Há três semanas, ao chegar em casa, no Lago Norte, Maria Lúcia Martins se deparou com um grupo de capivaras próximo ao portão
*Por Caroline Cintra
Capivaras deixam população em alerta. Moradores do Lago Norte reclamam da constante aparição de carrapatos dos roedores na região e temem doenças graves transmitidas por eles, que, com o isolamento social e mais gente em casa, ganharam as ruas. Ibram estuda realocação dos roedores
O
Instituto Brasília Ambiental (Ibram) está em fase de conclusão de um estudo que
monitora a população de capivaras às margens do Lago Paranoá. A pesquisa
realizada pelo órgão, em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente, Embrapa,
Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Católica de Brasília,
pretende quantificar os roedores e estabelecer o estado de saúde deles,
identificar os parasitas existentes e verificar se há risco de transmissão de
doenças para humanos. O intuito é levantar as informações necessárias para que
as ações corretas sejam implementadas. Segundo o Ibram, o projeto será posto em
prática ainda este ano.
De forma
emergencial, o instituto está verificando a possibilidade de realizar bloqueios
pontuais nas passagens para pedestres às margens do Lago Paranoá, impedindo que
as capivaras acessem as ruas e as vias de tráfego, tanto do Lago Norte quanto
do Lago Sul, evitando acidentes e conflitos evitáveis. O controle populacional
do animal, no entanto, só é implementado quando constatada a superpopulação da
espécie e em locais em que há risco iminente à saúde humana. No caso das
capivaras, não foi verificado risco.
Uma das
maiores preocupações de quem vive próximo ao lago é o aparecimento dos
carrapatos das capivaras, que podem transmitir doenças graves; entre elas, a
febre maculosa. De acordo com o instituto, mesmo o parasita sendo hospedeiro
frequente nos roedores, ainda não foi detectado o agente contaminante para tal
patologia. “Um dos compromissos do Ibran é deixar a população bem informada
quanto à questão da convivência harmônica entre humanos e animais silvestres,
uma vez que tratamos de todos os assuntos pertinentes à fauna silvestre com o
foco, também, na saúde pública”, informou a nota enviada pelo órgão.
Há relatos da
presença de capivaras na orla do Lago Norte desde a década de 1970. Com a
democratização do local, novas Áreas de Proteção Permanente (APPs) passaram a
ser disponibilizadas, tanto para as pessoas quanto para as capivaras, fazendo
esses encontros, que antes eram raros, tornarem-se mais frequentes.
Receio
constante: Enquanto os projetos não saem do papel, a população
teme a presença dos carrapatos. Há três semanas, a aposentada Maria Lúcia
Martins, 69 anos, foi picada por um. Ela lembra que estava no segundo pavimento
da casa quando viu o parasita subindo em uma das pernas. “Levei um susto. Tirei
com a mão, precisei de força e até sangrou. Fiquei preocupada”, contou.
Até ter a
própria experiência, a aposentada não sabia sobre os riscos dos carrapatos para
a saúde. Como mora no início da quadra e tem um jardim, acredita que a grama
atraia os animais. “Tenho o costume de andar no jardim, passo a mão nas folhas.
Para evitar problemas, precisamos jogar veneno na área. Nossa intenção não é
machucar as capivaras, mas afastar os carrapatos”, afirmou Maria Lúcia.
A publicitária
Maria Luisa Cunha, 32, que mora na Asa Norte, foi até a casa da mãe, que fica
na QL 15, acompanhada do marido e do filho de 4 anos. A visita terminou com
três das quatro pessoas picadas por carrapatos. Embora isso nunca tivesse
acontecido antes, a família optou por não ir ao médico — em função da pandemia
— e tratou a ferida com pomada por cinco dias até os sintomas de coceira e
vermelhidão reduzirem.
“A gente
brincou no quintal e dormiu lá. No dia seguinte, encontrei os carrapatos nos
três, porque estávamos nos coçando demais. Tirei os bichos com álcool, igual se
faz com cachorro, e comecei a aplicar a pomada”, disse Maria Luísa. Ela também
explicou que sempre frequentou a região do Lago Norte, áreas verdes como o
Parque das Garças e o próprio lago, mas nunca os carrapatos foram tantos quanto
agora.
