Novos ares no Supremo. Ministro Luiz Fux assume a presidência da mais
alta Corte de Justiça com preocupações mais jurídicas do que políticas, passado
o primeiro semestre de tensões com o Executivo. Tendência é de fortalecer a
jurisprudência, valorizar a pauta econômica e respaldar a Lava-Jato
Aos 67 anos, o ministro Luiz Fux toma posse hoje
como presidente do Supremo Tribunal Federal. Ele vai ocupar a cadeira deixada
pelo ministro Dias Toffoli, que deve retornar à Segunda Turma da Corte. Com
mandato de dois anos, o magistrado deve enfrentar pautas polêmicas durante sua
gestão, como a descriminalização do uso de drogas, e resgatar as controvérsias
da prisão após condenação em segunda instância, que, atualmente, está proibida
por decisão do plenário da Corte.
Fux precisará preparar o cenário para as eleições
gerais de 2022, mas, antes disso, garantir a segurança jurídica do pleito deste
ano, dividindo funções com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), liderado pelo
colega, Luís Roberto Barroso. Na mesma cerimônia, a ministra Rosa Weber assume
a vice-presidência do Supremo.
Toffoli lembrou, ontem, no discurso de encerramento
de sua gestão, que o ministro Fux também é professor e reúne amplo conhecimento
na área jurídica, tendo sido aprovado em primeiro lugar no concurso de juiz nas
comarcas de Niterói, Caxias, Petrópolis e Rio de Janeiro. “Não são só nove
anos: é toda uma história de vida que o ministro Luiz Fux traz nessa bagagem de
magistrado, professor, intelectual e como coautor do novo Código de Processo
Civil (CPC), dando maior celeridade e segurança jurídica”, afirmou o
magistrado.
Nos bastidores, fala-se que o presidente eleito já
deixou claro que as visitas não institucionais estão fora de cogitação.
Episódios midiáticos, como a ida do presidente Jair Bolsonaro com empresários
ao STF, em maio deste ano, para pedir a flexibilização das medidas restritivas
contra o coronavírus, não deverão se repetir.
Visto como um ministro extremamente técnico e
linha-dura nas questões penais, a expectativa é deque Fux tire o Supremo do
holofote político, quando passou a ser alvo de ataques, por parte dos
bolsonaristas. As reuniões com presidentes da Câmara e do Senado, e com o
presidente e interlocutores do Palácio do Planalto, devem rarear,
diferentemente de como vinha acontecendo com o presidente Dias Toffoli, que
manteve muito diálogo com os outros Poderes.
Na avaliação de interlocutores da Corte, a intenção
do ministro é manter uma harmonia com os demais Poderes, não se furtando de
tratar de assuntos importantes ao Judiciário e à segurança jurídica do país,
mas com uma distância segura; prezando pela independência. E em caso de ataque
ao STF, como se viu quando o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub afirmou
que integrantes do Tribunal deveriam ser presos, pode-se esperar uma reação
firme.
Cabo e soldado: A relação do governo Bolsonaro com o STF é difícil
desde antes de o chefe do Executivo assumir a cadeira. Em 2018, antes do
segundo turno das eleições, veio à tona um vídeo feito naquele ano do deputado
federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) dizendo que para fechar o STF, bastariam um
soldado e um cabo. Em 2020, o trato entre Planalto e Supremo tornou-se mais
problemático.
Dentre as várias declarações do presidente, não se
pode esquecer da resposta à ação do ministro Alexandre de Moraes, que autorizou
busca e apreensão contra bolsonaristas no âmbito do inquérito das fake news,
que investiga informações falsas e ameaças contra ministros do Supremo. “Ordens
absurdas não se cumprem, e nós temos que botar um limite nessas questões. Não
teremos outro dia como ontem, chega! (...) Acabou, porra!”, afirmou Bolsonaro,
em maio deste ano, criticando, ainda, as decisões monocráticas.
Em meio à escalada de tensão, além da ameaça de
impeachment pairando sobre o presidente Jair Bolsonaro (antes da aliança com o
Centrão), Toffoli buscou uma gestão conciliadora e de muito diálogo. Essa
atitude é considerada, por muitos, como fundamental para garantir a ordem
democrática no ambiente político tomado por ataques às instituições,
disseminação de mensagens de ódio e insatisfação do Planalto com deciões
monocráticas do Supremo.
Passado o momento político mais tenso do primeiro
semestre, o próximo presidente do Supremo Tribunal Federal deve resgatar à
Corte a missão de assegurar a unidade jurídica nacional. O ministro tenderá a
conduzir o STF em busca da formulação de uma jurisprudência sólida e
inequívoca, a fim de evitar insegurança jurídica, loteria legislativa e outras
distorções.
Apoio à operação: Nos bastidores do Supremo, há uma expectativa de
que Fux remeta ao Congresso a análise de algum assunto que julgar não ser de
competência do Supremo. Internamente, sabe-se que o ministro é contra a
interferência em assuntos afetos ao Legislativo ou Executivo, e que caberia aos
parlamentares, eleitos pelo povo, discutir políticas importantes à sociedade. A
instância hegemônica na democracia não seria, portanto, o Judiciário, ou um
governo de juízes.
No entanto, Fux entende que o STF tem o dever de
pautar um assunto caso não entre no Congresso — como é o caso de temas que
perturbam segmentos conservadores. Neste cenário, quando a questão pode impedir
direitos básicos, o Supremo deve interferir, como fez no caso de união
homoafetiva ou no aborto de anencéfalos, decidido pelo STF e com voto favorável
de Fux em ambas matérias. O novo presidente também guarda uma visão forte de
inclusão, assim como a defesa do meio ambiente e a aplicação de análises
econômicas nas decisões do Supremo.
É certo, ainda, que a área penal receberá especial
atenção de Fux. No momento, a pauta mais em voga está em torno da Operação
Lava-Jato. O novo presidente do Supremo é notório defensor da Operação e deve
garantir respaldo à força-tarefa, que continua em atividade até 31 de janeiro
de 2021. Entre os assuntos previstos para serem julgados nos próximos meses
está a constitucionalidade da descriminalização do uso de todos os tipos de
drogas, tendo em lados opostos da discussão direitos coletivos e individuais.
As sessões devem ocorrer virtualmente até o fim do ano, em razão do risco de
contaminação dos magistrados por covid-19.
A advogada Hanna Gomes destaca que além de pautas
econômicas, questões do direito penal devem ter destaque na gestão do ministro.
“Certamente, o foco será em pautas da economia, trabalhistas, tributárias, da
área da Saúde e a definição de marcos regulatórios. Porém acredito que alguns
tópicos podem retornar à pauta, principalmente as temáticas processuais penais
que circundam a Operação Lava-Jato, como a prisão em segunda instância, a ordem
das alegações finais, a fixação da competência dos crimes eleitorais e a
possibilidade de delações premiadas a qualquer tempo do processo —tais questões
influenciam uma grande quantidade de outros processo e por isso devem ser
resolvidas nesta gestão, com a finalidade de acelerar e enxugar o Judiciário”,
afirmou.
Renato Souza - Sarah Teófilo – Correio
Braziliense
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JUSTIÇA