar um substituto com viés favorável à Lava Jato e linha-dura contra o
crime.
O que pensa da tese do ministro
Fachin, que propõe a adoção do princípio in dubio pro reu somente para casos de
habeas corpus? Concordo
totalmente com o ministro Fachin. Nesses casos, penso que seria preciso esperar
ter o quórum completo para terminar o julgamento.
Ex-integrantes da magistratura
devem passar por quarentena antes de se lançar na política, como defende o
ministro Toffoli? Sim. Todo
juiz deve passar por essa quarentena. Inclusive, isso já acontece, já existe a
quarentena para magistrados que querem ser candidatos ou até para os que
queiram se tornar advogados. A lei fixa que, por seis meses após a saída do
cargo público, o juiz não pode concorrer a qualquer eleição. Não há razão para
ampliar esse prazo e equiparar os juízes a criminosos condenados, por exemplo,
por improbidade e corrupção, que ficam inelegíveis por diversos anos.
“Ninguém pode obrigar ninguém a
tomar vacina”, disse o presidente Bolsonaro. Qual o limite entre a liberdade do
cidadão e o direito coletivo à saúde? Esse assunto foi debatido à exaustão nas primeiras
décadas do século 20 e também depois disso. Hoje, a lei já estabelece que o
governo pode obrigar. Mas é desejável que o governo faça uma ampla campanha de
conscientização para demonstrar a necessidade da vacina aos cidadãos. Isso é
fundamental para preservar sua própria saúde, como para não se tornar um
transmissor da doença para terceiros.
O Brasil está em segundo lugar no
ranking do número de mortes por covid. O que estamos fazendo de errado? Essa é uma pergunta mais apropriada para médicos e
infectologistas. Como leigo, vejo que falta coordenação das políticas
necessárias por parte do governo federal, com muita disparidade de mensagens
transmitidas à população quanto a medicamentos e medidas sanitárias.
Como será seu trabalho como
professor no Uniceub? Qual a sua expectativa? Já sou professor também na Unicuritiba. O contato
com os alunos sempre é gratificante, é um aprendizado de mão dupla, então a
expectativa é muito boa. Fico feliz em voltar às salas de aula, mesmo que
virtualmente.
Seu nome aparece bem colocado nas
pesquisas para a Presidência da República. Pensa em concorrer? Estou focado em 2020, principalmente no meu
reposicionamento profissional. Fui servidor público, com muito orgulho, por
mais de duas décadas, preciso agora continuar trabalhando para sustentar minha família.
Essa suposta candidatura é mera especulação.
O Brasil vai continuar dividido
entre Lula e Bolsonaro, ou vai aparecer um novo nome para as próximas
eleições? Pessoalmente, penso que a
polarização política excessiva fomenta ódio e raiva e não ajuda o debate
concreto de programas e políticas públicas, mais importante do que slogans,
marketing ou ofensas. Acredito que devem aparecer outros nomes fora dos
extremos. Espero que apareçam nomes melhores do que esses.
Como está a reação nas ruas ao
senhor? Muito tranquila. Sou bem tratado
pelas pessoas.
O gabinete do ódio dentro e fora
das cercanias do Palácio do Planalto trabalha pra desconstruir a sua
imagem? Tenho conhecimento de muitas fake
news distribuídas a meu respeito, o que é lamentável. Não posso afirmar de onde
vêm. Eu, particularmente, só trabalho com a verdade e penso ser este o primeiro
dever de qualquer pessoa pública. Penso que temos sempre que fazer o que é
certo.
Hoje o senhor atrai o ódio dos
discípulos de Lula e de Bolsonaro. O que sobrou? O mundo não se resume a esses dois grupos. O Brasil
é grande, diversificado e conta com muitas pessoas qualificadas nas mais
diferentes ocupações e campos ideológicos.
O governador Wilson Witzel está
pagando por se tornar inimigo da família Bolsonaro? Não conheço detalhes do caso concreto. A maioria da
Corte Especial do STJ manteve o afastamento do governador do Rio de Janeiro, e
acredito que a decisão tenha tido base nas provas apresentadas.
O Rio tem solução? O Rio foi a capital do país. É destino de turistas
de todo o mundo que vêm visitar o Brasil. A cidade tem uma história rica e um
povo aguerrido, trabalhador. Políticas públicas consistentes podem reduzir a
violência e melhorar a urbanização e condições de bem-estar da população, que
merece um serviço público de melhor qualidade. Mas os eleitores têm que fazer
sua parte e escolher bem seus representantes, baseando-se no histórico de vida
deles e nos programas.
Qual a sua expectativa sobre a
gestão do ministro Fux, que toma posse na próxima semana na presidência do
STF? Tenho uma grande admiração pelo
ministro Luiz Fux, que fez carreira na magistratura. Acredito que ele fará uma
gestão técnica, equilibrada e discreta, e buscará afastar o Tribunal das
questões políticas.
O Congresso está às voltas com a
discussão sobre a reforma administrativa, e parece que não vai priorizar a
discussão sobre temas defendidos pelo senhor, como a prisão em segunda
instância. Como vê esse movimento? Acredito que deixar essa pauta de lado vai trazer um prejuízo para a
população, principalmente a mais vulnerável, já que é ela a maior vítima dos
crimes praticados por pessoas poderosas politicamente e economicamente. Para
citar um exemplo que tem acontecido durante a pandemia, vejamos o caso das
suspeitas de desvios na compra de respiradores. Vão permanecer impunes sem a
execução da condenação em segunda instância.
(*) Ana Dubeux, Ana Maria
Campos, Carlos Alexandre – Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense
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