A pandemia
da covid-19 foi o fator alegado para que a Secretaria de Cultura e Economia
Criativa (Secec), em decisão com o Governo do Distrito Federal (GDF),
cancelasse os eventos oficiais do réveillon e do carnaval 2021. Em decisão
ainda não oficial, o secretário da pasta Bartolomeu Rodrigues deixou claro:
“Não há condições sanitárias de realizar as festas, por conta da covid-19”.
“Embora não seja ainda um anúncio formal, já é uma prévia: sem vacina, sem
segurança, não promoveremos aglomerações. Diferente de outras atividades
culturais, o carnaval pressupõe contato físico, abraços e multidões. Nada
indica que, até lá, teremos condições de abrir espaços públicos com essa
finalidade”, completou ao Correio.
Nas últimas
edições, os investimentos públicos nas duas festas foram da ordem de R$ 4
milhões no carnaval e de R$ 2,6 milhões no Ano Novo. Evitar a possibilidade de
gerar inevitáveis aglomerações, comuns às festividades, levou a Secec a não
“arriscar investimentos nessas grandes festividades”, expressa a nota oficial
da Secretaria de Cultura. Quanto à realização de eventos privados, a Secec
afirmou tratar, por enquanto, apenas da divulgação do corte de fundo público. O
GDF endossou a resposta da secretaria.
Impacto nas
escolas: Há seis anos, as escolas de samba do Distrito
Federal não pisam na avenida para desfile. A tradição da cultura popular da
capital, criada em 1962, sofre prejuízos de diferentes origens que envolvem o
financeiro e também o afetivo. “Vamos completar sete anos sem atividades. É
muito difícil manter as instituições assim”, afirma o presidente da Associação
Recreativa Unidos do Cruzeiro (Aruc), Rafael Fernandes de Souza. Apesar de
algumas atividades serem realizadas para ajudar economicamente a escola, a
pandemia paralisou todos os encontros presenciais.
“Tivemos nossa
primeira live no sábado, para escolher um samba enredo para 2021, mesmo sabendo
que não iríamos para a avenida”, diz Rafael sobre a primeira transmissão ao
vivo realizada pelo Instagram da Aruc, a fim de manter as atividades on-line e
para comemorar os 59 anos que a escola completa amanhã. “Mas esperamos uma
maior segurança sanitária, para a gente poder realizar alguma atividade
carnavalesca, afinal, não queremos deixar esse movimento cultural morrer”,
complementa o presidente.
O presidente
da escola de samba Império do Guará, Edivaldo Lucas da Silva, traz uma
perspectiva de quanto o carnaval movimenta a economia nas comunidades. “No lado
financeiro, para nós que somos empresas sem fins lucrativos, não temos gastos
diretamente só quando tem carnaval. As pessoas que trabalham estão sentindo
falta, porque, nessa época, estão empregados”, pontua Edivaldo, que chama
atenção para os engenheiros de carros alegóricos, os carnavalescos, a equipe de
bateria, figurinistas, coreógrafos entre outros.
Edivaldo
reconhece que o cenário atual é de se cuidar e evitar aglomerações, porém
compartilha a dificuldade de encontrar apoio financeiro público. Por isso,
sugere uma alternativa de fortalecer a relação com instituições privadas com
leis de incentivo a cultura. “O meu objetivo é focar nas leis, em que o governo
incentive mais as escolas de samba, como qualquer outra parte cultural, e
também as empresas privadas, para que conheçam mais elas”, afirma o
representante.
Efeito
dominó: Entre os tradicionais e cada vez mais populares
blocos de carnaval, houve surpresa, mas também algumas manifestações de apoio
às decisões. “Estamos convivendo com um momento único. É muito difícil prever
decisões que envolvam segurança sanitária. Talvez, fosse interessante mesmo
adiar a festa. Concentrar festejos no aniversário dos 61 anos de Brasília, por
exemplo, talvez fosse uma decisão mais coerente”, opina Pablo Feitosa, diretor
do Suvaco da Asa, bloco que, em 2015, agitou mais de 100 mil foliões.
Afora a pandemia
e a falta de vacina, que trazem “prejuízo para a cultura e para muitos
trabalhadores, sem dúvida”, como destaca Pablo, há espaço para críticas
paralelas. Há 15 anos na estrada, e com público atual na faixa de 35 mil
pessoas, o bloco complementa com apoiadores o patamar anual de gastos
superiores a R$ 200 mil. “Há os artistas a serem pagos e ainda a segurança.
Diante das exigências do GDF, cerca de 70 a 80% do que é levantado vem a ser
consumido na estrutura da festa. Entre artistas, seguranças e brigadistas,
temos mais de 300 pessoas envolvidas. Há grupos, virtualmente dispensados (para
2021), como a Orquestra popular Marafreboi, Patubatê e Vivendo e Batucando,
entre outros”, conta Pablo Feitosa.
Integrante de
grupos brincantes como Rebu e o Bloco das Caminhoneiras, Dayse Hansa, uma das
articuladoras do coletivo de blocos Fora do Armário (que conta com 36 blocos
LGBTs), observa que há medida drástica do GDF. “Há pelo menos 10 anos, os
blocos impactam o PIB, a receita local, estando entre os maiores festejos do
calendário da cidade. A verba maior é de origem pública. Não é possível ser
bloco de rua, sem receita de bilheteria, e não contar com subvenção do estado.
Rendemos, de três a quatro vezes, os aportes iniciais”, comenta.
O Fora do
Armário contabiliza pelo menos 400 mil foliões por ano concentrados em blocos
como Essa Boquinha eu já Beijei, Bloco das Montadas, Bloco do Amor e mais 33
grupos. Diante da medida, o momento dos blocos é de mobilização e organização.
“A palavra cancelamento não é apropriada. O correto seria adiar o carnaval.
Fazê-lo em junho de 2021. Isso porque estamos num contexto de pandemia que
matou 200 mil pessoas. Não tínhamos a dimensão dos efeitos dela, que traz a
questão das aglomerações. No âmbito do coletivo, isso tudo é preocupante”,
comenta Dayse. Os blocos teriam à disposição valores de editais, com faixas
previstas entre R$ 15 mil e R$ 200 mil.
Com resultados
de reunião anual de 8 mil a 30 mil pessoas a cada ano, o Bloco Eduardo e
Mõnica, desde 2017 na pista, obteve apoio do GDF apenas no impulso inicial,
pelo que explica o fundador Marquinho Vital. “Recorremos ao apoio de empresas,
a partir de 2018. E ganhamos nova dimensão, em 2019 e 2020 (deslocados para
Yurb), com o fator limitante para prover segurança”, observa Marco. A notícia
dos cortes públicos chega na toada prevista por ele. “Havia a ideia de que não
rolaria incentivo financeiro a grandes aglomerações, por parte do governo. A
nossa preocupação é a de haver a possibilidade de ter eventos com número de
pessoas grande, diante da pandemia e da falta de vacina”, sublinha.
Por » Paula
Barbirato*~ ~ *Estagiária sob supervisão de Igor Silveira »
Ricardo Daehn – Foto: Ed Alves/CB/D.A.Press – Correio Braziliense