O governo de São Paulo anunciou a
disponibilização de 5 milhões de doses da vacina chinesa contra covid 19 em
outubro, no momento que os registros decrescem vertiginosamente no Brasil.
Antes tarde do que nunca, considerando que a tal vacina, hoje na terceira fase
de testagem, seja mesmo bem sucedida em seu propósito preventivo.
A boa notícia, além do evidente, isto é, a cura da doença maldita, seria a probabilidade do governo paulista ter firmado um acordo de transferência de tecnologia adequado com o laboratório chinês, denominado Sinovac. Esta coluna já aduziu severas críticas ao estilo parasitário de João Dória conduzir suas afeições políticas, assim como também já sopesou duras críticas ao desastre publicitário do governo federal na pandemia, contudo, quando algo é bem feito, independentemente de paixões políticas, é dever do articulista o de reconhecer.
Não se sabe ainda se Doria realmente
fez o dever de casa, mas a torcida se dá nesse sentido. Haverá politização? Evidentemente,
sim. Hoje em dia, catalisado pelo fenômeno do ócio coletivo em redes sociais, a
politização está presente em tudo que se possa imaginar.
Falando em politização, que não
faltou nessa pandemia, aliás, de todos os lados e espectros possíveis, a
reflexão sobre erros e possíveis condutas que poderiam ter amortizado ao menos
um pouco os efeitos duros desta crise ganham espaço nas mentes mais aguçadas.
Afinal, nobilíssimo leitor, quais
foram os erros? O quê poderia ter sido diferente? Se voltássemos no tempo,
ainda que tivéssemos as mesmas informações dispostas na época, onde erramos? E,
se erramos, havia mesmo algum jeito de impedir a proliferação do vírus? Primeiramente, algumas certezas
indigestas:
A probabilidade de vivermos outra
pandemia nos próximos dez anos, sopesando os últimos dez, é bastante alta,
embora uma pandemia com essa capacidade destrutiva e velocidade de alastramento
em escala mundial, como ocorreu com a covid 19, talvez seja de impossível
previsão. Alguma pandemia, ou uma epidemia mais violenta e setorizada,
certamente haverá. Como ela seria? Impossível prever. Mais fácil cogitar,
entretanto, características que aconteceram e ainda acontecem na covid 19 que
certamente se repetirão.
Vejamos: A globalização da economia amplificou
de modo imensurável o fluxo de coisas entre as nações, ou entre continentes. Se
pudéssemos voltar no tempo, talvez a primeira ideia que afloraria na mente da
maioria seria o fechamento mais prematuro das fronteiras.
Talvez isso tivesse de fato impedido
o alastramento em algumas regiões, contudo não se sabe se o vírus, neste modelo
econômico geopolítico atual, seja de fato um fenômeno evitável. A Argentina,
por exemplo, optou por um isolamento mais rígido, que logicamente tolheu ainda
mais o PIB já massacrado do país, acreditando que poderia evitar o vírus numa escala
considerável, porém acabou apenas protelando o caos.
Fecha-se o tráfego de pessoas em
aeroportos, porém o fluxo de mercadorias internacionais continua. O vírus entra
de qualquer forma, uma vez que hoje em dia a produção de tecnologia demanda uma
pluralidade cultural, ou seja, peças são fabricadas em vários países e a própria
questão de subsistência depende do tráfego de mercadorias bastante intensa. A
impressão é que, ainda que pudéssemos ter fechado as fronteiras mais cedo,
talvez o surto fosse inevitável pelo modelo de economia globalizado com este
fluxo de mercadorias ininterrupto.
Se a restrição feita já rendeu repercussões
econômicas severas no PIB dos países envolvidos, uma interrupção da movimentação
de mercadorias essenciais talvez matasse muito mais do que o vírus, ou seja,
talvez vivêssemos algo parecido com a Rússia stalinista onde milhões morriam de
inanição. Nós fomos ao limite do que uma economia globalizada permite.
Outro fato curioso é que o consenso
entre epidemiologistas sobre qualquer pandemia é de que a prévia circulação do
vírus define o futuro grau de alastramento, em progressão geométrica até, isto
é, no carnaval, onde achávamos que estava tudo bem, ou até antes disso, talvez
em janeiro, muitos assintomáticos talvez já tivessem passando o vírus sem saber.
A dificuldade de comunicação entre
governos num cenário geopolítico hostil faz com que nações mais fechadas
culturalmente, como a própria China, por exemplo, não divulguem a tempo sobre o
potencial destrutivo de um problema já conhecido.
Em outras palavras, considerando que até a maior economia do mundo não conseguiu se precaver do problema, talvez se tivéssemos a oportunidade de voltar no tempo, a única forma de amenizar a pandemia seria forçar a China a divulgar a informação mais cedo, se é que eles tinham de fato ciência da gravidade do vírus.
A politização cafajeste faz com que
apenas as bravatas inoportunas feitas por Bolsonaro na televisão sejam postas
em holofotes, contudo há algo muito mais sério e digno de atenção nessa questão
de uma economia globalizada como celeiro perfeito para o fluxo de um vírus que
pudesse ser mais letal, inclusive, do que o covid 19. Quais seriam as formas de
prevermos e nos prepararmos para um cenário como este? Haveria uma forma,
aliás?
O motor de uma economia globalizada,
como eu costumo dizer, é como um reator nuclear. Não se desliga essa máquina sem a
perícia adequada, sob pena de provocar uma explosão muito maior do que o
problema inicial que provocou o desligamento. Não há no cenário político,
contando com uma OMS aparelhada e ideologizada, um debate sério sobre isso. Aos amantes do terror
cinematográfico, deixo a reflexão:
Talvez, na globalização, as pandemias
sejam o nosso “oitavo passageiro”.
É inevitável.