Renda e desemprego em Brasília
*Por Aldo Paviani
Durante a transferência da capital do Rio de
Janeiro para Brasília, oferecia-se a “dobradinha”, salário em dobro como
estímulo para a mudança dos funcionários recalcitrantes. À época, a medida
tinha algum sentido, pois se buscava atrair profissionais qualificados para a
nova cidade em construção.
Nos dias atuais, não se justifica a benesse em
questão. Brasília não é mais o canteiro de obras desconfortável do “sertão” dos
fins de 1950, mas uma cidade plena, cheia de atrativos. Contraditoriamente, no
entanto, para certos setores do funcionalismo, o estímulo de hoje é maior do
que a dobradinha.
Há salários muito altos em órgãos federais,
apartamentos funcionais para congressistas e outros benefícios extras. Como
explicar isso senão considerando a histórica tendência brasileira de proteção à
aristocracia, a elite inserida no sistema? Para o escalão inferior, paga-se o
equivalente a dois salários mínimos, no valor de hoje, R$ 2.090,00. Para o
diretor, R$ 30 mil.
A fim de incentivar equidade para o futuro, há que
investir em maior igualdade salarial, democratizando o acesso a postos de
trabalho e recursos públicos, como saúde pública (saneamento básico — água
tratada e esgotamento sanitário), escolas e moradia condignas para os
habitantes do Distrito Federal (DF) e das regiões do país.
No Brasil, sonha-se com futuro glorioso, mas não se
desperta para o valor da educação, a única certeza de futuro que podemos
oferecer às gerações atuais e vindouras, bem como acesso a postos em atividades
que remunerem de forma mais igualitária. Para que o país evolua, é preciso
olhar as próximas décadas com patriotismo e desprendimento, tanto no setor
público quanto no privado.
Há algum tempo se escreveu que é difícil prever o
andamento das atividades econômicas em tempos de crise econômica, instabilidade
política e pandemia. Nessas condições, é igualmente pouco viável antever o
futuro dos 3,055 milhões de habitantes de Brasília e de sua coroa
metropolitana, formada ao longo de 60 anos, fora dos limites do DF, com cerca
de 1,3 milhão de pessoas, moradores dos 12 municípios goianos próximos, com
acesso ao mercado de trabalho e serviços da capital.
Com essa população, a metrópole possui mais de 4
milhões de habitantes e quadro de atividades econômicas pouco elástico,
sobretudo porque se baseia em serviços, privados e públicos, instáveis,
sujeitos a crises, como a presente, ocasionada pela covid-19. Considere-se
ainda a constante entrada no mercado de trabalho de jovens nascidos em
Brasília, pois a evolução populacional interna é maior do que o contributo das
imigrações para aqui trabalhar.
Há aumento dos que se apresentam para o primeiro
emprego, mas não há atividades novas para serem admitidos, tal como indicado na
Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) de junho/julho, realizada pelo convênio
da Codeplan com o Seade/Dieese/Setrab. Um dos resultados mostrou que para o 1,5
milhão de componentes da PEA, há 21,6% desempregados ou 327 mil pessoas
desocupadas.
Se compararmos o desemprego de julho de 2020,
atingindo 293 mil trabalhadores, com o de julho de 2019, 292 mil desempregados,
vê-se que o aumento do desemprego foi pequeno. Todavia, saliente-se que, ao
lado da PEA, é relevante a — População em Idade Ativa (PIA). Compunha a PIA
2,44 milhões de pessoas em julho de 2019 e, em julho último, 2,488 milhões.
Essa PIA necessita de novas atividades e postos de trabalho novos.
Enfatize-se a questão salarial. Em junho de 2020, o
setor privado apresentava rendimento médio real de R$ 3.658,00 — segundo a
Codeplan com leve aumento (de, 0,5%) em relação a junho de 2019, R$ 3.639,00. O
emprego público apresentava enorme diferença salarial com o setor privado. Em
junho de 2019, eram pagos aos funcionários públicos, em média, R$ 8.742,
enquanto que, em junho de 2020, com leve redução de 1,5%, eram de R$ 8.609. A
diferença — privado-público — demonstra ser efetivo o desequilíbrio salarial,
que pesa na desigualdade socioespacial de Brasília. Os melhores salários são
pagos no Plano Piloto, enquanto os mais baixos rendimentos são auferidos pelos
moradores das regiões administrativas mais pobres, quase sempre distantes do
centro metropolitano. Ou seja, aqueles com maior acesso à educação têm acesso
aos melhores postos de trabalho e, se tiverem sorte, terão recompensa extra.
Com a manutenção desse sistema, a única previsão que podemos fazer para o
futuro é o não futuro. Estaremos sempre atrasados na busca por um mundo melhor.
(*) Aldo Paviani
- Geógrafo, professor emérito, pesquisador do Neur e do Núcleo do
Futuro/Ceam/Universidade de Brasília – Foto/Ilustração: Blog-
Google – Compartilhado do Correio Braziliense
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