*Por » Irlam Rocha
Lima
A ocupação de espaços públicos da
capital com eventos artísticos, que vem ocorrendo frequentemente nos últimos
tempos, tem um precursor: o Concerto Cabeças. Realizado inicialmente, entre o
1978 e 1979, no gramado da SQS 311, o projeto passou a ter como palco em 1980 a
Rampa Acústica do Parque da Cidade, onde se manteve por 11 anos. Pela sua
importância, esse evento se tornou referência cultural para o brasiliense, que
agora o mantém na memória afetiva.
Isso foi reforçado em 18 de
setembro de 2010, com o Encontro Cabeças, na Praça das Fontes do Parque da
Cidade, do qual foram reunidos alguns dos artistas que contribuíram para
perpetuar essa história e celebrar a realização, uma década depois. O principal
responsável, porém, foi Neio Lúcio, idealizador, produtor e apresentador de
todas as edições do concerto. Ao falar sobre sua “invenção”, ele disse: “O
Cabeças trouxe o espírito de ocupação de espaço, com o que a gente tem de
melhor dentro dessa urbis. Ninguém melhor do que os artistas para descrever,
viver, cantar e encantar a cidade”.
O Cabeças, que foi plataforma de
lançamento de cantores e compositores, como Oswaldo Montenegro, Renato Mattos,
Eduardo Rangel, e os grupos Liga Tripa, Mel da Terra e Pessoal do Beijo, além,
obviamente, de Cássia Eller; abriu espaço também para representantes de outras
manifestações artísticas, como os poetas Nicolas Behr, Paulo Tovar, Luiz
Turiba, Sóter, Luís Martins; os atores Ary Pararraios, Aluísio Batata, o Grupo
Pitu (dirigido por Hugo Rodas), a trupe do Udigrudi, os artistas plástico
Wagner Hermuche e Eurico Rocha e o cineasta Pedro Anísio.
“Estávamos todos começando quando
surgiu o Concerto Cabeças, que se transformou numa oportunidade para a gente
cantar, tocar e levar nosso trabalho ao público”, lembra Oswaldo Montenegro. “O
Cabeças era também um ponto de encontro do brasiliense que ia ali para
socializar. Vivíamos o final da era hippie e a palavra que regia aquele
encontro era a liberdade. Até hoje, com mais de 50 anos de carreira, vivo
procurando a sensação que aquelas tardes me proporcionaram”, acrescenta.
Um dos poetas de maior destaque em
Brasília, com obra reconhecida em outras regiões do país, Nicolas Beher, que
fez parte da a Geração Mimeógrafo, chama a atenção para os saraus que ocorriam
dentro da programação do Cabeças. “Tanto eu como, Turiba, Sóter, Paulo Tovar,
Martins e Chacal tínhamos espaço para mostrar nossos poemas. À época, eu já
havia lançado os livros Iogurte com farinha, Grande Circular e Chá com porrada.
Era um momento de celebração coletiva, uma coisa hedonista e vibrante”,
ressalta.
Neio Lúcio tinha um projeto mais
ambicioso, em relação ao Cabeças. Ele sonhava com a criação de uma espécie de
museu virtual, para preservar a memória cultural daquela geração, que acabou
não se materializando. Esse projeto, agora vem sendo levado adiante por Moacir
Macedo, mineiro de Montes Claros e morador da capital desde 1965. Com o
apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), o documentarista e produtor cultural
está empenhado na realização de um documentário intitulado Concerto Cabeças —
Memória Afetiva da Cultura Brasiliense.
“Desde 2018, estou colhendo
depoimentos de músicos, poetas, atores, diretores, grupos de teatro, fotógrafos
e cineastas para o documentário. Trabalho também na criação de um aplicativo multimídia,
que apresentará o inventário do registro fotográfico do Concerto Cabeças,
performances dos artistas, cartazes, matérias e recortes de jornais, com o
registro daquelas animadas tardes de domingo, na 311/312 Sul e na Rampa
Acústica do Parque da Cidade”, completa.