Um dia após
visitar uma área verde que acessa o Lago Paranoá, a produtora de audiovisual
Natália Dominici, 34, percebeu que foi picada por um carrapato na cabeça e no
pescoço. Assustada, ela arrancou os parasitas com as mãos, passou álcool e
ficou de olho se apareceriam sintomas de alguma doença, o que não aconteceu.
Embora a presença de capivaras não seja novidade para quem mora nos lagos Sul e
Norte, ela observou que, desta vez, os animais avançaram mais. “Eu notei que,
depois da obra da Ponte do Bragueto, aumentou mais. Elas estão mais próximas”,
disse a moradora da região.
Área verde: A médica veterinária Camila Maximiano explica que, com o isolamento
social e as pessoas mais em casa, as capivaras encheram as ruas, principalmente
as regiões com água, como os lagos Sul e Norte, e com área verde, já que são
animais herbívoros, que se alimentam de folhagem. Nas regiões urbanas, eles
acabam tendo mais contato com outros animais, transmitindo os carrapatos para
eles e, consequentemente, para os humanos. “Os carrapatos não passam direto da
capivara para as pessoas, eles estão no ambiente, no chão. Os pets, por
exemplo, estão mais expostos, porque têm mais contato com o mato e o chão. Eles
podem levar para casa”, detalha.
O principal
risco de contato com um carrapato de capivara é contrair febre maculosa. A
doença não é comum no Distrito Federal. De acordo com a Secretaria de Saúde do
DF, apenas três casos foram registrados na capital, sendo um em 2005, outro em
2006 e o último em 2016. Não houve óbitos. Em caso de contato com o carrapato,
o dermatologista Erasmo Tokarski orienta procurar um médico imediatamente para
evitar problemas com a saúde. “Para se proteger, o ideal é usar repelente antes
de ir a locais com esses animais”, instruiu.
Prevenção: A presença dos carrapatos de capivara é mais comuns na Região Sudeste.
Durante a seca, porém, eles costumam aparecer no Centro-Oeste. Para prevenir
casos de infecção, a Vigilância Ambiental em Saúde da Secretaria de Saúde do DF
informa que monitora os ambientes com infestação, realizando a coleta e a
identificação da espécie. Além disso, orienta a população com medidas
preventivas. Os parasitas coletados são enviados ao Laboratório de Referência
Nacional em Vetores das Riquetsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)
para pesquisar a presença de bactérias responsáveis pela doença. Os principais
hospedeiros desse tipo de carrapato são as capivaras, os cavalos e os cães.
O biólogo
Israel Martins explica que o trabalho da Vigilância Ambiental é educativo e de
orientação. “Não aplicamos inseticidas no ambiente e nos animais, até porque, o
uso de carrapaticidas não é recomendado, por ser uma medida de controle pouco
eficaz, principalmente se utilizada como única estratégia de controle”, diz. O
especialista alerta que o uso de carrapaticida é nocivo a outros animais
invertebrados e pode ser um contaminante de água e solo. Ele esclareceu, ainda,
que a utilização de produto químico deve ser feita apenas em situação de grande
infestação, em áreas com a transmissão da febre maculosa.
Enfermidade: A febre maculosa é uma doença infecciosa, febril aguda e de gravidade
variável. Ela pode se apresentar desde em formas clínicas leves e atípicas até
em graves, com elevada taxa de letalidade. A patologia é causada por uma
bactéria do gênero Rickettsia, transmitida pela picada do carrapato.
Febre maculosa: Sintomas » Febre alta, dor de cabeça
intensa, náuseas e vômitos, diarreia e dor abdominal e muscular constante. Além
disso, podem aparecer inchaço e vermelhidão nas palmas das mãos e sola dos pés,
gangrena nos dedos e orelhas, paralisia dos membros, que se inicia nas pernas e
sobe até os pulmões, podendo causar parada respiratória.
Diagnóstico » O diagnóstico não é fácil, pois os sintomas iniciais são
semelhantes aos de outras doenças, como leptospirose, dengue, hepatite viral,
entre outras. O indicado é procurar um médico, que solicitará exames. A falta
ou demora no tratamento pode afetar o sistema nervoso central, os rins e
pulmões, com risco de morte.
Tratamento » Ele é feito com antibióticos específicos. Em determinados casos,
pode ser necessária a internação do paciente, conforme avaliação médica.
(*) Caroline Cintra ~~~~ Colaborou Jaqueline Fonseca – Correio Braziliense