Dois observadores da política norte-americana analisam o cenário das eleições na Casa Branca. Cada um aposta em um candidato.
Nascido em Richmond, capital da
Virginia, o advogado Rodrigo Badaró acredita na reeleição do bilionário Donald
Trump. O professor de Direito Constitucional e autor de livro que analisa
decisões da Suprema Corte americana, João Carlos Souto joga suas fichas na
vitória do ex-vice-presidente Joe Biden.
Ambos sustentam que na política
dos Estados Unidos não há muito espaço para resistências de derrotados, mesmo
que o perdedor seja o atual presidente Trump. Outro ponto em que concordam é o
impacto da pandemia do novo coronavírus na sucessão presidencial.
Não fossem as mortes por covid-19
e a criticada atuação de Trump para conter a disseminação da doença, a vitória
do republicano seria uma barbada. O cenário, no entanto, é outro. Hoje (03/11)
é o Dia D.
Quem vai ganhar a eleição nos
Estados Unidos? BADARÓ – Trump, não obstante as previsões
contrárias. SOUTO – Creio que parte do eleitorado reconhece méritos a
Biden por ter participado do governo Obama e por ter sido por ele designado
para coordenar em parte a recuperação econômica, especialmente o “bailout” da
indústria automobilística. Acresça-se o comportamento errático de Trump com
relação aos aliados europeus e as referências pouco honrosas aos militares que
sucumbiram nos diversos conflitos bélicos que os Estados Unidos se envolveram
desde a Primeira Guerra mundial. Tudo isso forma um caldo que favorece ao
Biden.
Se Biden ganhar, acha que Trump vai aceitar? Ele já
começou a questionar o sistema de votações. BADARÓ – Vai aceitar
porque os americanos evitam questionamentos de procedimentos seculares em prol
da estabilidade, contudo, será certamente a mais tumultuada discussão, se for
placar apertado. Ambos os lados estão jogando tudo na eleição, inclusive de
forma heterodoxa de ambos os lados, como vimos nas urnas falsas, ataques na
internet e agora falecidos votando pelo correio. SOUTO – Se ele
pensava em resistir, as defecções dentro do Partido Republicano devem
conduzi-lo a uma outra linha. Se ele negar o resultado eleitoral, do nada, ele
teria o apoio de quem? Salvo se houvesse um argumento quase robusto como “Bush
v. Gore”… Não creio que a ministra recém-empossada, Amy Coney Barrett, vá
atender a apelos partidários. O Chief Justice John Roberts não embarcaria nesse
Titanic. Ele já deu provas disso em outros momentos, inclusive este ano,
votando com a ala liberal da Corte.
Qual o impacto da pandemia na
decisão dos eleitores norte-americanos? BADARÓ– Se não fosse a
pandemia, o Trump, considerando a questão econômica, a meu ver, daria uma
“surra” no Biden, como foi com Reagan em Mondale em 1984, ganhando em 49
Estados e de 523 a 13. SOUTO – Enorme, gigantesco, porque ela foi
malconduzida desde o início. Trump patina nas pesquisas por conta da pandemia
e, claro, do conjunto da obra, desde a famosa descida na escada rolante da
Trump Tower, quando anunciou a candidatura.
Para o Brasil, é melhor Trump ou
Biden? BADARÓ – Acredito que a política internacional americana é
pragmática e de Estado, não de Governo, mas talvez haja impacto pior se Biden
ganhar, principalmente em questões sensíveis de meio-ambiente. Mas lato senso,
acho que haverá estabilidade com o tempo. Não há espaço para muita política
entre grandes parceiros comerciais, pois o mercado dita as regras. SOUTO –
Para o mundo, é melhor um candidato que respeite a Constituição de 1787,
monumento de mais de dois séculos de existência, e a tradição norte-americana
de ter a Democracia mais estável do mundo.
É justo ter mais votos da
população, mas não vencer a eleição, como ocorreu com Hillary Clinton e Donald
Trump há quatro anos? BADARÓ– O sistema eleitoral secular americano, de um
país considerado a maior democracia do mundo, que eu acho que não é, e sim o
Brasil, tem esse calcanhar de Aquiles. Sistema, contudo, que de uma forma,
mesmo que indireta respalda uma posição pseudo majoritária de ocupação regional
e econômica, que visou evitar populismo e consolidar a elite econômica e
intelectual. Mais um motivo pra bater palma para o Brasil. SOUTO –
Pode parecer estranho, mas o sistema norte-americano faz todo o sentido,
especialmente se considerarmos como ele foi construído a partir da
Independência, em 1776, e a Constituição de 1787. Trata-se de um compromisso
federativo, de modo a equilibrar a participação dos Estados na formação da
vontade nacional. Trato desse assunto no artigo Composição da Câmara e
equilíbrio federativo, publicado no Correio Braziliense, em 13 de
abril de 1998 (Caderno Direito & Justiça). O sistema americano obriga o
candidato e percorrer e valorizar todos os Estados.
Obama pode fazer a diferença para
eleger Biden na reta final? BADARÓ– Ele e Michelle são a diferença, mesmo
que tardia. A meu ver, deveria ter entrado em campo antes, mas pode pegar um
recall do suposto fracassado projeto econômico em seu governo. SOUTO –
Obama é um grande eleitor e sua passagem pela Casa Branca pode ser comparada a
de grandes presidentes como Lincoln, Reagan e Roosevelt. Observe que eu citei
dois republicanos e um democrata. Ele agrega muitos votos. Mas, a meu ver, o
maior inimigo de Trump é ele mesmo.
Ana Maria Campos – Coluna “Eixo
Capital” – Correio Braziliense